A cidade do arrastão

Numa altura em que todos se queixam do aparecimento de novas formas de criminalidade, em que o contacto com a pobreza e a degradação da vida urbana se vem tornando inevitável, seria interessante perguntarmo-nos de que forma é que esta deterioração nos tem vindo a afectar colectivamente.

Os fenómenos de violência suburbana não se reduzem a casos de polícia; eles têm as suas raízes no tecido sociológico das cidades e são amplificados por efeitos de exclusão social, racial e económica. Para os compreender, temos de dramatizar o peso da decadência urbana como um problema em si mesmo e o grau em que ela favorece o aparecimento de fenómenos contrários à ordem social. A degradação urbana em que crescem alguns grupos populacionais faz parte de uma progressão perigosa que não tem vindo a merecer suficiente atenção. Trata-se afinal de uma fragmentação silenciosa da sociedade que permite criar vários lados hostis, barricados uns dos outros.

Pobreza não é sinónimo de crime, tal como a riqueza não garante a ausência de problemas sociais. Mas se uma cidade se faz acompanhar do aparecimento de bairros degradados onde a pobreza predomina, é inevitável que aí se encontre uma concentração superior de disfuncionalidades sociais. Onde estes problemas predominam, segue-se a criminalidade que conduz ao agravamento das condições urbanas e, por fim, ao isolamento.
Confrontados com esta realidade, os cidadãos começam a reclamar por medidas de protecção e policiamento. Vivemos assim numa mentalidade fortificada. À medida que o nosso apelo à segurança aumenta, também o medo se espalha. O medo colectivo acentua a fragmentação social que está na raiz do problema, de que a face urbana é ao mesmo tempo origem e sintoma.

É importante cultivar a consciência destes fenómenos. Quanto maior forem as suspeitas e o medo contra grupos sociais, mais fácil é promover medidas que eliminam qualquer compaixão com as vítimas inocentes da pobreza das cidades.
Bairros degradados como os que existem em volta de Lisboa, na Amadora ou na Damaia, são mais que um sintoma de pobreza. São antes o factor causal de outros problemas mais complexos cujas implicações moldarão a sociedade em que todos vamos viver no futuro. Encontrar formas de restaurar o sentimento de comunidade e civilidade desses bairros e daqueles em que essas qualidades ainda existem devia ser mais que um objectivo local mas sim uma vontade estratégica do país.

3 comentários:

  1. Lástima verificar que esse fenômeno atinge também Portugal. Acredito nas soluções que falam em combate a pobreza e criação de nova consciência ética e de cidadania. Mas quem nasce na miséria, não encontra vaga em escolas nem emprego, não pode pagar os aluguéis nem comprar remédios, também não tem muito tempo pra esperar por novos conceitos. A criminalidade em nossas grandes cidades, tem diminuído drasticamente a vida média dos jovens. Parece que o único setor florescente é o do tráfico, com dinheiro rápido e morte certa, também rápida. Se tudo é tão rápido, pra que pensar em qualquer futuro?

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  2. Sem dúvida que as soluções urbanísticas e sociológicas são fundamentais para resolver estes problemas. Mas, sem a determinação política de entidades públicas, municipais e/ou governamentais, o problema só tende a agravar-se num círculo vicioso.
    De facto, a integração das comunidades estrangeiras é determinante, e nesse sentido podemos todos fazer um pouco para ajudar, mas em última instância, só a vontade política podia acabar com os guetos. Mas isso não "dava jeito" a muita gente que explora a mão de obra barata.
    Criam-se guetos não só pelo urbanismo como pelo "obscurecimento" da população, mantendo as pessoas em redomas, bem isoladas das fontes informação, e dificultando a sua integração enquanto cidadãos de direito.
    O combate à exclusão social começa em cada um de nós, pelo que se todos ajudássemos o próximo, facilitando informação e promovendo a integração, alguma coisa havia de mudar. Penso que isso é um processo que deve começar nas escolas, com políticas de combate à marginalização, seguido de campanhas públicas de informação e esclarecimento, desenvolvidas in loco em bairros carenciados...

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  3. agora mesmo, na pausa do café, falava com dois ou três colegas sobre a reintegração. reintegrar significa "misturar". não entendo como se reintegra famílias tirando-as de um bairro de barracas para um prédio só. ficam juntos na mesma, a gandulagem não se dispersa e o resto do mundo evita passar à porta. não arranjo palavra para isto, mas reintegração não é de certeza!

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