...como em valles baixos, se achão abundantes frutos de boas obras: dos elementos da terra e o mais baixo, porém o mais seguro: alto está o ar; e mais alto o fogo, porém nenhum delles dá fruto: as fragosas serras, e outeiros altos não são de proveito, os humildes valles são os que se lavrão, e os que se estimão.
Frei Manuel de Monforte - Chronica da Provincia da Piedade (1751).
Não é possível falar deste pequeno livro sem falar um pouco sobre o seu autor que tenho o prazer de conhecer. O António Xavier é um daqueles homens que cativam à primeira vista pela humanidade que encerra no olhar. Mas é a sua voz que verdadeiramente seduz os que o escutam; uma voz de contador de histórias na alma de um amante da História. Com o alento jovem de investigador de coisas que a sedimentação do tempo persiste em esconder, aliado à sua sensibilidade de paisagista, Xavier compõe neste seu ensaio Das Cercas dos Conventos Capuchos uma visão sobre a instituição da espiritualidade no território e abre a porta a uma reflexão sobre parte importante da construção da Paisagem em Portugal.
Nele vamos descobrir o importante património cultural que encerram as cercas conventuais como importantes manifestações da arte paisagista portuguesa. Fazendo um percurso pelos Conventos Capuchos da Província da Piedade (território continental a sul do Tejo), faz o retrato urgente de um bem grandemente exposto ao abandono e à ruína, ameaçado tanto pela acção do tempo como pelo esquecimento e a ignorância.
O percurso dos frades Capuchos em Portugal nasce na sombra da perseguição. A sua busca pelo ascetismo espiritual levou-os ao refúgio em lugares distantes, no interior do Alentejo e no Algarve. A sua devoção encontrava eco em ambientes obscuros, encerrados e por vezes insalubres. O vale surgia como a imagem dessas virtudes de convergência entre o solo terrestre e a água celestial; o encontro humilde da alma humana com a graça divina.
Apesar da sua adopção por uma vida de isolamento, os Conventos Capuchos dispunham de normas próprias à sua localização que dependia da aprovação do Capítulo Provincial. Deviam assim ser pobres, pequenos e recolhidos, mas situar-se em lugar não demasiado distante de uma povoação, idealmente pequenos centros urbanos. A excepção é feita pelo Convento de São Vicente do Cabo, caso particular justificado pelas notáveis características do ermo promontório.
António Xavier mostra-nos como, no decurso do tempo, os Conventos Capuchos se foram aproximando das povoações que lhes serviam de auxílio, por um conjunto de razões. Na maioria dos casos, é a consolidação da ocupação do território e o desenvolvimento urbano que vai fazer integrar os edifícios conventuais, tornando-se parte da estrutura das novas aglomerações urbanas. Os conventos, apesar de fundados em meio rural, estabeleciam com a urbe uma relação de dependência e orientavam a expansão urbanística nessa direcção. Acentuavam eixos viários que permitiam sustentar novas malhas construídas. Os espaços conventuais marcariam assim o urbanismo das cidades portuguesas, muito para lá do tempo de vivência das Ordens que lhes deram origem.
Neste ensaio podemos conhecer um pouco da tipologia e simbologia subjacente à origem das cercas dos Conventos Capuchos, e o seu profundo significado enquanto determinantes da religiosidade no espaço e todas as suas implicações. Manifestações de uma cultura íntimamente mergulhada na Natureza, as cercas são também uma reminiscência importante para compreender as raízes da nossa cultura espacial e a forma como nos relacionamos com o território. O tempo, nas suas muitas vagas, trouxe o esquecimento sobre essas ideias, esses materiais, essas soluções tradicionais que foram a génese do nosso fazer urbano. É contra esse vazio de conhecimentos que o pequeno livro de António Xavier se vem erguer, como marca de uma forte esperança em recuperar essas raízes culturais e assim fazer renascer um novo interesse em investigar, conhecer e proteger este património escasso e inegavelmente valioso.
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O livro Das Cercas dos Conventos Capuchos de António Manuel Xavier é uma publicação da Casa Do Sul Editora em colaboração com o Centro De História De Arte Da Universidade De Évora, podendo ser comprado ou encomendado na Livraria Som Das Letras.
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Adoraria ler.
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