Do the evolution



I’m ahead, I’m a man
I’m the first mammal to wear pants, yeah
I’m at peace with my lust
I can kill ’cause in God I trust, yeah
(...)
I’m at piece, I’m the man
Buying stocks on the day of the crash
On the loose, I’m a truck
All the rolling hills, I’ll flatten’ em out, yeah
It’s herd behavior, uh huh
It’s evolution, baby
(...)
I am ahead, I am advanced
I am the first mammal to make plans, yeah
I crawled the earth, but now I'm higher
2010, watch it go to fire
It's evolution, baby
Do the evolution
Come on, come on, come on

Pearl Jam: Do The Evolution, Yield, 1998.

Há uns tempos atrás falava-se no espaço de comentários de um texto anterior sobre o projecto dos holandeses MVRDV em Liuzhou. O complexo residencial encastrado num vale entre montanhas dá corpo a um curioso conjunto de células que se desenvolve sobre as encostas, envolvendo e reinventando a paisagem.
Regresso a este projecto porque me parece um bom ponto de partida para reflectir sobre os conflitos decisivos que pendem hoje sobre a disciplina do urbanismo e a extensão da sua contaminação arquitectónica.

Os MVRDV representam hoje, a par com nomes como Rem Koolhaas, Herzog & de Meuron ou Zaha Hadid, a referência de uma certa linha arquitectónica hipermoderna e vanguardista, debruçando-se nos limites das possibilidades tecnológicas para se constituir como campo de reflexão crítica sobre a experiência fragmentada do mundo global. Trata-se de uma forte corrente doutrinária que procura dar corpo a novas relações espaciais e sociais, que fogem às categorias tradicionais de definição do urbanismo e começam a conformar o que alguns definem como pós-urbanismo.
É curioso que os MVRDV apontem críticas à mediocridade da prática da arquitectura sustentada na imagem de marca autoral e ao arquitecto-celebridade. Curioso, digo eu, porque o reconhecimento que estas figuras encontram na sociedade, como carácter emblemático de uma certa avant-garde intelectual, se sustenta numa idêntica capacidade mediática provocadora, repetida e desinspiradamente alvitrada como anticonvencional. A responsabilidade por este fenómeno não é, provavelmente, devida aos próprios; que os mesmos media que celebram o feito sensacional sejam incapazes de compreender os processos que os sustentam. Mas não deixa de ser evidente que estes arquitectos sejam também eles hábeis manipuladores do meio e da mensagem, fundamentais ao seu sucesso comercial.

O aspecto mais importante de tudo isto é, no entanto, a forma como estas práticas vão dominando a doutrina e a pedagogia da arquitectura, com forte expressão nos meios universitários e na imprensa especializada. Passam por estes temas as discussões do momento; as reflexões no limiar dos conceitos em que se suporta a prática da profissão. Ao contrário do que possam pensar - e estou certo que alguns me interpretarão assim – não estou a pôr em causa a relevância doutrinária do trabalho dos MVRDV, da obra projectada e escrita de Koolhaas, por exemplo, ou mesmo da prática do criticismo arquitectónico dominante. O que está em causa é a prevalência da arquitectura, não apenas como exercício sobre si mesmo (ou processo como referem os MVRDV), mas sim sobre o território do real e os impactos que inflinge sobre o espaço individual, da comunidade, da sociedade; e mesmo sobre a história.
Alguns arquitectos têm-se debruçado sobre estes limiares da arquitectura contaminante, que extravasa sobre o urbano. No ensaio ZBBZ Stadtebau (imagem acima), os AllesWirdGut elaboram uma arrojada estratégia de densificação do centro de Bozen, criando uma mega-estrutura que se integra no tecido da cidade para fazer parte dela e resolver complexos problemas de acessibilidade e função.
É no contexto destes problemas que o projecto dos MVRDV em Liuzhou, na China, é igualmente pertinente. Para além de penetrar claramente na dimensão do urbano, o exercício dos MVRDV conforma núcleos construídos que são pouco reconhecíveis em termos de linguagem tipológica. Já não estamos na mera conjugação de espaços livres, circulações e estruturas. A mega-escala do projecto rompe com um sentido de coesão ou envolvência (enclosure), para formar um corpo de estruturas celulares, caixas suspensas sobre a textura natural. Estaremos no domínio de uma nova morfologia urbana, ou será esta uma variação sobre um repetido fenómeno de sprawl sobre a paisagem? A teoria da fragmentação como alibí destruidor da coesividade, conceito raíz do urbanismo, dando origem a uma espécie de pós-metrópole.

Este discurso que aqui deixo é, sem grandes dúvidas, extrínseco ao mainstream. É muito mais sexy promover o fascínio pela grande escala, o gesto arrebatador sobre os grandes desígnios: fragmentação de conhecimento, explosão demográfica, transformação de sistemas produtivos, sustentabilidade global. Ou a desesperada colagem doutrinária às raízes do modernismo como legitimação de uma prática que procura a todo o custo estabelecer-se como ideologia e não como brecha comercial. Perante isto, quando estamos no domínio do datascaping e do cripto-criticismo, quem quer reflectir sobre os pequenos problemas da comunidade ou da “civitas”?
Benvindos ao futuro, onde o encantamento do polémico é a fuga definitiva ao real, ao território e ao espaço do homem.

Linkbomb

Seguindo os passos dos Urbs 2005, a visita indispensável ao BLDGBLOG. Confesso que não conhecia, mas parece ser muito bom.
Mergulho rapidamente no vôo solitário de Joe Kittinger em Falling Back To Earth, Alone, para dar com este filme alucinante no Google Video: First man In Space - Skydiving from the edge of the world.

Dois passos mais à frente, estamos no mundo da fotomontagem panorâmica 360º em Fullscreen QTVR e Panoramas.dk. Não consegui perceber se os dois sites estão relacionados, mas penso que sim. Lá dentro, vistas fantásticas do Monte Everest, do Taj Mahal, da Torre Eiffel ou das Pirâmides de Gizé, entre muitas outras. Até ao momento, a minha favorita é esta imagem da mítica Cidade de Petra, na Jordânia. Destaque também para a colecção de fotografias de Marte das sondas Spirit e Opportunity, bem como a colecção mais antiga das missões Apolo.

Outra pérola dos Urbs, esta selecção para melhor fotoblogue urbano do The Beloved Universe. Particularmente bons os retratos, muito expressivos.

No This Is What We Do Now descubro esta sensacional notícia (para nós, cinéfilos geeks) sobre o possível regresso de Michael J. Fox a um 4º título da série Back To The Future. I want it, and I want it now!

Desculpem a passagem Markliana. Continuando, vale a pena percorrer a listagem dos Urbs 2005 e passar os olhos pelos não vencedores. Estão lá alguns blogues muito recomendáveis, como o icónico Satan’s Laundromat, o alucinante London Underground Tube Diary ou ainda, a saber, este gostoso Chubby Hubby.

E daí em diante, o mundo é a vossa ostra. So peruse, peruse...

The Urbs 2005



O Gridskipper acaba de anunciar os vencedores dos The Urbs: 2005 Urban Blogging Awards. A listagem inclui vários notáveis e outros tantos blogues bastante alternativos. Recomenda-se a visita, mas depois não digam que eu não avisei...

Windows Live Local

A Microsoft está a promover a versão beta do Windows Live Local, uma aposta para contrariar o domínio actual do Google Maps.
A grande inovação do software patrocinado por Bill Gates é a introdução de imagens Bird’s Eye ou olho de pássaro: trata-se de um mapeamento em fotografias aéreas com inclinação de 45 graus, sendo possível rodar o ponto de vista no sentido dos quatro pontos cardeais. O nível de detalhe é espectacular mas esta funcionalidade só está disponível para doze cidades americanas. Para terem uma ideia do que se trata podem seguir o link e visitar o Museu Guggenheim em Nova Iorque. Mudando a orientação da imagem para Este, no controlador do canto superior esquerdo, poderão ver o lado frontal do edifício.

Tanto esta versão da Microsoft como a do Google são brinquedos interessantes mas pouco utéis para quem procure conteúdo nacional. Ainda assim não deixam de proporcionar alguns bons passeios, com a vantagem de não ser necessário instalar qualquer programa. Os mais exigentes, no entanto, talvez prefiram mergulhar no Google Earth ou no Nasa World Wind. Para viagens ainda mais além podem aventurar-se no indispensável Celestia.

And so this is christmas

É chegado o Natal, o momento da família, que como se sabe é passado em ameno convívio com prendas espalhadas pelo chão da sala. A televisão ajuda à festa com aquela programação típica da quadra festiva. Foi a vez do Shrek fazer as vezes de Mary Poppins de serviço. Que boa ideia em noite de consoada. As crianças lá se vão entretendo com o simpático ogre e o seu burro de estimação, à espera de abrir as prendas. Que apropriado - pensa o pai de família até ao intervalo em que é bombeado com prolíficos anúncios a imagens eróticas para telemóvel e uma ou outra atrevida mamoca ao léu. É Natal, é Natal, e ninguém leva a mal. Vamos mas é deitar que amanhã há mais. O tempo passa a correr e eis-nos entretidos em pleno dia de festa. Novamente a televisão que hoje é tarde de santa matiné sem riscos de supresas mais atrevidas. Temos então o Regresso do Rei, e eu fico para aqui a pensar que, mesmo fã do Senhor dos Anéis, isto não é propriamente a Música no Coração nem a aranhonga Shelob é o fantasma do Natal passado. Talvez preocupados com as crianças mais sensíveis, chega o intervalo em jeito de comic-relief. Muitos anúncios a toques de telemóvel com grande destaque para o “peidonatal”. Assim mesmo, sem tirar nem pôr, musicas da quadra santa em tom intestinal. Desisto. Ou sou eu que estou a ficar velho muito depressa ou a tradição, definitivamente, já não é o que era.

Um momento geek, como nós gostamos

Wil Wheaton exibe-se com a mais feia camisola de todó-mundo, demonstrando porque é um dos mais amáveis e famosos geeks da blogosfera. Esta camisola devia ser eleita como fardamenta obrigatória em debates televisivos... Agora passando a coisas sérias, deixo-vos em jeito de prenda natalícia a ligação ao Orisinal. Já estava há meses plantado nos favoritos mas poucos devem ter dado por isso. É um sítio web com os mai-lindos jogos para crianças e adultos, tudo pautado por muito bom gosto e aquelas músicas que ah e tal sim senhora. Eu gosto muito do esquilo do The Way Home, se bem que à segunda volta começo a stressar-me e tenho sempre pena de ver o bichinho cair por ali abaixo.
Espero que se entretenham e passem bem o Natal. Se tudo correr bem, para a semana publico aqui um grande texto sobre o tema do momento. Não, não é essa macacada que estão a pensar, é mesmo sobre o King Kong.
Um abraço e Feliz Natal para todos!

Imersão tóxica



Um artigo interessante no Economist.com (ler Online Gaming – Worlds Without End, 2005-12-14) aborda uma nova realidade que está a nascer no mundo dos jogos online. À medida que se vão implementando os chamados massively multiplayer online role-playing games (MMORPs), eles vão-se estabelecendo como plataformas de interacção virtual entre milhões de pessoas, possibilitando-lhes experienciar vivências simuladas com uma forte componente emocional. Para muitos destes jogadores o espaço virtual passa a ocupar uma parte significativa da sua rotina diária. Mergulhados em universos fantásticos, dão vida a personagens imaginários e enfrentam batalhas, combatem monstros ou partem em grandes aventuras onde constroem a sua riqueza e o seu poder.

A tese inovadora que o artigo do Economist.com aborda é a forma como, no mundo dos jogos online, está a nascer toda uma nova economia. À medida que os jogadores vão mergulhando nestas paisagens sintéticas, todo um mercado interno ao mundo dos jogos tem vindo a florescer. No mundo real, os jogadores transacionam monetariamente, em espaços como o Ebay, objectos do jogo: espadas, ouro, poções e até personagens já desenvolvidas. Para dar a noção das proporções deste fenómeno, os autores apresentam o exemplo de uma transação realizada no jogo online Project Entropia, em que um jogador comprou uma ilha (do reino virtual) por mais de 25.000 dólares, tendo reavido o seu dinheiro vendendo caça e direitos de exploração mineira a outros jogadores.
Será isto um jogo, ou antes uma nova realidade de contornos imprevisíveis? Para alguns críticos de títulos como Project Entropia, estes produtos tratam-se de sorvedouros de dinheiro que exploram o fascínio por uma forma de alienação. Imersão tóxica é o termo avançado para definir a crescente tendência de muitos jogadores que dedicam parte significativa do seu tempo a uma experiência interactiva cuja base é ficcional, ao ponto em que as suas vidas virtuais tomam precedência sobre as suas vidas no mundo real. Numa altura em que se começa a tornar possível “ganhar a vida”, vivendo e trabalhando no mundo virtual, o apelo da imersão tóxica é bem capaz de se tornar uma perigosa realidade.

Dois anos

A Barriga De Um Arquitecto completa hoje dois anos de existência. Não é um grande feito, só por si. Muitos blogues desta vaga continuam activos; outros ficaram pelo caminho. Mas em dois anos, a blogosfera mudou alguma coisa.

Poucos meses antes, quando um amigo me alertou para este novo fenómeno que se estava a criar, eu respondi desinteressadamente. Os blogues pareciam-me uma variação sobre a infeliz ideia de página pessoal: olá cá estou eu, diz-me o que pensas, tudo bem carregado de gifs animados e uma tentativa desesperada de existir.
No entanto, aquele impulso fez-me começar a olhar para alguns blogues e, com eles, a ser seduzido para esta viagem.
Aquilo que mais me apelou foi a plataforma, o modelo de registo de dados livre e acessível. Nessa altura a blogosfera era mais feia, mais tosca, mas era como hoje um espaço de custo zero onde qualquer um se podia aventurar. Comecei o meu caminho nesse mundo, sem audiência e sem saber bem para onde ir, mas com vontade de registar muitas ideias sobre temas que me interessavam. Assim se abriu esta subscrição para o fio da minha consciência, uma plateia para os filmes projectados na minha mente, enfim, o que lhe quiserem chamar...

Penso sempre que as melhores coisas que escrevi estão algures nos primeiros meses de vida deste blogue. Sem linha editorial, sem pressão nem expectativa, no maior desconhecimento de amigos e quase sem audiência, registei algumas das ideias que circulavam na minha mente à procura de lugar.
Sou suficientemente crítico para saber o chão que piso, mas aceito bem as minhas falhas. A Barriga De Um Arquitecto não é, nem alguma vez foi, tão bom como eu gostaria. Um blogue verdadeiramente genial exige um enorme compromisso pessoal. Não se iludam os que por essa blogosfera portuguesa se acham muito notáveis: falo de um Binary Bonsai, um desaparecido 1976 Design, a Jen Gray, o maravilhoso Antipixel, um The Nonist; ou em português uma Rua Da Judiaria, a Vitriolica (not really), a Quinta do Sargaçal ou o oficialmente fechado Epiderme (esse sim, o melhor blogue português de arquitectura), entre outros que felizmente estão por aí.
Hoje olho para o percurso desses dois anos e encontro muitos erros pelo caminho. Muitas coisas que já não escreveria daquela maneira, que teria revisto com mais cuidado, outras ideias pouco consolidadas que de todo não registaria. Mas sei apreciar esses erros, gosto de reconhecer essa aprendizagem e como, com todas as mudanças que esta Barriga já sofreu, ficam os registos dos velhos passos como as marcas que carregamos connosco e, mesmo ocultas aos olhos dos outros, as sentimos.

Recordo, quase com saudade, o alargado tempo em que recebia uma média de trinta visitantes por dia. Achava aquilo fantástico, um incentivo a escrever algo ainda melhor para interessar e envolver esses trinta dígitos anónimos do contador de páginas. Recordo também o cansaço ao fim do primeiro ano. Durante alguns meses arrastei-me com esforço por aqui, até que um segundo fôlego me envolveu e, com ele, um novo desprendimento para tornar o blogue algo mais próximo daquilo que desejava...
Hoje, mais um ano passado, volto a renovar esse desejo. A Barriga De Um Arquitecto não é um blogue de arquitectura. É um blogue escrito por alguém que estudou arquitectura e que, por isso mesmo, vê a vida pelo prisma deformado de quem reconhece certas coisas e a quem escapam muitas outras. Eventualmente escreve-se aqui de arquitectura ou de urbanismo, mas continuará a não ter linha editorial e a não exibir a intransigência implacável dos génios insuflados que por tudo e por nada redigem um manifesto.
Ah, é verdade que hoje tudo isto parece tão diferente: uma média de 285 visitantes por dia e um total de 85000 desde o seu início com 125000 visualizações registadas; e ondulando algures na segunda metade do top 100 do blogómetro nacional - o recorde foi 62. Não vos direi que me é indiferente; que não vou lá ver os números de vez em quando e que não são fonte de um orgulho que faço por esconder. Mas, acima de tudo, este será um espaço que, se tudo correr bem, se tornará cada vez mais específico e pessoal. Aqui caberá um rascunho feito num guardanapo, uma velha fotografia ou um abraço a amigos distantes. Eventualmente, podem aparecer textos grandes, mesmo que isso esteja “out”. E vão cometer-se alguns erros. Enquanto valer a pena.
Obrigado a todos.
_
Chega assim ao fim o ciclo de imagens de capa gentilmente cedidas por Fernando Guerra, autor do sítio web Últimas Reportagens. Em especial para ele um grande agradecimento e os votos de que o novo ano seja propício a muitas e cada vez melhores experiências.
Um grande abraço.
_
Referências e comentários:
La Force des Choses, Quase em Português, Zarp, Os (In)separáveis, Quinta do Sargaçal.
O Meu Piu Piu, Fotoben, O Despropósito, Irasshaimase!, O Arrumário, Matarbustos, desNorte, Alecrins no Canavial, postHABITAT, Welcome to Elsinore, Obvious, Ma-Schamba, Parallel Lines, Atuleirus, Apenas Mais Um, Bioterra.
Contra-Indicado, Anjos e Demónios.
A todos, um reconhecido obrigado!

Das Cercas dos Conventos Capuchos




...como em valles baixos, se achão abundantes frutos de boas obras: dos elementos da terra e o mais baixo, porém o mais seguro: alto está o ar; e mais alto o fogo, porém nenhum delles dá fruto: as fragosas serras, e outeiros altos não são de proveito, os humildes valles são os que se lavrão, e os que se estimão.
Frei Manuel de Monforte - Chronica da Provincia da Piedade (1751).

Não é possível falar deste pequeno livro sem falar um pouco sobre o seu autor que tenho o prazer de conhecer. O António Xavier é um daqueles homens que cativam à primeira vista pela humanidade que encerra no olhar. Mas é a sua voz que verdadeiramente seduz os que o escutam; uma voz de contador de histórias na alma de um amante da História. Com o alento jovem de investigador de coisas que a sedimentação do tempo persiste em esconder, aliado à sua sensibilidade de paisagista, Xavier compõe neste seu ensaio Das Cercas dos Conventos Capuchos uma visão sobre a instituição da espiritualidade no território e abre a porta a uma reflexão sobre parte importante da construção da Paisagem em Portugal.
Nele vamos descobrir o importante património cultural que encerram as cercas conventuais como importantes manifestações da arte paisagista portuguesa. Fazendo um percurso pelos Conventos Capuchos da Província da Piedade (território continental a sul do Tejo), faz o retrato urgente de um bem grandemente exposto ao abandono e à ruína, ameaçado tanto pela acção do tempo como pelo esquecimento e a ignorância.

O percurso dos frades Capuchos em Portugal nasce na sombra da perseguição. A sua busca pelo ascetismo espiritual levou-os ao refúgio em lugares distantes, no interior do Alentejo e no Algarve. A sua devoção encontrava eco em ambientes obscuros, encerrados e por vezes insalubres. O vale surgia como a imagem dessas virtudes de convergência entre o solo terrestre e a água celestial; o encontro humilde da alma humana com a graça divina.
Apesar da sua adopção por uma vida de isolamento, os Conventos Capuchos dispunham de normas próprias à sua localização que dependia da aprovação do Capítulo Provincial. Deviam assim ser pobres, pequenos e recolhidos, mas situar-se em lugar não demasiado distante de uma povoação, idealmente pequenos centros urbanos. A excepção é feita pelo Convento de São Vicente do Cabo, caso particular justificado pelas notáveis características do ermo promontório.

António Xavier mostra-nos como, no decurso do tempo, os Conventos Capuchos se foram aproximando das povoações que lhes serviam de auxílio, por um conjunto de razões. Na maioria dos casos, é a consolidação da ocupação do território e o desenvolvimento urbano que vai fazer integrar os edifícios conventuais, tornando-se parte da estrutura das novas aglomerações urbanas. Os conventos, apesar de fundados em meio rural, estabeleciam com a urbe uma relação de dependência e orientavam a expansão urbanística nessa direcção. Acentuavam eixos viários que permitiam sustentar novas malhas construídas. Os espaços conventuais marcariam assim o urbanismo das cidades portuguesas, muito para lá do tempo de vivência das Ordens que lhes deram origem.
Neste ensaio podemos conhecer um pouco da tipologia e simbologia subjacente à origem das cercas dos Conventos Capuchos, e o seu profundo significado enquanto determinantes da religiosidade no espaço e todas as suas implicações. Manifestações de uma cultura íntimamente mergulhada na Natureza, as cercas são também uma reminiscência importante para compreender as raízes da nossa cultura espacial e a forma como nos relacionamos com o território. O tempo, nas suas muitas vagas, trouxe o esquecimento sobre essas ideias, esses materiais, essas soluções tradicionais que foram a génese do nosso fazer urbano. É contra esse vazio de conhecimentos que o pequeno livro de António Xavier se vem erguer, como marca de uma forte esperança em recuperar essas raízes culturais e assim fazer renascer um novo interesse em investigar, conhecer e proteger este património escasso e inegavelmente valioso.
_
O livro Das Cercas dos Conventos Capuchos de António Manuel Xavier é uma publicação da Casa Do Sul Editora em colaboração com o Centro De História De Arte Da Universidade De Évora, podendo ser comprado ou encomendado na Livraria Som Das Letras.

Casa Do Sul Editora
Apartado 2181, 7001-901 Évora
casadosul[arroba]hotmail.com

Livraria Som Das Letras
Rua João de Deus, 21 1º Esq., ÉVORA
somdasletras[arroba]mail.telepac.pt

Fio de luz



A Fio De Luz produz velas artesanais com um grande sentido de criatividade e design, adoptando matérias primas cuidadas a um delicado processo de composição e fabrico. Para além disso, ostenta um belíssimo sítio web que é também o ponto de partida para futuros vôos na área da bijuteria e joalharia. Vale a pena ficar à espera por novos conteúdos enquanto nos deliciamos com as suas velas que podem encontrar um bom lugar lá em casa ou compôr uma alegre prenda de Natal.

As velas podem ser vistas e compradas na Livraria Som Das Letras (Rua João de Deus, 21 1ºE, Évora, próximo da Praça do Giraldo), entre outros pontos de venda distribuídos pelo país.

Últimas reportagens



Tenho o prazer de anunciar em primeira mão que o sítio web Últimas Reportagens produzido por Fernando Guerra acaba de inaugurar uma nova fase de vida. Aquele que é o primeiro e único banco de imagens de arquitectura contemporânea em Portugal de livre acesso apresenta agora novos conteúdos, reunindo um total de 55 reportagens fotográficas sobre algumas das mais notáveis obras arquitectónicas e um principal destaque para projectos nacionais.

Com um interface muito acessível, o Últimas começa a tornar-se um projecto ambicioso com enorme potencial para crescer. O dossier em torno da Casa Tóló, projecto da autoria de Álvaro Leite Siza Vieira construído ao longo de uma encosta, é um bom exemplo dos caminhos que se poderão seguir para desviar a percepção pública dos habituais lugares comuns com que por vezes julga esta actividade e sensibilizá-la para o que de mais belo e erudito tem a arquitectura. O trabalho de Fernando Guerra é uma boa porta de descoberta para esse mundo, de forma e linguagem acessíveis e um olhar sensível a todos os que o procurem conhecer com emoção. Uma visita imprescindível.

Para todas as novidades em torno desta nova fase do Últimas Reportagens recomendo a leitura da sua mais recente Newsletter, disponível online.

The Urbs

O Gridskipper está a promover os The Urbs: 2005 Urban Blogging Awards. A lista de nomeados é coisa para se levar a sério com muitas categorias para cobrir o espectro da vida urbana e arquitectónica por esse mundo fora. Vale a pena percorrer os muitos blogues ali presentes, enquanto vamos ficando à espera de saber os resultados.

Subway dreams



(via)

Nota: ver também Architecture of density (Hong Kong).

A derrapagem já começou

Em Janeiro de 2000, Jorge Coelho, então Ministro do Equipamento Social, apresentava na Assembleia da República a intenção governamental de avançar para a construção do projecto do novo aeroporto na Ota. A transcrição da sessão parlamentar pode ser lida aqui (bem divertida por sinal).

Na altura, Jorge Coelho apresentava o seguinte cenário orçamental:
(...) gostaria de vos dizer, Srs. Deputados e Sr. Presidente, que considero fundamental que, associado a este grande investimento, que é um investimento que vos direi, rapidamente, que, de acordo com os estudos que temos hoje em dia, a preço de 1998, custará 270 milhões de contos e, a preços correntes, com uma taxa de inflação de 3% ao ano, 335 milhões de contos... Mas considerando o custo do capital alheio, a uma média de 6,5%, considerando os custos financeiros, diremos que é um investimento que pode ir até 375 milhões de contos. Como é que é a estrutura financeira de referência? Fundos comunitários previstos no III QCA, 65 milhões de contos; cash flow livre, que a própria ANA pode gerir, 42 milhões de contos; capital alheio, 201 milhões de contos; e parceiros privados, neste caso, o Estado também, 27 milhões de contos. Ou seja, como podem ver, a concretização desta grande obra pode ser feita, em termos de financiamento, numa parte muito significativa, por iniciativa privada, para poder ser concretizada nos termos em que referi.

Em 2000, o ex-ministro socialista apresentava como pior cenário o valor global de 375 milhões de contos para a realização da obra. Agora, em 2005, o novo governo socialista avança, suportado nos dados da NAER, o novo valor de 3,5 mil milhões de euros, quase o dobro do valor indicado há apenas cinco anos. Repare-se que não são ainda conhecidos os custos suplementares que irão resultar do reforço das acessibilidades rodoviárias e ferroviárias e o envolvimento estatal na sua realização.
É caso para dizer que a derrapagem já começou.

Ainda sobre o novo aeroporto internacional (OTA)

O sítio web da Sociedade de Geografia de Lisboa apresenta vários artigos interessantes sobre o novo aeroporto (ver NAER, Novo Aeroporto S.A.) na sua secção de transportes. Destaque para o estudo OTA e TGV Lisboa-Porto – Um erro por 2000 milhões de contos. Para que conste.

História de uma rua

A história da Rua Ramalho Ortigão contada no blog Viver Melhor no Bairro Azul (via Viver na Alta de Lisboa) é um bom exemplo dos pesados custos que a má gestão das cidades tem sobre a vivência e qualidade de vida dos que a habitam. O texto assertivo e directo dá o mote para um abaixo-assinado apelando à intervenção do município de Lisboa.
Para ver como os blogs podem ser ferramentas para promover mais consciência e cidadania, num registo construtivo e com assinatura.

Um beijo é apenas um beijo



Como um beijo entre duas jovens, uma com dezanove anos e a outra com dezassete, se torna numa grande declaração política. Como se medem os actos a as palavras: adolescência, província, inocência, experiência. Como uma carícia de corredor se transforma em editorial jornalístico; o beijo em acto nacional.
Vejamos a relevância do beijo: quem faz o quê com quem. O significado colectivo daquilo que fazemos, com quem o fazemos e porquê. E como perdemos destas duas jovens o sentido daquilo que são, se estão bem, se são felizes, se sentem estar a fazer as escolhas acertadas para as suas vidas. E se conseguimos sequer vislumbrar que, para lá de tudo, ninguém tem nada a ver com isso.
Esconda-se o beijo. Somos os filhos deste desgostar; um país onde não se gosta das pessoas. Para a polícia do beijo não interessam as jovens mas o acto e o seu significado. O gesto mede-se, julga-se e condena-se. Denunciam-se os filhos aos pais.
Mas o amor, nas suas diversas formas, é um bem precioso. No país do desamor entre as pessoas, talvez seja mesmo dos poucos lugares onde se podem encontrar forças para crescer. Solte-se o beijo, então...

Sky Nights



Ilustrações de Rasmus Poulsen.

(via)

I'll Be Home For Christmas



I'll be home for Christmas
You can count on me
Please have snow and mistletoe
and presents on the tree

Christmas Eve will find me
Where the love light gleams
I'll be home for Christmas
If only in my dreams


Kim Gannon, Walter Kent, 1943.

(imagem via)

Estudos para o novo aeroporto internacional (OTA)

Estão disponíveis no sítio web da NAER, Novo Aeroporto S.A. os estudos para o novo aeroporto internacional.

Ambiente construído



The Built Environment é uma exposição interactiva acessível no ScottishArchitecture.com. Um conjunto de painéis animados dão a conhecer os muitos elementos que compõem o ambiente que edificamos à nossa volta e a que somos por vezes tão indiferentes. O objectivo da iniciativa é sensibilizar para a postura corrente dos cidadãos tão despertos para aquilo que é culturalmente tido como “natural” e no entanto tão alheios à constante experiência do mundo “artificial” que as envolve e anima no dia a dia.

Nota: aceder aos dois painéis da exposição no índice do lado direito, sob o título Featured Resources: The Built Environment Exposed e The Digital Built Environment.

Dusso



Yanick Dusseault é um extraordinário artista gráfico que trabalha na área do cinema. A sua carteira profissional inclui títulos tão sonantes como a trilogia O Senhor Dos Anéis, Piratas das Caraíbas e Star Wars (Episódio III: A Vingança dos Sith), entre outros. Em Dusso, o seu site oficial, dá a conhecer algumas das suas impressionantes pinturas Matte, trabalhos de grande riqueza plástica e enorme detalhe. Muito eye candy para deslumbrar o olhar.

Nota: em cima, uma vista geral de Naboo. A não perder os cicloramas ampliáveis de Coruscant, disponíveis na secção dedicada ao filme Star Wars (Ep. III).

Playmate da semana


The Stool, Steven Stahlberg, 2004.

Com os parabéns (atrasados) ao Quase Em Português de Lutz Brückelmann por dois bons anos de blogging.

Geografismos.com

Luís Palma de Jesus começou há dois anos um dos mais exemplares ensaios de relacionamento entre blogs e ensino escolar. Hoje o Geografismos é bem mais que uma experiência; é uma certeza e uma referência de boas práticas na divulgação educativa e da riqueza da comunicação em rede.
Agora, o seu dedicado autor dá corpo ao portal Geografismos.com, uma página sólida com conteúdo imenso na sua e em outras áreas. Mapas, imagens satélite, jogos, reportagens; são muitas as razões para conhecer este novo site que é também um bom ponto de partida para tantas descobertas.

Muros de palavras

Entrei para a faculdade sem saber grande coisa de arquitectura. Cruzei por ali aqueles primeiros anos iludindo a minha ignorância com o manto da linguagem académica. Na escrita criava as minhas ideias e inundava-me em poética. Diziam-me que escrevia bem e eu acreditei.
A arquitectura aprende-se muito lentamente. No entanto, na faculdade, aprende-se muito rapidamente a falar dela. Porque temos predisposição para verbalizar a cultura pensamos que conseguimos abarcar na linguagem toda a compreensão de uma realidade, de uma forma de expressão. Podemos conceptualizar teoria em torno do espaço. Traduzir arquitectura em conceitos, ali belo, aqui austero, teatral, opressivo, libertador. Podemos fazer uma teia de referências, uma colagem de abstracções complexas. Ou exprimir a beleza das formas em escrita cheia de lirismo, como vazia de arquitectura.
Um dia percebi que nada naquela linguagem me fazia aproximar um pouco de compreender arquitectura e muito menos de fazê-la. Comecei um processo de despir a pele daquela linguagem, desmontar as teias de um academismo tão cheio de si quanto ausente de consequência.
Não sendo dado a seguidismos apatetados, aprendi a valorizar a forma como Siza fala dos seus projectos. Para um homem tão carregado em base teórica é sempre divertido vê-lo perder-se nos pormenores para dissertar sobre aquele saguão, o encosto daquele gaveto, a reflexão da luz num paramento de pedra. Como toda aquela doutrina resvala sobre o concreto, como todo aquele saber dá de beber à arquitectura.
Difícil não é assim complicar sobre o vazio mas erguer simplicidade sobre a mais complexa das coisas. Poucas obras são mais exemplares dessa mestria do que as suas Piscinas de Leça. Ali sobre uma massa de rocha assentam os seus muros contínuos, encastrados na topografia para se tornarem parte desta. Nada é espectáculo. Tudo é subtil. Divino. Para lá das palavras.

Nota: reportagem fotográfica das Piscinas de Leça da Palmeira (Álvaro Siza, 1961-66) disponível em Últimas Reportagens.

Para desanuviar



Muito divertida esta casinha para gatos, da autoria de Jane Hamley Wells. Disponível entre muitas outras peças de mobiliário para exterior com um design surpreendentemente sóbrio. Para ver e desanuviar um pouco destes primeiros dias frios do Inverno.

(via)

Uma casa para pessoas que se amam

A ler O Ramo Que Semeia Raízes por Júlio Machado Vaz. Porque falar de arquitectura também é falar de pessoas.

Anúncio urgente: cães para adopção

Estão recolhidos no Canil Municipal de Évora um conjunto de cães que vão ser abatidos (em 6 dias úteis) se não forem adoptados rapidamente.
Nasceram há seis meses perto do Bairro da Malagueira e eram tratados pelos habitantes das redondezas. Para além dos cachorros, foram apanhados também o pai (de tamanho e pêlo médio; côr mista: preto, branco e castanho; cauda comprida) e a mãe (tamanho médio/grande, tipo Spring Spaniel, pêlo médio; côr preta e branca), encontrando-se todos no canil da câmara. Os cães são também brancos com malhas pretas e estão bem tratados.
Pede-se a todos os que estejam interessados em adoptar algum(ns) destes cães que entrem em contacto rapidamente com o Canil Municipal de Évora. Peço igualmente a todos os blogs da região de Évora que ajudem a divulgar este caso durante esta semana. Obrigado pela ajuda possível!

Escombros ou a vitória da ignorância



Sempre as mesmas pequenas receitas para explicar a complexidade das coisas. Sempre o mesmo “duque de trunfo” para cortar com qualquer réstia de honestidade intelectual. O que dizer então do maniqueísmo pobre com que se trata a questão das noites de violência em França no Abrupto: ou se está com “os valores” ou se chafurda na “complacência sociológica”. Não há meio termo.

Uma sociedade que olha o seu próprio vazio é o retrato desta França fragmentada por noites de motim. Desta vez não é “lá na América” onde é suposto que tudo aconteça mas no coração da Europa civilizada. Agora, depois de anos de sinais de alarme ignorados chega a crónica de uma crise anunciada. Que ninguém faça ares de surpresa. A história da violência urbana nos arredores de Paris já tem pelo menos duas décadas de existência. O estranho é como conseguimos viver, nestas nossas cidades e sociedades organizadas, neste convívio podre com a exclusão, fechados nos pequenos perímetros das nossas vidas privadas. Não ameaçados, tudo ignoramos. Lá como cá os brandos costumes do comodismo mais cego, mais insustentável, sempre regressam para acertar contas.
Temos e teremos, também cá, aquilo que merecemos. A proporção inédita que começa a tomar o fenómeno dos motins nocturnos de Paris é o retrato da nossa própria falência, da nossa incapacidade em produzir sociedade - e também cidade, porque o urbanismo também passa por aqui.
É evidente que a defesa da democracia exige a reposição da ordem, que o crime seja tratado como crime e os criminosos punidos como tal. É evidente que existem aqui múltiplos fenómenos em acção que o extremismo religioso contribui para incendiar. Mas levantar o discurso “dos valores” como se estes fenómenos fossem externos ao tecido da sociedade contemporânea é pactuar com o arranque já inevitável das rodas dentadas do extremismo: os de dentro, “dos valores”; e os de fora, “eles”, os outros.

Neste mundo globalizado nada é estanque. Tivessemos nós nascido nesses bairros, filhos dessa pobreza, atingidos porventura pelo desemprego e a exclusão, com poucos incentivos para continuar uma educação que nada nos diz, encontrado no crime e na droga o caminho da independência, pergunto-me se não andaríamos estas noites por aquelas ruas atirando pedras e incendiando lojas. Não estou a desculpabilizar. Digo apenas que me repugna tanto o criminoso como aquele que enche a boca na sua superioridade moral, nos seus valores. Onde estão eles? Onde se fazem representar nestas cidades, nestes subúrbios massificados onde se encaixotam estes imigrantes e aqueles que tem um pesado peso a pagar pela sua integração social, económica e cultural. Onde estão esses valores representados no ensino a que entregamos esses e todos os outros jovens; onde estão esses valores nos media, nos nossos comportamentos pessoais e na nossa interacção social. Ou reduzem-se esses valores a uma espécie de botões de punho com que alguns pretendem mostrar a sua elevação moral.

Iremos, como sociedade, reflectir sobre estes problemas e procurar respostas aplicáveis, na política, na economia, na educação, no urbanismo? Ou vamos persistir na mesma indiferença sobranceira e esperar pelo dia em que nos venham partir o carro, incendiar o negócio, agredir os nossos amigos ou sermos nós próprios a ir parar ao hospital?

Linky, linky

À falta de tempo para escrever resta-me enviar-vos para melhores paragens. A saber:

O site/blog de Dila Moniz com uma excelente colecção de quadros e ilustrações (via Zarp);

Almamate, fotografias com arquitectura lá dentro;

Good Residential Design Guide, um guia técnico sobre casas ambientalmente sustentáveis. Não se esqueçam de que é feito na Austrália o que significa que as especificações de aproveitamento solar podem estar viradas do avesso. O que importa é conhecer os bons princípios e ficar a perceber o que é essa coisa do know-how;

The Apartment, design gráfico e de interiores por uma agência de criativos sediada em Nova Iorque com aquela frescura de espírito que dá gosto ver;

Daydreaming Of Worlds Unseen, os devaneios antigos de Michael Heilemann sobre tecnologia e jogos, muitos jogos;

Aires Mateus, o novo sítio web de Manuel e Francisco Aires Mateus;

Grupo3, atelier de arquitectura sediado no Porto.

Se não vos chegar, resta-me recomendar a lista de últimos links na barra lateral com alguns novos blogues e outros destinos. Os mais corajosos podem tentar seguir por aí abaixo.

O mercado, a classe e a falta de classe



Este texto foi escrito na sequência de um comentário de Lourenço Cordeiro ao post anterior.

Daniel, fazes mal ao desprezar dessa maneira a opinião do Manuel Pinheiro. Apesar de discordar com a sua posição, acho que lança pistas importantes. Especialmente no que toca a este paradoxo: se os arquitectos produzem mesmo melhor arquitectura, porque fogem os clientes de nós? A resposta não se fica pelo "é mais barato" apenas. Há, de facto, um problema entre o "mercado" e a classe, e não só com queixumes e alterações à lei que vamos lá. Não é fácil. Lourenço Cordeiro

Não acho que o Manuel Pinheiro lance pistas importantes. Acho mesmo que lhe escapa toda a parte “arquitectónica” da questão. Para MP trata-se de um problema de mercado. E na verdade, também é um problema do mercado, mas não nos termos em que MP o apresenta.
O sector da arquitectura em Portugal tem vários problemas e a certificação de profissionais habilitados a exercê-la é um deles. Não se trata de fundamentalismo académico ou de corporativismo de classe. Em primeiro lugar, começa por ser resultado de vivermos num país com carências que também são de ordem económica. É difícil explicar porque é que um projecto de uma casa não deve ser apenas um projecto formal nos termos mínimos regulamentares de um licenciamento. É difícil fazer ver a quantidade de investimento técnico e intelectual que deveria ser impresso num verdadeiro projecto de arquitectura, mesmo no caso mais comum de uma habitação. O problema começa no facto de que mesmo os arquitectos não produzem esse investimento intelectual ao trabalho que desenvolvem, por falta de saber ou devido à realidade pressionante do mercado. Mas o cerne de tudo está na qualificação dos profissionais, na educação e na sua certificação.

Na educação em primeiro lugar, porque a arquitectura não é apenas uma realidade conceptual. A maioria dos licenciados de arquitectura sai da faculdade sem nunca ter ouvido falar de segurança infantil por exemplo; mal tendo ouvido falar de acessibilidades e nunca o tendo aplicado; nunca tendo reflectido sobre racionalização energética; nunca tendo lidado com a realidade económica da edificação e as suas implicações; sem dispôr, no fundo, de um conjunto de metodologias praticadas, de know-how que contrarie o exercício aleatório em que se transformou a prática da arquitectura.
Estas carências têm implicações directas na expressão pública do nosso trabalho colectivo. Os arquitectos, mesmo aqueles que têm preocupações com a qualidade, acabam por empenhar-se no exercício conceptual ou formal. Parece então que a componente erudita da arquitectura termina aí. A subalternização de um conjunto de componentes técnicas extremamente importantes para a leitura colectiva do nosso trabalho, desvaloriza-nos. Despido de substância técnica, é o próprio exercício conteptual que se torna fútil. Os arquitectos deixaram de ser vistos como uma mais valia na busca de soluções, de ideais fortes, da economia do desenho e da capacidade de lidar com os constrangimentos das condições existentes, para serem vistos como uma extravagância descartável.

É evidente por isto tudo que uma arquitectura feita ou assinada em exclusivo por arquitectos não vai resultar num efeito de melhoria espectacular da qualidade da arquitectura e urbanismo produzidos em Portugal. Será preciso escrevê-lo. Mas o problema avoluma-se quando do outro lado do espectro temos profissionais que trazem para baixo o referencial de actuação técnica. Os tais engenheiros e desenhadores que são capazes de produzir projectos com a legalidade e qualidade suficiente para serem aprovados pelos mesmíssimos arquitectos das autarquias e estruturas consultivas que subscrevem o manifesto da OA onde alegam o contrário dos seus pareceres (via). E aqui é preciso compreendermos bem do que é que estamos a falar.
Muitos destes técnicos produzem arquitectura nos termos formais regulamentares. Encontrarás desenhadores e agentes técnicos que são verdadeiros peritos em RGEU: sabem de trás para a frente que a área de envidraçado deve ser 10% da área do compartimento, que o comprimento de uma divisão não deve exceder o dobro da largura e nele se deve inscrever um círculo de 2 metros, que a altura da chaminé deve estar 50 cm acima do ponto mais alto da construção e por aí fora. E utilizam o RGEU como um manual de projecto e com ele produzem arquitectura anónima e despida de mais conteúdos mas que se inscreve nos quadros mínimos regulamentares daquilo que podemos definir como um projecto licenciável.

A tese do Manuel Pinheiro é inconsistente porque a sua preocupação com o mercado apenas vê a questão concorrencial sobre a perspectiva do custo do projecto e não sobre a subida de referencial técnico e da responsabilidade que lhe devia estar inerente. Isto não significa que a campanha da OA para a revogação do 73/73 não possa ser acusada de acção corporativa cujos reais intentos sejam a conquista de espaço do mercado. Pode não ser inteiramente verdade mas seria uma crítica que mereceria reflexão. Agora defender, como Manuel Pinheiro, a ausência de certificação profissional da prática de arquitectura por razões de ordem concorrencial é uma forma muito tacanha de ver a questão.
A nossa fragilidade, nesta como em tantas coisas, é andarmos a inventar sem ver o que fazem os países de onde vêm as boas práticas que tanto gostamos de elogiar. A certificação da prática profissional da arquitectura devia passar pela qualificação universitária (como em tantas demais actividades profissionais que nos rodeiam), garantindo que esse curso esteja validado ou reconhecido pelo Estado (o mesmo que tutela a abertura de novos cursos) ou pela Ordem que tutela a profissão. É assim em Espanha, em França, na Holanda ou no Reino Unido. Infelizmente em Portugal as tutelas do ensino e da profissão não estão associadas: o Estado licencia cursos que a Ordem não reconhece, o que só ajuda à desordem profissional em que vivemos.
Por fim, é importante percebermos que uma parte importante desta discussão passa pelo divórcio enorme entre o referencial e a norma. Existe um nível de discussão teórica da arquitectura, erudito, muito virado para o criticismo e de grande influência na linguagem académica. Mas essa inteligentsia não produz know-how, doutrina, saber técnico ou o que lhe queiram chamar, que produza efeitos nas normas práticas da profissão corrente. Isto tem repercussões políticas. Investe-se colectivamente numa Casa da Música onde a variável conceptual é elevada à máxima potência, mas desses investimentos não derivam boas práticas com efeitos na produção arquitectónica e urbana massificada de que resultam as nossas cidades. Quanto a isto também há uma reflexão a fazer que devia começar na Ordem. A arquitectura erudita não pode ser um laboratório estanque onde se produzem peças conceptualmente admiráveis mas sem consequência colectiva ou contributo de cidadania para a qualidade da prática arquitectónica ou da vida dos cidadãos. Mas este é também o país em que vivemos e com o qual, sejamos francos, poucos se preocupam a partir do momento em que têm a sua cozinha bem equipada e o seu Audi à porta de casa.

Nota: eu preocupo-me. Falta-me o Audi.

Uma casa e dois melões

Enquanto eu andava entretido a reconfigurar o blogue passou por aí uma discussão à volta da revogação do 73/73 (ler ou não Os Arquitectos Invisíveis em Portugal por Bernardo Rodrigues). A luta legítima / acção de lobbying (riscar o que não interessa) dos arquitectos em ver-se legalmente reconhecidos como exclusivos autores de projectos de arquitectura chegou mesmo a gerar polémica, com a ignição de um texto de Manuel Pinheiro na Mão Invisível.
É este tipo de debate que me dá vontade de mergulhar para dentro do template como se o meu blogue fosse um aquário. Não é novidade. Em Portugal temos o patamar daqueles que estão-se pouco borrifando para o que quer que seja. Para esses, o futebol e a tropa das celebridades já são preocupação que chegue. Depois existem aquelas pessoas com gosto pela opinião e dentro dessas a categoria sempre irritante dos chicos-espertos. É nessa onda que navega Manuel Pinheiro (MP). MP, que a julgar pela rajada de entradas que tem lá no blogue é um verdadeiro smart-ass, o que sempre é menos mau que um dumb-ass, não merece um parágrafo da discussão que se gerou à sua volta. Na sua picaretagem intelectual está o mesmo entendimento labrego do que é arquitectura partilhado por grande parte dos portugueses. Isso pode-me chatear, mas bem vistas as coisas, nesse sentido ele está do lado da maioria e é um vencedor.
MP acha que a acção licenciadora dos projectos pelas entidades competentes serve de filtro para analisar o cumprimento dos regulamentos e a dimensão pública da arquitectura que eles produzem. E se calhar tudo bem. Tempos houve em que se vendiam projectos de vivendas à beira da estrada como se fossem melões. Tipo “pronto a construir”. Talvez seja este um ideal de liberalismo. Eu posso achar que o facto de ir ao médico desde puto não me dá o direito de aviar receitas. E presumo que saber ler decretos-lei também não me torna perito em vender pareceres jurídicos. Mas, bem vistas as coisas, e porque não? Isto a vida está cara e o melhor é começar a tornar-me num homem dos sete instrumentos. Quem sabe, talvez isso faça de mim um gestor.

Coisas quentes para dias de chuva



O tempo está a arrefecer e os gatos começam a aninhar-se uns nos outros. Estas são duas das nossas meninas, a Cinza e a Margarida. A Cinza é a mais velhinha, já deve estar a fazer uns sete anos. Há cerca de um ano passou um mau bocado. Começou a comer pouco e desenvolveu uma lipidose, uma concentração de gordura no fígado. Fez umas análises e, nuns valores onde devia estar abaixo dos 125, ela acusava 1000. Ficou a soro vários dias mas esteve sempre a piorar. Uma repetição dessa análise acusou mais de 1400. Fez uma biópsia para se ver se o problema era cancerígeno, e depois da cirurgia percebemos que ela estava a desistir de viver.
Propusemos aos veterinários trazê-la para casa. Eles avisaram-nos que o prognóstico era muito mau e ela tinha de fazer uma medicação constante, com alimentação especial de 3 em 3 horas. Lá os conseguimos convencer de que trataríamos de tudo, mesmo sem saber se o resultado da biópsia iria deitar tudo a perder.
A Cinza ficou a viver no nosso quarto durante mais de um mês. Nos princípio a minha mulher tirou uns dias de férias para tratar da gata, depois tirei eu, e finalmente uma amiga próxima ajudou durante mais uns tempos. Com muita insistência, a Cinza foi-se aguentando no fio da navalha, muito apática. Porque ela não comia de vontade própria, tinhamos de lhe dissolver a comida e alimentá-la através de um tubinho (introduzido pelo esófago com uma ligadura a proteger à volta do pescoço). Eu fiquei o enfermeiro das injecções diárias de antibiótico. Era uma luta. Felizmente a biópsia veio comprovar que não se tratava de algo maligno.
A recuperação da Cinza foi muito lenta e sei que mesmo os médicos pensavam que ela não iria aguentar. Mas a verdade é que com muita ajuda e todo o mimo deste mundo, ela recuperou completamente e hoje ainda é mais arisca do que antes. Como podem ver, ela aí está refastelada no cadeirão com a pequena Margarida, que também é uma menina frágil.

A Alexandra, que tem um blog muito bom chamado Palavras & Imagens, enviou-me um email a perguntar pela gatinha cega que tentei dar aqui para adopção. Aproveito para lhe responder que felizmente tudo acabou bem e ela foi adoptada por uma jovem simpática de Lisboa.

Para terminar, fica a recomendação de irem todos visitar o blog da Alexandra que também gosta de gatos e ainda tem um álbum fotográfico repleto de flores e bicharada.

Nota: já agora, A Barriga De Um Arquitecto ultrapassou hoje a barreira das 100.000 page views. Obrigado a todos.

E se...



A Ikea pediu a 28 designers para imaginarem novas concepções de produtos e experimentar ideias malucas. Não vão estar a venda tão cedo mas podem ser vistas no sítio web da Ikea PS 2006.

Eles vivem

Para perceber um pouco mais da mecânica por detrás dos grandes desígnios do Estado no sector das obras públicas, com um destaque muito particular ao caso da Ota e também do TGV, recomendo urgentemente a leitura da entrevista de Fernando Nunes da Silva à revista Arquitecturas (Nº5, Outubro 2005).

Em poucas páginas, este professor catedrático do Técnico na área do urbanismo e dos transportes disseca as lógicas que dirigem as grandes tomadas de decisão política. Nas entrelinhas está um país refém de lóbis que enriqueceram à custa da completa vampirização de um Estado invertebrado que se demitiu de exercer o seu papel. Eis-nos nas mãos de um sistema político-partidário mais interessado em favorecer determinados grupos económicos do que em construir estratégias integradas de governação e desenvolvimento.
Esta história que passa pela Expo, segue pelos Polis e pelas Capitais da Cultura, com visita privilegiada ao Euro, promete agora continuar para a Ota e para o TGV. O problema, claro está, não é a falta de justificação para que se realizem certos empreendimentos de escala nacional, mas a forma enviesada como se dirigem fundos brutais em direcção a conclusões pré-concebidas por partes do tecido empresarial que não está sujeito ao escrutínio democrático.

Desiludam-se aqueles que pensam que os termos que aqui utilizo são de um qualquer radicalismo de esquerda. Este problema existe e é real. A falsa ligeireza assente na decisão do governo em prosseguir sem dúvidas para a Ota mostra bem que as rodas dentadas dos lóbis continuam a trabalhar indiferentes à situação financeira do Estado.
Não importa aqui se os futuros governos vão ser mais socialistas ou liberais. Importa é perceber que salvar um país a saque com as velhas receitas do défice é o mesmo que querer tratar de um cancro com mezinhas.

A discussão destas coisas, evidentemente, não passará pelos telejornais.

K2

Eu sabia que não ia resistir. Como anunciei histericamente, Michael Heilemann, autor do blog Binary Bonsai e criador do famoso template Kubrick, acaba de lançar a versão Blogger do seu novo template K2. Basicamente, K2 é o template dos campeões. Após um serão de trabalho intenso tenho o prazer de apresentar a versão recauchutada d'A Barriga De Um Arquitecto com suporte K2 plenamente operacional. Ainda faltam limar algumas arestas. Tenho de criar uma nova imagem de topo, trabalhar em alguns ajustes de composição e possivelmente criar novos butões para auxiliar a consulta da barra de links. De resto, a base está quase completa.

Vale a pena avisar que o K2 não foi feito a pensar no Internet Explorer da Microsoft. Os utilizadores do Firefox terão o brinde adicional de, ao passar o rato por cima do número de comentários, accionarem uma expansão de texto. Exemplo: "0" passa a "0 comentários". Esta funcionalidade não está presente no IE. Também ainda não descobri como utilizar o singular nesta funcionalidade; "1 comentário" em vez de "1 comentários". Mas são coisas menores comparadas com o bom aspecto minimal do excelente K2.

Como eu gosto dos meus leitores e sei que são todos ávidos apreciadores de novas tecnologias, resolvi partilhar os segredos de instalação deste novo template. Por isso, esqueçam o tal manual de instalação do Kubrick que eu disse que ia fazer. Já passou à história. O futuro é o K2 e por isso brevemente iniciarei um conjunto de textos sobre como o utilizar e formatar à vossa maneira. Espero que isso vos entusiasme tanto quanto a mim. Possivelmente sou o único que se está a excitar com isto. Definitivamente, estou a tornar-me num geek. Coisas da vida na blogosfera.

Blogger Templates

Última hora! Oh, não! Acaba de sair o K2 for Blogger e mais uma resma de novos templates feitos pelo Michael Heilemann, no Blogger Templates. Esqueçam o Kubrick. Lá vou eu ter de mudar isto tudo outra vez...

Eborenses Anónimos

Um blog opinativo anónimo é desconfiável. Um blog político anónimo é um nojo.
(José Pimentel Teixeira)

Existem inúmeros blogues com expressão local ou regional. Em muitos casos constituem-se como exemplos de participação cívica e mostram o que existe de melhor na blogosfera. Já aqui divulguei em tempos alguns, de que destacaria sempre o interessante Urban Review – St. Louis de Steve Patterson. Em certas cidades chega a existir uma rede de bloggers preocupados com a vida da sua metrópole, denunciando más práticas e elogiando outras, divulgando acções cívicas ou eventos, comunicando e construíndo uma nova forma de opinião esclarecida e participada.

É por conhecer e apreciar este tipo de blogues que o Mais Évora se me afigurou sempre como um daqueles casos de estudo que traduzem todo um tecido sociológico de que fazem parte. Ao contrário da grande maioria dos blogues desta natureza, o Mais Évora misturou sempre a denúncia cívica com uma acção de natureza política implícita. Sob o manto do anonimato e falando de si no plural (majestático), o “Manoelinho” atirou pedras para logo esconder a mão misturando factos concretos da vida da cidade e do município com notícias informativas e ainda “murmúrios da cidade”, sejam rumores ou boatos, comentando-os. Será isto cidadania?
Igualmente relevante é o facto do Mais Évora se assumir ainda como um fórum aberto onde o cidadão eborense podia expressar a sua opinião. E é surpreendente ver esse fórum a funcionar, a maioria das vezes com comentadores também eles anónimos. Eborenses Anónimos, eis então o nome adequado a este Mais Évora.

O anonimato na blogosfera não é, só por si, um problema. Mas quando nos dispomos a construir um espaço de abertura franca ao confronto de ideias temos de contrariar as facilidades que o anonimato na internet permite promover. Nesta plataforma de confronto aberto devemos ter tolerância aos outros mesmo perante as vozes mais agressivas e contundentes, mas terão o mesmo significado se surgirem sem assinatura? Não passa pela identidade a afirmação da opinião e do pensamento em liberdade? Não será essa até uma exigência da cidadania, ser constituída por “cidadãos”, pessoas concretas manifestando expressão social à medida de cada um mas em igualdade de circunstâncias. Que significado ético tem um espaço de vozes anónimas lançando ataques que chegam a ser insultuosos?
O que se promove com o desrespeito destas regras é a presunção de culpa, a mentalidade do “o que tu queres sei eu”. Será possível constituir um debate são em espaços que promovem este tipo de clandestinidade e torna impossível aferir o rigor das opiniões e conclusões que ali se exprimem.
Disse Sartre que era necessário perder o medo à liberdade. Em Mais Évora não só esse medo existe como parece fazer parte da própria maneira de ser.

Cultour

Destaque para o site da Cultour, uma proposta deixada em comentário pela Maria (Conta-Mina).
A Cultour é uma organização que promove passeios turísticos com um programa orientado para as artes e, em particular, a arquitectura. A ideia é fazer acompanhar os visitantes de especialistas, arquitectos ou historiadores de arte, e em alguns casos dos próprios autores das obras a visitar. Parece-me uma forma muito inteligente de dar a descobrir o que de melhor se produz na arquitectura portuguesa, ao mesmo tempo que preenche uma lacuna interessante no espaço do turismo cultural.

De realçar a visita programada para o próximo dia 15 de Outubro (sábado) sob o tema “Conhecer a Obra de Siza Vieira em Santiago de Compostela”, com orientação do Arq. Marco Rampulla. O passeio tem saída do Porto e inclui passagem pela Faculdade de Ciências da Comunicação, o Centro Galego de Arte Contemporânea e o Parque de Bonaval. Inscrições e informações adicionais no site da Cultour (atenção ao roda-tecto animado da página).

European Concept for Accessibility

Quem trabalha em arquitectura e urbanismo não deve deixar de visitar o site do European Concept for Accessibility onde poderá encontrar o ECA 2003, a versão actualizada do manual de acessibilidades promovido pela Comissão Europeia em 1996. O documento é descarregável em formato PDF e contém uma extensa doutrina de boas práticas de intervenção em espaços públicos, transportes, edifícios públicos e de habitação.
Igualmente recomendável é a visita ao sítio web do SNRIPD – Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência, onde encontrarão mais informação sobre aspectos específicos da legislação portuguesa, iniciativas realizadas no território nacional e ligações a outras entidades diversas.

Bonsai binário

Os mais atentos sabem que a estrutura de página d’A Barriga De Um Arquitecto se baseia no template opensource Kubrick produzido por Michael Heilemann, autor do Binary Bonsai. Quem se interesse por design web pode acompanhar a transformação gradual que este blogue de referência tem vindo a sofrer nos últimos dias com a transição para a nova base de código K2 em sistema Wordpress. Os entendidos podem tentar ir atrás. Os outros, como eu, podem ficar a ver. O que já não é nada mau.

A propósito do Kubrick, ultimamente tenho recebido vários emails com pedidos de informação a respeito da utilização deste template, da sua configuração e sobre como personalizá-lo. Tenho tentado responder sempre, apesar de sujeito às limitações do meu tempo. Por isso decidi começar a escrever um guia de utilização do Kubrick na versão Blogger que publicarei aqui por partes, à medida que estiver pronto. Espero contribuir para que a nossa blogosfera sofra também um pequeno choque tecnológico, para que todos os que se queiram aventurar possam remodelar os seus blogues à sua imagem, partindo de uma base que se tornou extremamente popular pela simplicidade de design e versatilidade de manipulação. Fiquem atentos.

Visita a Santiago

No recinto do castelo de Montemor-o-Novo está em curso a obra de recuperação da Igreja de Santiago. A construção original da igreja está documentada em mais de setecentos anos tendo sofrido várias alterações ao longo do tempo, a mais importante em 1533 que lhe conferiu a sua forma actual com a construção das capelas e corpos laterais e o encerramento da entrada lateral original.
O edifício encontrava-se bastante degradado tendo sido determinada a sua reutilização para o uso bastante feliz de ocupação por parte do Centro Interpretativo da antiga vila medieval. Depois de renovada a igreja, o centro irá reunir ali um conjunto de material arqueológico muito rico que, acompanhado de suportes informativos e multimédia vai oferecer ao visitante um contacto pedagógico com a história do castelo e as diversas fases da sua evolução. O projecto foi promovido pela Câmara Municipal e realizado pelo Gabinete do Centro Histórico sobre a direcção do Arquitecto José Garret, entretanto falecido.
Neste momento tenho o prazer de acompanhar a obra que está em bom andamento. Foi feita uma picagem das argamassas salitrosas, com grande cuidado para preservar as áreas onde existem vestígios de pinturas murais. Também foram realizados vários trabalhos de consolidação estrutural, bem como refeita uma parte das nervuras do tecto que já não existia.

Image hosted by Photobucket.com
Image hosted by Photobucket.com
Image hosted by Photobucket.com

Uma das preocupações que estão sempre presentes na intervenção neste típo de edifícios é a adequação dos novos materiais à construção existente. Neste caso, os paramentos estão a ser protegidos com uma cal fraca, à qual se misturam pozolanas para conferir à argamassa um melhor comportamento. Os antigos romanos utilizavam nas suas argamassas cinzas pozolânicas provenientes do vulcão Vesúvio, que lhe conferiam uma melhor plasticidade e capacidade de agregação, e também a tonalidade levemente acinzentada. No presente, tentamos reproduzir este tipo de materiais com o uso de pozolanas sílicas, argilas calcinadas e cinzas volantes, de modo a oferecer aos novos revestimentos a mesma capacidade de resistência à humidade, aos sulfatos e a outros agentes agressivos que estão quase sempre presentes neste tipo de edifícios antigos.
Os trabalhos de restauro das pinturas murais também são um trabalho muito delicado que está em andamento. Sob a supervisão do IPPAR e executado por pessoas especializadas, serão recuperadas várias pinturas que irão manter a memória visível daquele espaço, fazendo a ponte da nova intervenção com o passado que se pretende hornar e respeitar.
Apesar de ainda termos vários meses de trabalho pela frente até à conclusão da obra, já começa a ser visível que, quando estiver terminada, nascerá ali um espaço nobre da cidade e um exemplo de boas práticas de intervenção que nos irá orgulhar bastante.

O jardim da Celestia

Algumas horas a experimentar o Celestia dão para perceber que o programa é realmente fenomenal. É difícil imaginar o trabalho envolvido na construção de um modelo do universo com tanta informação. Selecionando um corpo qualquer, um cometa, uma estrela ou um planeta, é possível aceder a um pequeno menu clicando com o botão direito do rato, onde vão encontrar documentação completa do objecto que estão a ver através de uma base de dados por ligação internet. Também vale a pena percorrer as opções de visualização para activar o desenho de órbitas, constelações e outros elementos disponíveis. Quem tiver um computador potente ainda pode activar o efeito Auto Magnitude para aumentar a distância de observação e encher o céu de estrelas, com a vantagem de poder seleccioná-las e viajar até elas em poucos segundos.
Como tantas coisas da vida, o Celestia é muito bom mas não é perfeito. Na minha experiência deparei-me várias vezes com o encerramento abrupto do programa, provavelmente devido a um bug relacionado com o processamento do motor gráfico OpenGL. No entanto, falei com várias pessoas que o utilizaram sem qualquer problema, mesmo com todos os elementos visuais activados em simultâneo.
A parte pior do Celestia é a instalação de conteúdos adicionais. Como referi, no Celestia Motherlode podem encontrar centenas de add-ons como novos objectos e texturas com uma definição muito maior do que as do programa base. Só que a instalação desses componentes tem de ser introduzida manualmente nas pastas do programa, nos locais certos, e por vezes obriga a manipular alguns ficheiros de configuração. Isso significa que quem deseje obter um maior detalhe seja obrigado a construir o programa com todos os componentes adicionais, de uma forma que acaba resultar pouco amiga do utilizador. Infelizmente, não existe nenhuma versão já carregada com essa biblioteca de extras que estão disponíveis na internet.

Numa outra frente, a NASA lançou uma actualização do potente World Wind, agora na versão 1.3.2, que está disponível na sua página de download.
O World Wind oferece uma versão alternativa ao Google Earth. O programa é bastante pesado e exige um bom computador e uma ligação à internet em banda larga. Quem cumpra com esses requisitos não deve deixar de experimentar. Apesar de não oferecer o nível de detalhe presente no globo terrestre da Google, tem um sistema gráfico espectacular e inclui alguns conteúdos muito interessantes como a ligação directa ao motor do MODIS Rapid Response System que permite introduzir imagens satélite geo-referenciadas de acontecimentos naturais como tempestades, cheias, incêndios e vulcões, em qualquer local do planeta.
Uma nota: para além da instalação base (45MB) também recomendo a instalação da Blue Marble Data (124MB).

Celestia



Por estes dias já todos conhecem o Google Earth. Os que já não sabem viver sem ele não devem deixar de visitar regularmente a Google Earth Community onde podem encontrar muitos conteúdos para instalar, data layers, novos mapeamentos e muita informação adicional.

O que possivelmente ainda não conhecem é o simulador espacial Celestia, um planetário virtual que permite navegar para qualquer ponto do universo conhecido. Viajar pelo sistema solar, visitar uma estrela distante ou aventurar-se para lá da galáxia, o Celestia oferece uma das experiencias mais incríveis que se podem viver através do computador. O download é gratuito e acessível no site principal, existindo muitos add-ons disponíveis para instalar posteriormente no Celestia Motherlode.

Sobre arquitectura e jogos de computador

Para desanuviar tenho estado a escrever um texto sobre a arquitectura nos jogos de computador. O tema não é propriamente novo. Quem se interesse pode começar por este The Role of Architecture in Video Games, por Ernest Adams, publicado no Gamasutra em 2002. Curioso, mas não tão interessante, este Videogames and Architecture, de Pierre Gaultier, 2001. Ainda, sobre outros aspectos da evolução dos jogos e uma perspectiva particular sobre o Sim City, Making Sense of Software: Computer Games and Interactive Textuality, de Ted Friedman, 1995.
Finalmente, sobre a evolução dos modelos narrativos, The Road not Taken - The How's and Why's of Interactive Fiction, por Jonas Heide Smith, 2000.

Quem só queira mesmo brincar, pode divertir-se com a deliciosa colecção de jogos no Orisinal, ou então fazer de Mister Miyagi a apanhar moscas com pauzinhos no Flysui.

Ideologia urbana

O postHABITAT tem vindo a produzir algumas reflexões sobre o tema do urbanismo no contexto das eleições autárquicas e dos debates de campanha. O urbanismo é de facto uma das montras de obra-feita dos nossos autarcas e revejo-me nas principais críticas produzidas por Bruno Graça Lobo, na forma como no planeamento municipal tantas vezes se confunde desenvolvimento com crescimento. Mas o tema tem tantas particularidades complexas que é difícil destrinçar soluções viáveis para sair da lógica em que assenta todo este sistema público, criado como se não existisse vida para além do Estado.

A verdade é que, em muitos sítios, as câmaras municipais são a maior empresa do concelho. São a entidade com mais trabalhadores, que gere um orçamento maior, que tem mais competências e cargos dirigentes. Infelizmente, nas autarquias como em outros órgãos estatais, não existe nestas instituições uma verdadeira cultura de serviço público e uma consciência da missão que lhe devia estar associada. Reina a demagogia e a apologia de chavões superficiais, que em Portugal se despem de todo o conteúdo que noutros locais desta nossa Europa produzem algumas das melhores práticas mundiais: sustentabilidade, participação, cidadania, equilíbrio.

Foi e é neste panorama intelectualmente raso, em que pessoas que não são minimamente capazes e experientes na área do planeamento, urbanismo, arquitectura, paisagismo, engenharia, economia, são chamadas a tomar decisões e elaborar os grandes desígnios urbanísticos do país, que nasceram e são produzidos os PDMs e demais planos de ordenamento do território que nos tutelam. Planos que foram produzidos sem correspondência com um real sentido ou ambição estratégica, indiferentes à complexa relação da sociedade com o território, ignorantes quanto ao mercado imobiliário e as realidades económicas, tornando-se em miseráveis conjuntos de condicionantes meramente indicadores da acção de licenciamento municipal.

Ignorantes a tudo isto, os portugueses continuam a aceitar viver em cidades que crescem indiferentes aos custos que produzem, de tempos de deslocação, em consumos energéticos, em abandono e exclusão social. Um país onde o mercado da recuperação de habitação corresponde a 6% do investimento no sector da construção, longe de uma média europeia de 33%. Um país onde os municípios se comportam como consumidores de recursos, meros aplicadores dos fundos estatais para construir este ou aquele equipamento, realizar esta ou aquela obra com fins eleitorais, sem estarem obrigados a servir de actores de investimento e a prestar contas da sustentabilidade económica dos investimentos que realizaram.
Com falta de meios técnicos, sujeitando os cidadãos a burocracias irracionais, os municípios acabam por não conseguir promover uma visão estruturante do território urbano. Aplicam-se indicadores urbanísticos quantitativos mas não se produzem orientações morfológicas, e quando se produzem são em geral cegamente redutoras. Pensa-se na quantidade, não se pensa na qualidade. Não existe, afinal, uma cultura de planeamento.

BGL fala da desregulamentação dos instrumentos de planeamento urbano. Discordo. Acredito que a diminuição do investimento público e do peso da Administração não é sinónimo de desregulamentação, antes exigiria uma regulamentação mais eficaz. Mas é hoje quase impossível sustentar alguma legitimidade ao Estado como actor credível dessa transformação quando ele próprio cauciona a especulação fundiária nas suas práticas de gestão local. Essa especulação, note-se, também não é um fenómeno simples ou unívoco. Em muitos casos, trata-se de promover o sobre-dimensionamento das áreas urbanizáveis. Mas em outros, é pela contenção cega do crescimento urbano que se criam situações de monopólio ou oligopólio que resultam num crescendo inflacionista. O Estado acaba assim, num como noutro caso, por tornar-se não um planeador, mas um desestabilizador de qualquer capacidade de auto-regulação do mercado criando perversões no sistema económico que lhe é dependente.

O urbanismo é demasiado importante para ser alvo de lógicas tão rasteiras. Mas, em Portugal, tem sido repetidamente. As cidades não podem ser conduzidas casuisticamente, através da mera gestão licenciadora ou à mercê de interesses particulares. Mas a Administração não pode comportar-se como um inimigo dos cidadãos e terá de saber readquirir a sua confiança no processo urbano. Infelizmente, essa confiança não será ganha à boca cheia de políticos clamando pelos chavões do costume. Se o Estado não se souber habilitar de recursos, saber e competência técnica, e assumir um planeamento consequente da urbanização, toda a sua capacidade de intervenção será constantemente posta em causa até que se perca de vez. E isto já está a acontecer.

Cannatà & Fernandes



Formada pela portuguesa Fátima Fernandes e o italiano Michele Cannatà, a Cannatà & Fernandes arquitectos apresenta um site de interface extremamente simples e projectos de qualidade superior com acompanhamento escrito e excelentes imagens. Destaque para o projecto do Centro de Interpretação Ambiental e Museu do Parque Natural do Douro Internacional, actualmente em construção. Um exemplo de intervenção contemporânea fortíssima num núcleo urbano consolidado e de integração complexa, caso notável de uma arquitectura que se conjuga ao mesmo tempo como peça autónoma, abstracta, e elemento de coesão de um conjunto anteriormente sem referências.

Um agradecimento ao Alziro Neto pela divulgação.

Nota: actualizado o Directório de Arquitectos Portugueses na Net com as entradas de Cannatà & Fernandes e de Marco Ligeiro.

Blogocídio

Ocasionalmente o bloguista sentir-se-há tentado a cometer o suicídio bloguístico, ou seja, a acabar com o seu blogue. Nessa altura, deverá ponderar a melhor forma de perpetrar o acto estando à sua disposição um manancial de possibilidades, nomeadamente:
a) À bruta: assim de repente, num post só, anunciar a toda a gente que se vai acabar com isto de forma sonora, e prontos!
b) Adeus mundo cruel: a despedida lamechas é adequada a quem tem uma comunidade de leitores sensíveis, naqueles blogues em que toda a gente conversa nos comentários, o autor responde e combinam sair para jantar.
c) Desaparecimento ou morte silenciosa: deixar de escrever sem mais justificações pode ser interpretado de várias maneiras. Por um lado é pouco satisfatório, um underacting, mas também pode ser visto como um traço de carácter. Já não estou para isto e mais nada.
d) Vou ali e já venho: a modalidade “vou tomar um café” da blogosfera é uma boa estratégia para aumentar as visitas. Anunciar que se vai acabar, mas depois voltar passadas duas semanas. Tem a vantagem de que há sempre uns tipos a falar do nosso desaparecimento, o que gera mais links, e depois a voltarem a falar que estamos de volta. O coffee-break é sem dúvida o golpe publicitário ideal.
e) Ia sendo mas não foi ou estou a pensar nisso mas não sei se vá: isto então é que não é nada. Crises existencias, pedidos de solidariedade é que não. Ou sim ou sopas!
f) Zanga de grupo: os blogues colectivos têm ainda a opção da zaragata generalizada. Ideal para intelectuais.
g) Publicar um livro: também muito na moda, publicar um livro e acabar com o blogue é chique e bem aceite socialmente. Eu cá acho mal, mas já se sabe, isto é só inveja!

9rules network

O 9rules network é uma comunidade web formada por um grupo de designers, bloggers e outras pessoas com páginas na net. A ideia é servir de portal para um conjunto de sítios web pré-seleccionados segundo um sentido de qualidade dos conteúdos e da apresentação. Vale a pena percorrer as muitas páginas que ali se fazem representar, entre as quais alguns dos melhores blogs que se podem ler no momento... em inglês, claro!

Da poética arquitectónica em Nova Orleães

The new assumption will be that when shit happens you are on your own. Jim Kunstler



Descubro no Clusterfuck Nation que, à boa maneira americana, Daniel Libeskind já se montou na sela para cavalgar nos lucros da reconstrução de Nova Orleães. Em declarações ao New York Times o autor do projecto para a reconstrução do local do World Trade Center falou da sua perspectiva visionária de que a cidade possa renascer do mesmo modo como Berlim o fez depois da segunda guerra mundial.
Afirmou Libeskind: Trabalhar com a história não significa imitá-la, fazer uma reprodução kitsch ou simplesmente simulá-la, mas antes pegar nas raízes de uma grande cultura e construir a partir delas. E o que poderia ser mais criativo que o jazz? É o tema certo. Pode-se construir de uma forma rica com uma variedade de vozes e no entanto criar uma estrutura conjunta de harmonia. Que bonito.
O que incomoda não é a sensibilidade estética titilante de Libeskind mas a forma como se consegue discorrer sobre um drama de dimensões colossais despojando-o do conteúdo humano e ambiental que se está a desenrolar. Falar-se de Nova Orleães como se se estivesse a falar de compor uma sinfonia com grande deleite estético é no mínimo insultuoso para com os desalojados e os que ali morreram.

A cidade é hoje um aglomerado de problemas sem precedentes. Reconstruí-la não é apenas uma questão de enfrentar a destruição de propriedades e infraestruturas ou os efeitos directos das inundações. Para lá da gestão do realojamento de centenas de milhar de ex-residentes, da avaliação de danos por parte das seguradoras e do financiamento da reconstrução, são os efeitos ambientais provocados pela contaminação em larga escala da região que põem em causa a viabilidade do que ali se poderá vir a realizar no futuro próximo. Contaminantes industriais, metais pesados e hidrocarbunetos, resíduos humanos e uma proliferação de bactérias mortais fazem hoje parte do cenário que envolve o tecido ambiental da cidade. Perante problemas desta complexidade falar de reconstrução não pode deixar de ser uma abordagem técnica, social e humana; não de devaneios líricos de autor.

On Cross Hatching



Danny Gregory escreve e desenha sobre tramas, muitas tramas.

Da perda de coesão em Nova Orleães

No ensaio intitulado As Novas Tecnologias, o Futuro dos Impérios e os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, Fernando Carvalho Rodrigues escreve sobre o conceito de perda de coesão. A sua teoria é a seguinte: quando uma determinada estrutura organizacional é alvo de um processo de destruição, seja em perdas humanas, sociais, económicas ou outras que funcionem como factor relevante de coesão, existe um ponto nesse processo em que o declínio é inevitável e já não é possível evitar a desagregação da estrutura.
A partir desse ponto de não retorno, que ali se define como uma variável 1/e ou cerca de 36%, é a própria estrutura que cai por si; porque a percepção do fenómeno sofre um efeito de desproporção em relação à realidade.
Esta ideia é ilustrada com o exemplo da desagregação de um exército durante uma guerra. Quando o nível de baixas atinge entre 10 a 15 por cento, a quantidade de informação produzida pela desorganização (em necessidades logísticas) começa a tornar-se um factor de depredação relevante. O aumento de informação gera o aumento da desordem. Quando o nível de baixas atinge um terço a percepção da destruição torna-se então generalizada (a percepção clara de que se está a perder) e o que era até então um exército passa a ser apenas um bando de homens carente de estrutura.

Esta ideia é depois desenvolvida com um interesse ainda maior a respeito do problema do declínio das cidades enquanto estruturas sociais complexas e centros de poder. São apresentados diversos exemplos entre os quais os casos do surto de peste em Lisboa de 1569, em Veneza de 1631 e de Verona no mesmo ano. Nestes dois últimos casos a perda de vidas humanas superou o referido valor 1/e, grosseiramente um terço da população. E em ambos os casos, apesar de ainda hoje as cidades existirem enquanto referências urbanas e de grande interesse cultural nunca mais recuperaram o estatuto político e a importância geo-estratégica que antes haviam possuído.
A tese de Carvalho Rodrigues é teórica e discutível. Em casos como o de Veneza o declínio da cidade enquanto pólo económico e político relaciona-se igualmente com a perda do monopólio comercial com o Oriente que resultou da abertura das rotas comerciais marítimas; em particular da descoberta do trajecto marítimo para a Índia. Mas o conceito de perda de coesão não deixa de exprimir um fenómeno importante, em especial no papel da pessoa humana como factor de equilíbrio no tecido colectivo e que não pode ser destruído, sob ameaça do colapso generalizado. O professor adianta que basta que uma catástrofe dizime “algo como 10% da população para que a quantidade de informação da estrutura seja tal que a ignorância gerada dentro da organização a destrua”.

Estes números estão, felizmente, muito longe da realidade provocada pela passagem do furacão Katrina. Na cidade de Nova Orleães com uma população de 484.674 (US Census 2000) estão confirmadas 118 vítimas (num total de 659, 13 Setembro) e estima-se um valor máximo de perdas humanas da ordem dos 10.000. No entanto, sabe-se que o número de propriedades e habitações atingidas ou destruídas rondará as 150.000, valor que dá certamente uma noção da disrupção social que ali está a ocorrer. O Army Corps of Engineers prevê que o processo de drenagem da cidade demorará por mais de 40 dias e vários alertas estão já a ser lançados para as consequências imprevisíveis que a poluição das águas por diversos contaminantes biológicos e químicos poderão ter nas áreas naturais circundantes.

Parece razoável supor que a cidade de Nova Orleães será reconstruída e virá a tornar-se um autêntico case-study no domínio da engenharia e da arquitectura. Numa perspectiva optimista, pode até prever-se que venha a retomar um interesse turístico particular e que dinâmicas económicas se venham a desenvolver posteriormente. Mas perante os números e a realidade da catástrofe, a grande incógnita penso prender-se com algo próximo desse fenómeno de perda de coesão; neste caso pela desagregação de um tecido social complexo que se formava não apenas pelas riquezas culturais da cidade mas também pelas suas contradições sociais. Exactamente no tecido humano mais frágil aos efeitos do desastre que agora ocorreu. Poderá Nova Orleães renascer como a Jóia do Sul retomando a magia cultural e o seu valor histórico, ou tornar-se-à apenas uma espécie de disneylândia do jazz, uma cidade cenográfica como uma mera miragem de uma vivência social entretanto desaparecida.

Refs:
As Novas Tecnologias, o Futuro dos Impérios e os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, Fernando Carvalho Rodrigues, 1994;
The Lost City of New Orleans?, Lori Widmer, Risk & Insurance, 2000;
Drowning New Orleans, Mark Fischetti, Scientific American, 2001;
Gone With The Water, Joel K. Bourne, Jr., National Geographic, 2004;
Hurricane Katrina, Wikipedia, 2005;
Effect of Hurricane Katrina on New Orleans, Wikipedia, 2005;
Imagem de satélite de Nova Orleães após o Furacão Katrina, Google Maps.

Boas notícias

Regresso com boas notícias. A gatinha cega já tem casa nova. Foi adoptada por uma simpática jovem de Lisboa e começou assim uma nova vida que desejamos seja muito feliz. A todos os que ajudaram a divulgar o seu caso e em especial à sua nova dona, o nosso grande grande agradecimento.

Em viagem



Appennini (2001) por Simona Dell’Agli, via Britart.com.

O dragão a viver na garagem

É uma história que contava Carl Sagan. Um homem vai ter com outro que é cientista e diz-lhe que tem um dragão a viver na garagem. O cientista diz: “bom, vamos então à garagem ver isso”.
Chegam ao local, o dono da casa abre o portão da garagem, que parece vazia.

Cientista: Então? Não vejo nada. Não há cá dragão nenhum!
Dono: Hmm. Ah, mas é que o dragão é invisível.
Cientista: Invisível? Então, mas repara, o chão está cheio de pó. Se ele andasse por aí nós víamos as marcas dele no chão. As pegadas.
Dono: Mas é que este dragão vôa!
Cientista: Isso é mais complicado. Então espera, vou buscar um sensor de calor para detectar o bicho.
Fazem a experiência e o dragão não aparece no sensor de calor.
Dono: Bem, este dragão não emite calor.
Cientista: Muito bem, mas ainda tenho uma ideia, pegamos em spray de tinta e atiramos para o ar, e vamos conseguir pintá-lo.
Vai buscar spray de tinta e pulveriza o espaço todo, mas não descobre nada.
Cientista: Bem, como vês, não está cá dragão nenhum.
Dono: Ah, mas é que este dragão é incorpóreo.

Nesta altura, perante um dragão invisível, que vôa, que não emite calor e é incorpóreo, o cientista diz ao homem que não só não tem nenhum dragão como está completamente pírulas.
Claro que, em boa verdade científica, ele apenas demonstrou que não tem meios para detectar a presença física de um dragão voador invisível incorpóreo que não emite calor dentro da garagem, o que o faz deduzir com um grau de certeza razoável a sua inexistência. Portanto, vendo bem as coisas, se existe ou não um dragão talvez seja uma questão de fé.