Segundo uma notícia publicada no jornal Público todos os projectos de arquitectura para as 208 escolas já abrangidas pelo programa de modernização têm sido contratados por ajuste directo. A Ministra da Educação Isabel Alçada justifica esta situação com o facto de estarmos perante «uma problemática específica», tendo em conta que para «elaborar o projecto era preciso um arquitecto», sendo complicado este «ser elaborado previamente por um profissional e passar depois para outro».
Trata-se de um argumento errado do ponto de vista técnico e inconsequente no plano jurídico. A elaboração do programa de projecto é uma tarefa da responsabilidade do promotor. Como tal, a participação de um arquitecto faz sentido enquanto serviço de consultoria, colaborando para melhor traduzir os princípios e objectivos do projecto em parâmetros funcionais adequados à prossecução do trabalho, tendo em conta a sua natureza específica, o seu enquadramento social, quadro orçamental, e por aí fora.
Bem entendido, não é sequer um dado adquirido que a realização do programa e do projecto pelo mesmo arquitecto seja um factor desejável tendo em conta que este, enquanto autor da obra, pode sentir-se motivado a enfatizar aspectos conceptuais em detrimento da observação plena dos limites estabelecidos em sede do programa.
A questão mais importante, no entanto, é outra e é de natureza ética. Para constatá-lo devemos ter em conta as palavras do Eng. João Sintra Nunes, Presidente do Conselho de Administração da Parque Escolar EPE, que refere que o recurso aos mesmos gabinetes de arquitectura se justifica por existirem em Portugal «poucos que tenham capacidade para responder a este tipo de encomenda».
O que está aqui em causa? Diversas coisas. Não serei eu a dizer que A Escola, enquanto objecto de arquitectura, não tem particularidades únicas e de extraordinária importância, a merecer a maior atenção por parte dos arquitectos; tema a que aqui se dedicaram vários textos no passado: 1, 2, 3, 4. No entanto, no que se refere a complexidade projectual, uma escola não é um equipamento mais complexo do que um aeroporto ou um hospital – bem pelo contrário – e no entanto projectos dessa natureza, como muitos outros, são motivo para a realização de concursos públicos. Trata-se, não é demais dizê-lo, de uma questão ética que deveria ser evidente para todos num normal quadro de cidadania europeia.
Mais importante ainda é dizer que nem o Eng. Sintra Nunes nem o Conselho de Administração da Parque Escolar estão mandatados para determinar quais são as firmas de arquitectura que têm «capacidade para responder a este tipo de encomenda». Trata-se, afinal, de uma autoridade da Lei que deveria ser aplicada em observância com princípios de igualdade e transparência e cujo factor determinante deveria residir no Mérito. E é essa a questão ética fundamental. Enquanto não decidirmos viver numa sociedade que premeia o mérito sobre todas as outras coisas continuaremos a ser um país de segundas escolhas. De nada serve apregoar valores se depois os ignoramos no momento da tomada das decisões.
Excelente post! Vem colocar alguns pontos nos iiis em resposta a argumentos estupidificantes!
ResponderEliminar(No entanto não está nenhum link no twingly no público aqui para o blog...)
Gosto do post, embora ache que possa ser melhorado, como num projecto. Apenas tenho a apontar que há vantagens em ser a mesma equipa a desenvolver a fase de programa e o posterior desenvolvimento. Principalmente porque os programas são restritos, orientados segundo lógicas económicas apertadas e cujo leque de escolhas se tem de fazer num curtíssmo espaço de tempo, obrigando a medidas defensivas por parte de todas as equipas de projecto. Há alguma liberdade que é necessária, mesmo numa encomenda pública em tempos de crise, senão para que servem os arquitectos?
ResponderEliminarE era mesmo só isto, porque tudo o resto é sensível, mas sempre discutível.