Exposição Habitar Portugal



A exposição inaugural Habitar Portugal 12-14 está patente na Galeria Municipal do Porto. É a primeira de um conjunto de exposições que, até ao final de 2017, irá percorrer o país, dando a conhecer um registo arquitectónico representativo do período que ficaremos a conhecer como os anos da troika.

Com o provocativo tema “Está a arquitectura sob resgate?”, a iniciativa revela-nos de que formas a produção arquitectónica portuguesa se ressentiu dos impactos da crise. Os comissários do projecto, Luís Tavares Pereira, Bruno Baldaia e Magda Seifert, enfatizam o contexto social e cultural deste tempo: austeridade, escassez, desemprego, diminuição do poder de compra, crise do mercado imobiliário, são tópicos que não conseguimos dissociar de uma reflexão profunda que incide sobre as condições da construção e da arquitetura nos anos 2012, 2013 e 2014.



Com parceria entre a Ordem dos Arquitectos e a Câmara Municipal do Porto, a mostra em exibição na Galeria Municipal é de entrada livre e estará patente até ao dia 25 de Abril. Em simultâneo irá decorrer um programa paralelo com diversas actividades complementares, cujos detalhes podem ser conhecidos no sítio web oficial da iniciativa. Para ficar a par de todas as novidades vale a pena acompanhar a página do Habitar Portugal no Facebook.

Diogo Seixas Lopes (1972-2016)



É com enorme pesar que a Trienal comunica o falecimento, esta madrugada, de Diogo Seixas Lopes (1972), arquitecto e Curador Geral - em conjunto com André Tavares - de "The Form of Form", a 4ª edição da Trienal de Arquitectura de Lisboa.
Diogo Seixas Lopes desde muito cedo revelou uma personalidade rara que o viria a confirmar como um dos mais importantes pensadores da arquitectura portuguesa.
A enorme relevância e qualidade única da sua carreira tornou-se evidente ao longo da actividade multifacetada e brilhante enquanto projectista, curador, crítico, conferencista, e ganhou forma também através do profundo envolvimento com as causas da arquitectura e dos arquitectos.
Na sua trajectória profissional, Diogo Seixas Lopes cruzou-se por diversas vezes com a Trienal, culminando essa relação na 4ª edição a realizar este ano. O projecto curatorial de "The Form of Form", que se encontra praticamente concluído, será conduzido até ao final por André Tavares.
Hoje a arquitectura portuguesa está de luto por uma perda irreparável. Desapareceu um grande arquitecto e um ser humano de qualidades notáveis que tinha um futuro extraordinário diante de si.
À sua família e amigos, a Trienal dirige as mais sinceras condolências.


Via Trienal de Arquitectura de Lisboa.

A falsa recuperação do mercado imobiliário


Image credits: Matias Santa Maria.

Investimento imobiliário bate recorde à boleia de investidores estrangeiros, refere o Económico. Tomando por base dados da consultora Cushman & Wakefield, a notícia dá conta do bom momento que atravessa o mercado imobiliário em Portugal com um investimento da ordem dos 1,9 mil milhões de euros no ano passado; o dobro do valor registado em 2014.

Os analistas apontam, por um lado, a política de expansão quantitativa do BCE como um dos principais factores que motivam este desempenho positivo. A política de recompra de dívida por parte do banco central permitiu injectar um volume elevado de liquidez na banca, fomentando a oportunidade para novos investimentos na área do imobiliário. Por outro lado, várias entidades viram-se na contingência de vender o seu património, apontando-se, a título de exemplo, o caso do Novo Banco, bem como outras instituições que, não sendo forçadas a tal, entenderam estarmos perante uma conjuntura favorável para proceder a vendas.

Um dado importante na leitura da situação actual encontramos no facto de 90% do volume das transacções no ano passado estar afecta a investidores estrangeiros, em particular dos Estados Unidos, Espanha e Alemanha. O investimento em activos imobiliários por parte destes três países ascende a valores da ordem dos 1240 milhões de euros, com os EUA a totalizar cerca de 800 milhões. Esses investimentos centram-se, especialmente, em grandes superfícies comerciais, plataformas logísticas, retail parks, edifícios de escritórios e ainda alguns activos para reabilitação urbana.

A consultora refere a previsão de um bom comportamento do mercado imobiliário para este ano, sustentado em factores geopolíticos, na estabilidade e credibilidade da política económica, fiscal e financeira portuguesa e [porque] não temos espaço para mais desaires nos sectores bancário nacional e internacional. De resto, a tendência do mercado nacional reflecte uma tendência mundial, com o investimento em imobiliário comercial na Europa a recuperar a níveis anteriores à crise de 2007/2008.


Emissão de licenças de construção em Portugal (2007-2015). Via Trading Economics.

Se os dados do sector imobiliário são francamente positivos, é interessante verificar como essa prestação não tem correspondência no mercado da construção. A emissão de licenças para edificação continua estagnada em baixa, após a queda progressiva a que se assistiu no período que distou entre o início da crise e o ano de 2014. Por outro lado, conforme refere a Cushman & Wakefield, a parte mais expressiva dos resultados observados assenta na transacção de centros comerciais e espaços de localização privilegiada destinados ao chamado retalho de luxo.
Sendo certo que o investimento estrangeiro é benéfico para a economia do país, traduzindo-se em entrada de divisas e aumento da receita fiscal, não pode ignorar-se que a dinamização do imobiliário parece estar a repercutir factores de natureza financeira, mais do que de natureza económica.

Está em causa, em primeiro lugar, que a margem de liquidez introduzida no sistema bancário por acção do programa de expansão quantitativa do BCE está a ser canalizada primordialmente para a aquisição de activos, em vez de ser conduzida para sectores mais reprodutivos da economia. Esse fenómeno corresponde, de resto, a algo muito semelhante ao que sucedeu com o processo de QE levado a cabo pelo Banco de Inglaterra, motivando uma bolha inflaccionária do mercado imobiliário londrino.

Mas a isto acresce um outro factor de enorme importância: o efeito da grande instabilidade pressentida pelos mercados financeiros quanto à possibilidade de uma crise deflaccionária mundial, o que já motivou sérios avisos por parte de várias instituições bancárias. Após as quedas da bolsa chinesa e o prospecto negativo em áreas de grande peso económico – petrolíferas e gás, indústrias extractivas e maquinaria pesada, entre outras – assistimos agora novos receios perante a volatilidade crescente das acções dos bancos europeus.

São factores que favorecem a procura de activos seguros por parte de grandes fundos de investimento estrangeiro, nomeadamente na aquisição de bens imóveis, o que corresponde afinal a um processo de parqueamento de capitais perante o cenário de grande instabilidade que se está a verificar. Significa isto que a vivacidade momentaneamente sentida no sector imobiliário, como acontece também em Portugal, é tão só a consequência de um fenómeno conjuntural, e não estrutural, da economia.

Como refere Steve Keen, o fim das políticas de estímulo levadas a cabo pelos bancos centrais terá como consequência a deflacção dos bens financeiros que estas inflaccionaram em primeiro lugar – motivando eventualmente essas instituições a virem de novo em socorro dos bancos, montadas no seu Rocinante monetário.
E assim andará a economia, de bolha em bolha, à espera que os responsáveis políticos e líderes das instituições reguladoras resolvam confrontar as causas da crise, em vez de acorrerem simplesmente a ocultar os seus sintomas.

Sobre este tema ler também: Alguns dados para compreender a crise da construção em Portugal e Uma história de sobreaquecimento da economia.

A crise de infraestruturas da América +


Image credits: Michael Kerbow.

A Country Breaking Down
Artigo de Elizabeth Drew para a The New York Review of Books. O falhanço quase total das instituições em investir no seu futuro, descartando tudo o que não gera retorno imediato, tanto no plano político como no que se refere à sua infraestrutura física, deixou o país à beira do colapso sistémico: da rede rodoviária à ferrovia, das pontes ou das redes de abastecimento de água – para dar apenas alguns exemplos. No entanto, se este é um problema generalizado nos Estados Unidos, os seus efeitos são, lamentavelmente, desiguais. A dramática crise da água potável, em curso na cidade de Flint, no Michigan, é bem prova da clivagem socio-económica e também racial que acompanha o colapso das infraestruturas na América. Via Archinect.

The Euro Area Crisis Five Years After the Original Sin
Porque é que a Europa falhou na sua gestão da crise do Euro e que lições podem ser extraídas para o futuro? Ensaio académico de Athanasios Orphanides, professor na MIT Sloan School of Management, abordando a forma como os programas de resgate aplicados aos países em dificuldade da zona Euro foram concebidos para proteger interesses políticos e financeiros específicos de outros estados membros.

Our Dysfunctional Monetary System
Steve Keen, professor de economia na Kingston University em Londres e autor do livro Debunking Economics, reflecte sobre as disfuncionalidades do actual modelo monetário. Num artigo muito recente para a Forbes, Keen explica o desastre histórico que resultou do aumento exponencial da base monetária gerado pela emissão de crédito pelo sector bancário, alertando também para o erro de insistir em políticas públicas de défice zero num momento de contracção global da economia.

Global Market Fear Is At The Heart Of European Bank Stock Price Falls
Frances Coppola tem vindo a dedicar particular atenção à situação dramática do Deutsche Bank; ler Deutsche Bank's Stock Price Recovery Is Not What It Seems e The Market Isn't Buying That Deutsche Bank Is 'Rock Solid'. Neste seu mais recente artigo, a conhecida colunista da Forbes relaciona de forma mais alargada a queda das acções da banca com o medo generalizado nos mercados de investimento quanto à saúde financeira das instituições bancárias europeias.

Da hipocrisia na política europeia e portuguesa
Artigo de Nicolau Santos, originalmente publicado no Expresso Diário. Em destaque as declarações do ministro das finanças alemão, Wolfgang Schäuble, relativas a Portugal, com a crise do Deutsche Bank em cenário de fundo. Igualmente recomendado o seu artigo Como a emigração está a tramar o PIB.

O sobe e desce da TINA
Daniel Oliveira para o Expresso Diário. Um dos poucos comentadores portugueses a interrogar-se sobre os motivos pelos quais o BCE faz depender o financiamento de Portugal da deliberação de uma simples agência de notação, tomada sem necessidade de justificação ou possibilidade de escrutínio.

Escravatura por dívida
Artigo de José Pacheco Pereira, originalmente publicado no Público. A crise das dívidas soberanas, da perspectiva histórica às actuais circunstâncias políticas.

The Launch of DiEM25 at Volksbühne Theatre
Vídeo da sessão de lançamento do movimento DiEM25 que teve lugar no dia 9 de Fevereiro, em Berlim. Discurso de abertura de Yanis Varoufakis.

A política do mata-mata


Image credits: Adrià Fruitós.

Em Março do ano passado, seis anos depois da Reserva Federal Americana ter iniciado o seu programa de estímulo económico de emergência e cinco anos depois do Banco de Inglaterra fazer o mesmo, o Banco Central Europeu iniciou finalmente o seu próprio programa de expansão quantitativa (quantitative easing).

Em pouco mais de um ano, o BCE terá emitido mais de 1 bilião (1 milhão de milhões) de Euros, que aplicará na compra de títulos de dívida pública dos países da zona Euro em posse de instituições financeiras.
Este modelo de quantitative easing tem, para além do objectivo principal de combater a deflacção, dois objectivos adicionais: capitalizar os bancos com novas reservas – criando condições favoráveis para a emissão de novos créditos – e ainda pressionar negativamente os juros dos títulos de dívida do Eurosistema.

Para levar a cabo esta operação o BCE impõe, como condição prévia à eligibilidade de cada país, que a dívida destes tenha um rating superior à classificação “Ba1” – o limiar abaixo do qual passa a ser designada como “lixo” – por parte de pelo menos uma das grandes agências de notação financeira internacionais: as americanas Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch, e a canadiana DBRS.

Actualmente, apenas a DBRS atribui a Portugal uma classificação fora do patamar de “lixo”, ainda que na mais baixa categoria de investment grade. Se, numa das suas próximas revisões, a DBRS descer a notação portuguesa, o país deixará de estar em condições para poder beneficiar do programa de expansão quantitativa do BCE e os títulos de dívida pública deixarão de ser aceites como colateral nas operações de financiamento à banca nacional.

Temos assim que o BCE se auto-impõe uma condição que deixa o destino dos países da zona Euro nas mãos das agências de notação financeira – as mesmas agências que tiveram um papel instrumental na arquitectura das obrigações de investimento associadas ao mercado imobiliário, compostas por contratos de crédito sem qualidade mas validadas com a mais alta categoria de notação, produzidas pelas grandes firmas de Wall Street e vendidas massivamente a entidades públicas e privadas de todo o mundo.

A vulnerabilidade criada por essa condição do BCE é evidentemente mais lesiva para países de pouca influência externa, como a Grécia (que ainda hoje não está coberta pelo programa de quantitative easing) ou Portugal. No nosso caso, o país é deixado à mercê de uma externalidade que poderá despoletar, sem que nada de significativo ocorra na nossa economia, um inusitado alarmismo e consequências trágicas, tanto para o sistema bancário como para o Estado.

Certo é que as movimentações de bastidor que tiveram lugar em Bruxelas durante o período de discussão do orçamento entre o governo Português e a Comissão Europeia, procurando criar entraves a um desfecho favorável, fazem temer o pior. Parecem assim existir actores políticos, de partidos ditos moderados, que estão dispostos a participar activamente na instabilização da imagem externa do país, na esperança que a DBRS nos penalize da mesma forma como o têm feito as três grandes agências Americanas.

Em boa verdade, o que esta circunstância de vulnerabilidade imposta pelo BCE nos revela é o modo como o Euro não é, de facto, a nossa moeda. Os países concederam o controlo da sua soberania monetária a um órgão supranacional que, sem ter de prestar contas a ninguém, pode, a qualquer momento, congelar ou retirar a liquidez a um estado membro. A verificar-se o pior cenário – resultante do agravamento da notação da dívida Portuguesa pela DBRS – Portugal será fortemente penalizado, não por estar insolvente ou incapaz de corresponder aos seus compromissos internacionais, mas pelo simples facto de não alinhar na política fiscal desejada pela União Europeia. Ao fazê-lo, o BCE acaba por assumir um papel político, em prolongamento da acção da Comissão Europeia, que nunca, em qualquer circunstância, poderia assumir.

Infelizmente, o precedente Grego de 2015, em que o BCE não só retirou àquele país o acesso ao financiamento directo como lhe vedou a participação no programa de estímulo económico de emergência, revelam-nos que nesta Europa, tudo, até o mais impensável, é possível.

É o dinheiro, estúpidos! Carta aberta a João Miguel Tavares



Ao contrário do João Miguel Tavares, esta senhora sabe o que é o dinheiro.

Permitam-me o recurso a uma metáfora futebolística, figura tão recorrente no comentário político. Imagine o João Miguel Tavares – imagine o leitor – que o seu clube de futebol de eleição participa num campeonato que você sabe, à partida, estar todo viciado. Os árbitros estão todos comprados contra si, os adversários estão encharcados em “doping”, a vossa equipa tem menos jogadores à disposição. Isso, no entanto, dirão os comentadores, é “a realidade” inevitável que não vale a pena discutir nem pôr em causa – e, se o fizerem, serão expulsos da competição.
Resta-vos apenas debater qual a táctica que deverão aplicar para procurar não perder os jogos.

Boa sorte…

É um pouco isto que nos dizem também mil e um cronistas que vão pregando o fatalismo moralista da realidade. Exemplo disso é o recente texto de João Miguel Tavares no Público, repetindo aos quatro ventos o quanto estamos falidos. Pese embora o tom irreverente que lhe é habitual, o texto é mais um exemplar da ignorância típica da “economia do senso comum” com que se vai intoxicando diariamente a opinião pública.
Desagradado com a ginástica negocial que o governo português procurou estabelecer com a Comissão Europeia, o jornalista começa por dizer que não vale a pena chamar “políticas de direita” à matemática. A matemática não é de esquerda nem de direita – é apenas matemática. Falir não é de esquerda nem de direita – é apenas falir.

Acreditando que a política económica obedece a uma racionalidade ideologicamente neutra – porque os números, supostamente, não têm emoções nem têm ideologia – repete o enunciado da austeridade inevitável. A busca de um caminho político alternativo é, nesse pressuposto, uma “negação da realidade”. E assim conclui João Miguel Tavares: Negar a realidade é uma deserção ideológica: a esquerda, em vez de se colocar ao serviço daquilo que aí está (como distribuir o dinheiro que temos?), coloca-se ao serviço daquilo que não está (como distribuir o dinheiro que não temos?). Ora, este viver em permanente estado de negação da realidade é uma tragédia para o país. Falimos. Arruinámo-nos. Não temos dinheiro. Estamos de mão estendida. Antes de seguir pelo caminho da esquerda ou da direita, será assim tão difícil começar por admitir isto? Falimos. Fa-li-mos. F-a-l-i-m-o-s.

Falimos?

Como nos lembrava há alguns meses Philippe Legrain, ex-consultor de Durão Barroso na Comissão Europeia e uma das vozes mais críticas do rumo político-económico da União Europeia, os anos da “troika” deixaram Portugal com mais dívida, menos PIB, mais desemprego, mais pobreza e valores históricos de emigração.
No entanto, sendo a nossa situação objectivamente pior em 2015 do que aquela em que nos encontrávamos há quatro anos, por que motivo atingiram então os títulos de dívida pública portuguesa juros recorde, superiores a 10%, nos mesmos mercados que hoje nos financiam a juros inferiores a 3% e até a 2%?

A razão porque os juros baixaram tem explicação fácil. O Banco Central Europeu está a levar a cabo, desde o ano passado, uma gigantesca operação de “quantitative easing”, introduzindo dessa forma uma enorme pressão negativa nos juros de títulos dos países da zona Euro e facultando aos bancos reservas disponíveis para suportar a emissão de novos créditos.

Menos consensual é o motivo por que os juros tanto subiram em 2011. A resposta estará na conjugação perigosa de vários factores. Consideremos, em primeiro lugar, a inactividade das instituições da União, em particular do BCE que só iniciou o seu processo de QE em 2015, sabendo-se que os Estados Unidos o fizeram logo a partir de 2008 e o Reino Unido em 2009. A isto somou-se o agravamento violento dos “ratings” dos países mais vulneráveis da zona Euro por parte das agências de notação financeira, catapultando a subida vertiginosa dos juros dos seus títulos de dívida. As mesmas agências (Standard & Poor’s, Moody’s, Fitch) que até 2007 asseguravam “rating” triplo-A aos CDO’s tóxicos com que as grandes instituições financeiras de Wall Street quase fizeram colapsar a economia mundial.

Importa dizer que não está em causa ignorar as responsabilidades dos governos que seguiram políticas de expansionismo imprudente, colocando os seus países numa circunstância de perigosa vulnerabilidade. Mas não podemos deixar de nos interrogar sobre o motivo por que o Banco Central Europeu coloca, ainda hoje, nas suas próprias regras, o destino dos países que devia defender, na mão de tais agências financeiras.
Em boa verdade, tivessem as instituições da União agido em defesa das nações e teríamos sido poupados, no passado como no presente, a anos de austeridade empobrecedora e inútil.

Tudo isto, claro está, leva-nos por fim à grande questão que o João Miguel Tavares aflora mas é incapaz de aprofundar: a questão do dinheiro – que temos, que não temos, que define essa “realidade” tremenda que tantos invocam.



É aqui, na dimensão política, não matemática, do dinheiro, que a ignorância do senso comum se torna perigosa. Ignora João Miguel Tavares – como tantos outros comentadores – que vivemos num sistema financeiro em que a esmagadora maioria do “money stock” em circulação (mais de 95%) foi criado pelos bancos através do processo de emissão de crédito – e não pelos bancos centrais.
Eis um dos grandes paradoxos do nosso tempo: que lidamos com dinheiro todos os dias, durante toda a vida, sem conhecer o que ele é, como se cria e se introduz na economia. Na verdade, a emissão de crédito pela banca comercial corresponde à criação de dinheiro novo e não ao “empréstimo” de dinheiro já existente – como intuem erradamente tantos cidadãos.
Usando e abusando do poder de criar dinheiro “do nada”, ao abrigo dos mecanismos do “fractional reserve banking” e da sucessiva desregulamentação da actividade bancária, os bancos produziram em poucas décadas um aumento geométrico do volume de dinheiro disponível – bem como da dívida que lhe é correspondente.

Trata-se, em boa verdade, de uma trágica concessão da soberania monetária das nações. Algo que nunca foi deliberado democraticamente pelos povos ou assumido publicamente pelos seus governos, e cuja discussão está de todo ausente dos mídia generalistas. Se os cidadãos despertassem para esta outra “realidade”, talvez se interrogassem quanto aos motivos por que no contexto de moedas fiduciárias como o Euro, os Estados se colocam na contingência de se financiarem exclusivamente em instituições privadas que beneficiam da criação de dinheiro sobre a forma de crédito, em vez de se financiarem, de forma necessariamente regulada, junto de instituições centrais de natureza pública.

Ou talvez o público questionasse ainda o absurdo de uma Europa cujo banco central se permite insuflar 1.2 biliões (milhão de milhões) de euros em “quantitative easing” para o interior do sistema financeiro privado, mas que para alavancar um plano (Juncker) de estímulo económico obriga os países a financiarem-se junto da banca comercial, através da emissão de mais crédito, logo com aumento da dívida ao sector privado.

Mas tudo isto, claro está, não se enquadra no discurso moralista da “direita da realidade” que nos apresenta João Miguel Tavares e tantos outros comentadores que laboriosamente, na televisão e nos jornais, vão erguendo o mundo à frente dos nossos olhos, para nos cegar da verdade.

Adenda: para os leitores regulares do blogue, este texto não deixará de parecer revisão de matéria dada. Para os restantes, ficam ligações para artigos anteriores onde se tratam, em maior profundidade, algumas das questões aqui abordadas. A ler: O lastro; De onde vêm as dívidas; Sabia que os bancos criam dinheiro do nada? e A grande questão política do nosso tempo.