A falsa recuperação do mercado imobiliário
Image credits: Matias Santa Maria.
Investimento imobiliário bate recorde à boleia de investidores estrangeiros, refere o Económico. Tomando por base dados da consultora Cushman & Wakefield, a notícia dá conta do bom momento que atravessa o mercado imobiliário em Portugal com um investimento da ordem dos 1,9 mil milhões de euros no ano passado; o dobro do valor registado em 2014.
Os analistas apontam, por um lado, a política de expansão quantitativa do BCE como um dos principais factores que motivam este desempenho positivo. A política de recompra de dívida por parte do banco central permitiu injectar um volume elevado de liquidez na banca, fomentando a oportunidade para novos investimentos na área do imobiliário. Por outro lado, várias entidades viram-se na contingência de vender o seu património, apontando-se, a título de exemplo, o caso do Novo Banco, bem como outras instituições que, não sendo forçadas a tal, entenderam estarmos perante uma conjuntura favorável para proceder a vendas.
Um dado importante na leitura da situação actual encontramos no facto de 90% do volume das transacções no ano passado estar afecta a investidores estrangeiros, em particular dos Estados Unidos, Espanha e Alemanha. O investimento em activos imobiliários por parte destes três países ascende a valores da ordem dos 1240 milhões de euros, com os EUA a totalizar cerca de 800 milhões. Esses investimentos centram-se, especialmente, em grandes superfícies comerciais, plataformas logísticas, retail parks, edifícios de escritórios e ainda alguns activos para reabilitação urbana.
A consultora refere a previsão de um bom comportamento do mercado imobiliário para este ano, sustentado em factores geopolíticos, na estabilidade e credibilidade da política económica, fiscal e financeira portuguesa e [porque] não temos espaço para mais desaires nos sectores bancário nacional e internacional. De resto, a tendência do mercado nacional reflecte uma tendência mundial, com o investimento em imobiliário comercial na Europa a recuperar a níveis anteriores à crise de 2007/2008.
Emissão de licenças de construção em Portugal (2007-2015). Via Trading Economics.
Se os dados do sector imobiliário são francamente positivos, é interessante verificar como essa prestação não tem correspondência no mercado da construção. A emissão de licenças para edificação continua estagnada em baixa, após a queda progressiva a que se assistiu no período que distou entre o início da crise e o ano de 2014. Por outro lado, conforme refere a Cushman & Wakefield, a parte mais expressiva dos resultados observados assenta na transacção de centros comerciais e espaços de localização privilegiada destinados ao chamado retalho de luxo.
Sendo certo que o investimento estrangeiro é benéfico para a economia do país, traduzindo-se em entrada de divisas e aumento da receita fiscal, não pode ignorar-se que a dinamização do imobiliário parece estar a repercutir factores de natureza financeira, mais do que de natureza económica.
Está em causa, em primeiro lugar, que a margem de liquidez introduzida no sistema bancário por acção do programa de expansão quantitativa do BCE está a ser canalizada primordialmente para a aquisição de activos, em vez de ser conduzida para sectores mais reprodutivos da economia. Esse fenómeno corresponde, de resto, a algo muito semelhante ao que sucedeu com o processo de QE levado a cabo pelo Banco de Inglaterra, motivando uma bolha inflaccionária do mercado imobiliário londrino.
Mas a isto acresce um outro factor de enorme importância: o efeito da grande instabilidade pressentida pelos mercados financeiros quanto à possibilidade de uma crise deflaccionária mundial, o que já motivou sérios avisos por parte de várias instituições bancárias. Após as quedas da bolsa chinesa e o prospecto negativo em áreas de grande peso económico – petrolíferas e gás, indústrias extractivas e maquinaria pesada, entre outras – assistimos agora novos receios perante a volatilidade crescente das acções dos bancos europeus.
São factores que favorecem a procura de activos seguros por parte de grandes fundos de investimento estrangeiro, nomeadamente na aquisição de bens imóveis, o que corresponde afinal a um processo de parqueamento de capitais perante o cenário de grande instabilidade que se está a verificar. Significa isto que a vivacidade momentaneamente sentida no sector imobiliário, como acontece também em Portugal, é tão só a consequência de um fenómeno conjuntural, e não estrutural, da economia.
Como refere Steve Keen, o fim das políticas de estímulo levadas a cabo pelos bancos centrais terá como consequência a deflacção dos bens financeiros que estas inflaccionaram em primeiro lugar – motivando eventualmente essas instituições a virem de novo em socorro dos bancos, montadas no seu Rocinante monetário.
E assim andará a economia, de bolha em bolha, à espera que os responsáveis políticos e líderes das instituições reguladoras resolvam confrontar as causas da crise, em vez de acorrerem simplesmente a ocultar os seus sintomas.
Sobre este tema ler também: Alguns dados para compreender a crise da construção em Portugal e Uma história de sobreaquecimento da economia.
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Precisamente. O que se está a passar é circunstancial - empresas (leia-se construtoras) que detinham ainda património e que conseguiram não ficar insolventes com uma boa gestão de dívida perante os credores (bancos) chegaram ao fim do tempo dessa gestão. De facto não conseguindo vender o património, não conseguindo assim pagar as dívidas relativas aos financiamentos e na iminência de iniciar processo de insolvência, aceitam as propostas dos bancos de "venderem" o património (daí essa impressão de estar a haver alguma animação de mercado) mas a preço de saldo. Os compradores são empresas irmãs desses bancos, criadas e detidas pelos bancos. No fundo para que esses activos não estacionem como tóxicos na sua contabilidade, os bancos inventaram umas empresas que fazem a sua compra/gestão/venda por eles. Ou seja continua a existir a dívida correspondente ao financiamento mas fica em casa, passando de titular. Enquanto insistirem nestas "arquitecturas" criativas de bolhas e não se disser ao cidadão que todos os reis vão nus, não se poderá refundar o sistema e estará a ser adiada a inevitável guerra às várias "off-shore" onde realmente está o dinheiro que deveria servir para saldar as dívidas (e que fugiu do circuito controlado onde deveria circular). Porque não se pode esquecer que o dinheiro que os bancos emprestam a um investidor é o dinheiro dos depositantes! Ou faz-se essa guerra ou emitem-se mais euros a troco de nada e admitimos de uma vez que o dinheiro é só papel e voltamos às trocas directas(talvez por medo desta hipótese e da desvalorização brutal que se prevê para todas as moedas estarão os bancos mais interessados no imóveis). Enfim nada disto é exclusivo do nosso país, podíamos era ser originais e começar mesmo a mudar as coisas. Obrigada mais uma vez por tão bom texto, Daniel.
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