Entrei para a faculdade sem saber grande coisa de arquitectura. Cruzei por ali aqueles primeiros anos iludindo a minha ignorância com o manto da linguagem académica. Na escrita criava as minhas ideias e inundava-me em poética. Diziam-me que escrevia bem e eu acreditei.
A arquitectura aprende-se muito lentamente. No entanto, na faculdade, aprende-se muito rapidamente a falar dela. Porque temos predisposição para verbalizar a cultura pensamos que conseguimos abarcar na linguagem toda a compreensão de uma realidade, de uma forma de expressão. Podemos conceptualizar teoria em torno do espaço. Traduzir arquitectura em conceitos, ali belo, aqui austero, teatral, opressivo, libertador. Podemos fazer uma teia de referências, uma colagem de abstracções complexas. Ou exprimir a beleza das formas em escrita cheia de lirismo, como vazia de arquitectura.
Um dia percebi que nada naquela linguagem me fazia aproximar um pouco de compreender arquitectura e muito menos de fazê-la. Comecei um processo de despir a pele daquela linguagem, desmontar as teias de um academismo tão cheio de si quanto ausente de consequência.
Não sendo dado a seguidismos apatetados, aprendi a valorizar a forma como Siza fala dos seus projectos. Para um homem tão carregado em base teórica é sempre divertido vê-lo perder-se nos pormenores para dissertar sobre aquele saguão, o encosto daquele gaveto, a reflexão da luz num paramento de pedra. Como toda aquela doutrina resvala sobre o concreto, como todo aquele saber dá de beber à arquitectura.
Difícil não é assim complicar sobre o vazio mas erguer simplicidade sobre a mais complexa das coisas. Poucas obras são mais exemplares dessa mestria do que as suas Piscinas de Leça. Ali sobre uma massa de rocha assentam os seus muros contínuos, encastrados na topografia para se tornarem parte desta. Nada é espectáculo. Tudo é subtil. Divino. Para lá das palavras.
Nota: reportagem fotográfica das Piscinas de Leça da Palmeira (Álvaro Siza, 1961-66) disponível em Últimas Reportagens.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Obrigado Daniel, pelas palavras sobre o percurso na escola.
ResponderEliminarSão bonitas e trazem-me recordações.
Senti parte do que diz em Lisboa (o que não ajudou nada) há muitos anos, mas fiquei-me, digamos... aí pelo seu terceiro parágrafo.
E ficou-me o amor (fustrado) pela arquitectura.
É uma das coisas que gosto aqui, respira-se arquitectura, calmamente, sem erudições vazias nem invejas absurdas.
Ao contrário do que é comum na classe, infelizmente, e de que a boca do "pobre" parece ser um afloramento.
muito bem. e o que escrever sobre a cada vez mais precoce publicação - do que suponho deveriam ser exercícios de aprendizagem - de "projectos de arquitectura", por "estudantes" do ofício...
ResponderEliminarAs usual, sábias palavras... Na faculdade aprende-se tantas vezes a construir um discurso que se tentarmos extrair alguma coisa concreta sai... nada.
ResponderEliminarAdorei a nova imagem do blog... ai o Zunthor, não deve falar muito ele. Ia à Suiça só para me banhar nestas termas.