Isenção de IMI nos Centros Históricos Classificados Património Mundial
Razões de uma isenção
O Estado Português concede, nos termos do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, uma isenção fiscal do IMI aos imóveis classificados como Monumento Nacional. Enquadram-se nessa classificação os bens imóveis reconhecidos pela UNESCO como Património Mundial, como são alguns centros históricos do nosso país.
Esta distinção faz incidir sobre estes conjuntos edificados um enquadramento legal muito particular, com regulamentos mais restritivos e um maior escrutínio nos processos de licenciamento de operações de construção, com consulta a entidades como o IGESPAR e imposições especiais quanto ao tipo de técnicas e materiais a utilizar. Tais imposições podem ir desde exigências simples como o tipo de telha, os materiais das caixilharias de janelas e portas, o tipo de revestimentos e pinturas, a restrições à abertura de vãos, à alteração da compartimentação ou à modificação das fachadas dos edifícios.
Adicionalmente, quaisquer intervenções que incidam sobre o solo, como a abertura de troços para ligação de infraestruturas, carecem de acompanhamento de um arqueólogo, tarefa cuja despesa pende sobre o proprietário ou promotor.
Também as taxas de ocupação de via pública são, em geral, mais elevadas nos centros históricos, incidindo para efeitos de espaço de estaleiro (para arrumo de materiais ou depósito de resíduos de construção) ou montagem de andaimes.
Até mesmo a vida corrente num centro histórico pode trazer custos específicos, como por exemplo o pagamento de licenças para direito a estacionamento de viaturas – sem que haja garantia de que as áreas reservadas para residentes não estejam indevidamente ocupadas por outros condutores.
E temos até que o Estado pode exercer direito de opção de compra nas transacções imobiliárias nestas zonas consideradas de interesse nacional.
São assim muitos os factores diferenciadores que incidem sobre aqueles que vivem e investem nestes centros antigos, sabendo-se que os encargos de conservação e recuperação são muito mais elevados do que aqueles a que estão sujeitos os proprietários em zonas novas ou com menor vetustez.
Falamos afinal de conjuntos edificados que vivem, em geral, processos de desertificação continuada, que os inquéritos e censos demonstram serem maioritariamente ocupados por populações envelhecidas e de poucos recursos financeiros. O resultado deste processo de declínio está à vista nas muitas casas abandonadas, quando não mesmo devolutas.
É perante este cenário que a isenção fiscal do IMI tem permanecido como único incentivo perene e com efeito nos centros históricos classificados. Trata-se assim, por todas estas razões, de uma medida de estímulo e incentivo ao investimento e à fixação de pessoas que importa compreender e acima de tudo defender.
Quando o Estado não cumpre a Lei
Lamentavelmente, este benefício fiscal que está plasmado na Lei tem sido atacado pela Autoridade Tributária (AT) que passou, de há alguns anos a esta parte, a não aplicar esta mesma isenção. Desrespeitando os termos do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), a AT tomou a liberdade de produzir e adoptar uma “interpretação” da legislação para justificar a sua não aplicação: em Évora a partir de 2009 e, gradualmente, estendendo esta ilegalidade ao Porto, a Sintra, a Guimarães, até aos dias de hoje.
Autarquias e movimentos de cidadãos dirigiram-se à Assembleia da República que se pronunciou por duas vezes, em 2010 e 2012, em reconhecimento da isenção. As recomendações da Comissão Parlamentar específica foram ignoradas pelo governo e a AT manteve a sua postura de ilegalidade.
Chegados a 2016 existem já deliberações dos Tribunais condenando a AT à devolução do imposto cobrado ilegalmente e ao pagamento de juros indemnizatórios aos cidadãos que interpuseram acções judiciais contra o Estado. Existem pareceres de entidades reputadas como o ICOMOS, a prestigiada organização consultiva não governamental da UNESCO para as questões da classificação do património, reforçando o entendimento da legalidade da isenção do IMI nos Centros Históricos Património da Humanidade. E até o Secretário de Estado das Autarquias Locais, membro do actual governo, emitiu um parecer jurídico declarando esse mesmo reconhecimento.
E ainda assim, pesem todas estas diligências, a AT continua a ignorar todas as recomendações e deliberações, de entidades credenciadas, do Parlamento e dos Tribunais, continuando a cobrar ilegalmente o IMI nestes mesmos centros históricos.
Triste é um país onde os cidadãos têm de levar as Finanças a Tribunal até às últimas instâncias, em processos que podem levar até uma década, para terem acesso um direito que lhes é concedido pela Lei. É algo que tem um nome, mas a que dificilmente poderemos chamar de Estado de Direito.
Referências:
1. "Isenção de IMI nos prédios sitos nos Centros Históricos Classificados como Monumento Nacional / Património da Humanidade", Resumo Jurídico do Movimento de Defesa do Centro Histórico de Évora;
2. Projecto de Resolução n.º 425/XII/1.ª – “Recomenda ao Governo a adoção das medidas necessárias ao reconhecimento da isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) aos prédios sitos no Centro Histórico de Évora”;
3. Parecer do Gabinete do Secretário de Estado das Autarquias Locais, Ofício n.º 28/GAP, de 11 de Março de 2016 – “Isenção de IMI – Centros Históricos Classificados pela UNESCO”, com despacho do Exmo. Sr. Secretário de Estado das Autarquias Locais Dr. Carlos Miguel, em resposta ao Presidente da Câmara Municipal de Guimarães;
4. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul; Processo n.º 08133/14, de 5 de Novembro de 2015;
5. Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto; Processo n.º 1417/13.6BEPRT, de 1 de Junho de 2016;
6. Parecer “Isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis incidente sobre os imóveis classificados”, de 16 de Junho de 2016, ICOMOS Portugal.
Voltarei a este tema para abordar o contorno jurídico da questão bem como o significado político do impasse que se vive neste momento. Deixo por agora a ligação para a página do Movimento de Defesa do Centro Histórico de Évora, uma iniciativa de cidadãos que tem partilhado um conjunto muito extenso de documentação, acessível na íntegra aqui.
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