[por outras palavras]

Domingo

O impasse português é o estado da nação que decorre da multiplicação dos diagnósticos sobre os seus problemas, da sua tão fácil consensualização como da sua paradoxal inutilidade; que resulta do facto de os diagnósticos nascerem não para terem consequências, mas para consolação da alma nacional, um consolo que se alimenta da ilusão de que o que nos sobra em saber difuso compensa o que nos escasseia em acção concreta. Ele está, por isso, na origem de todos os conformismos e de todos os missionarismos.

Nestas condições, o cidadão dos nossos dias acaba por se tornar num nicho onde se concentram todas as contradições: que quer mais direitos sem mais responsabilidades, que reclama mais e melhores serviços públicos com menos impostos, que ambiciona mais igualdade mas também mais diferença, que exige mais liberdade sem diminuição das segurança, etc.

O mais desesperante, na vida como na política, é quando percebemos que, ingénua ou cinicamente, se está a lidar com problemas novos com base em respostas há muito esgotadas. Portugal passa hoje por um destes momentos, e o drama - seja ao nível político, jornalístico ou empresarial - é que há cada vez mais gente a viver dos problemas, parasitando-os, e cada vez menos gente a resolvê-los, enfrentando-os.

A ler: O Impasse Português de Manuel Maria Carrilho.

[complicar é preciso]

Sexta-feira



A verdade não mora aqui nem consta que esteja a caminho. Com a legitimidade de quem contribuiu com o seu voto para a mudança política que estamos a viver, não posso deixar de acrescentar que desejo, mais do que verdadeiramente espero, que o futuro governo se venha a revelar capaz de trazer um melhor contributo para os tempos que aí vêm.

Sou levado a começar esta exposição batendo numa tecla recorrente: a realidade é complexa. A realidade é, reforço até à exaustão, muito complexa. Não pode este país continuar a advogar soluções simples para essa complexidade.
Somos um país culturalmente atrasado em relação às expectativas que temos de nós próprios. Esse atraso cultural reflecte-se numa desonestidade intelectual que nos é instrínseca. Somos inseguros, e por isso desproporcionadamente defensivos. Este problema não se resolve com um governo de génios nem com um ditador infinitamente competente. Resolve-se olhando para aquilo que somos e pensando no que podemos fazer para o melhorar. Falar numa aposta na ciência e na tecnologia é certamente um passo na direcção certa. Denunciar a nossa improdutividade é fazer diagnóstico mas não consiste em nenhuma cura. A nossa fraqueza começa bem antes disto, na educação. No que somos e na forma como actuamos.

Não sou especialista da área nem venho aqui falar de educação numa perspectiva técnica. Fazer um retrato empírico baseado em exemplos será igualmente uma simplificação e a demagogia, já se sabe, faz-se com bons princípios. Mas olhemos para alguns exemplos e vejamos o que podemos aprender com eles.
Olhemos para aquele pai que encolhe os ombros quando o filhote começa aos pontapés a um estranho. Ou que diz ao senhor doutor que o menino não tomou os medicamentos porque "ele não quis". Olhemos para a nossa falta de cortesia. Quando alguém faz algo de bom, certamente não fez mais que a sua obrigação. Mas quando faz algo de mal todos estamos lá para apontar o dedo acusador.
Olhemos para muitas das relações que criamos com padrões de telenovela. Ouvindo o Júlio Machado Vaz a falar, é difícil rever nas suas palavras o mundo irreflectido que nos rodeia.
Olhemos para o modo como nos comportamos na estrada. Dificultamos a vida aos outros e complicamos a nossa própria vida. Haverá um problema mais evidente de improdutividade mental.

Complicar é preciso. Num país em que cada um reflecte muito pouco sobre o seu comportamento e não está disposto a fazer concessões, esperamos do estado, do governo, do país ou seja lá do que for a que somos alheios para resolver os nossos problemas. E se estamos infelizes, a culpa é certamente da medicina que também isso nos deve.
É muito curioso ouvir os portugueses a falar dos seus problemas. Quando se fala em educação, em sub-desenvolvimento, em segurança rodoviária ou outra coisa qualquer, lá se ouve alguém queixar que o estado deve ter a culpa. Os cartazes não prestam, andam a gastar dinheiro em submarinos ou são todos uma cambada de chupistas. Mas então se o problema é a fraca qualidade do estado, invista-se num estado de qualidade. Ora, isso também não, porque o custo do estado é que é o problema.

A infantilidade é total e não deixa antever nada de bom. Incapaz de promover a única reforma de que o estado verdadeiramente precisa, que é a da Qualidade, o estado estará condenado a envelhecer e enfraquecer naquilo que devia ser a sua capacidade técnica. Preso a uma teia de incompetentes que tomaram o elevador partidário para os mais altos cargos dirigentes da coisa pública, não haverá lugar no estado para aqueles que realmente fazem falta: dirigentes competentes na técnica e na gestão.
O futuro não é assim difícil de prever. A pouco e pouco o estado irá deteriorar-se e a sua incapacidade será cada vez mais gritante. Na derrocada dos erros sucessivos, mais fácil será a sua corrosão e a perda de competências para grupos de interesse que rondam tudo aquilo que cheira a rentabilidade financeira (e nada mais).

Uns dirão que será melhor assim. Dizer que não só pode ser especulação minha, reconheço-lhes. Seja como for, se há uma coisa que podemos aprender com a História é que tudo aquilo que é insustentável está condenado a ruir. Mas não se iludam, porque esses processos sempre se fizeram com o sofrimento de todos.

Alguém disse um dia que a dor é a mãe da mudança. E talvez como em outros momentos da nossa história, seja a dor a charneira de que verdadeiramente precisamos para que a transformação aconteça. Um dia.

[inventadas soluções]

Quinta-feira

Mas o tempo linear é uma invenção do ocidente,
o tempo não é linear,
é um maravilhoso emaranhado onde,
a qualquer instante,
podem ser escolhidos pontos e inventadas soluções,
sem começo nem fim.

[Lina Bo Bardi]

Existe um momento em que começamos a pensar se estaremos na primeira ou na segunda metade das nossas vidas.

[wondering moleskine project #17 in portugal]

Quinta-feira



O nosso amigo João foi passear de Moleskine. Podem vê-lo no Wondering Moleskine Project.

[nesoro]

Quarta-feira



O Nesoro mudou de casa... e nós fomos atrás.

[correspondência em dia]

Terça-feira

O Victor (Zarp) fez-me chegar por email estes links de arquitectura:
Arch Homo – Johann Obermoser Architekt
Lightroom (este já consta da listagem do blog)

A Carla Rodrigues também enviou este:
Allies and Morrison

Também por adicionar brevemente à barra de links:

arquitectura
Arquitectos Pioledo
D’Ayala & Rafael Estudio de Arquitectura

blogs
Alecrins No Canavial
From Tokyo With Love
Desnorte
Os Espelhos Velados
Sapatos Vermelhos (abre mal com Firefox)

e ainda fica o recado que a Rua Da Judiaria tem novo endereço em ruadajudiaria.com.

[agenda adiada]

Terça-feira

A necessidade de planear as cidades de forma mais consciente tem sido motivo de reflexão séria na Europa. Isso é particularmente evidente no contexto dos processos políticos da Agenda 21 Local (Para O Desenvolvimento Sustentável), que têm por objectivo envolver as comunidades locais e interesses diversificados no processo de decisão política.
Esta nova consciência para o problema da vida urbana extravasa largamente a discussão técnica do Urbanismo (dos urbanistas / arquitectos / engenheiros / paisagistas). Começa a envolver a sensibilidade de áreas como a Saúde, a Economia, os Transportes e a Energia, entre tantas outras que sentem os efeitos negativos de uma realidade urbana mal planeada.
É necessário dramatizar este problema. Nenhum governo português realizou até hoje uma verdadeira aposta no planeamento sustentável, promovendo a Agenda 21 Local e impulsionando os novos processos e metodologias que se praticam no resto da Europa mais desenvolvida.

O Urbanismo terá de tornar-se, cada vez mais, uma área-fusão de vários saberes. É uma nova linguagem técnica que está por inventar, uma disciplina que urge desenvolver como uma ponte onde o técnico e político, o ambientalista e o económico, o estatal e o civil, o jurídico e o urbanístico se possam verdadeiramente comunicar. O Urbanismo não pode ser monopólio de ninguém.

[uma crise do pensamento]

Quinta-feira

A cidade tem, para o bem e para o mal, um efeito aglomerador dos factores que coexistem no território. Um mau planeamento dos transportes ou do tecido industrial, a insuficiente qualidade da construção das habitações, sub-desenvolvimento ou pobreza provocam na cidade o aumento dos seus efeitos e resultam na incidência de doenças relacionadas com o stress, com a poluição ou genericamente com uma má qualidade de vida associada a factores ambientais ou sociais.

O planeamento urbano tem exactamente como um dos principais objectivos a melhoria das condições de vida e o bem estar dos seus habitantes. Tem assim, como disciplina, o potencial para reflectir implicações ao nível das estratégias do uso do solo e do território.
No entanto, ainda hoje, muitos dos sistemas de planeamento urbano não abordam racionalmente (e sem preconceitos) o problema da sustentabilidade, da saúde, do ambiente, da integridade do território. Factores importantes que afectam o ambiente urbano como os transportes ou a energia não são abordados. As vozes dos grupos sociais mais carenciados não se fazem ouvir.
Pelo contrário, as políticas de planeamento acabam por promover uma realidade descriminatória, a segregação de grupos sociais e do uso da terra, o aumento do uso do veículo particular, exacerbando problemas humanos e ambientais graves. De difícil solução, esta é também uma crise do pensamento urbano.

[tacteando o caminho]

Quinta-feira

Em geometria descritiva usa-se a palavra charneira para descrever o eixo de rotação de um plano. A charneira é a linha de viragem de uma projecção, ou em sentido figurado, o momento em que a realidade se transforma.

Quando, em 1992, eu e o meu irmão planeámos viajar para o Nepal, vimo-nos empurrados pelo incrível apoio dos pais cuja motivação roçava a inconsciência. Nesses dias conversei com a minha prima Margarida que já lá tinha estado e nos havia inicialmente proposto a ideia da aventura. Ela contou-me como tudo aquilo era fantástico e diferente, o que tinha visto e o que devíamos fazer. No final da conversa teceu umas palavras sobre como, quando regressou, tudo lhe parecia estranho. O regresso tinha sido deprimente, tudo lhe parecia distante como se nada retivesse a mesma importância.
Não pude compreender aquilo e rapidamente o esqueci na densidade da viagem. A chegada a Nova Delhi de noite sem reservas, o ambiente sufocante, uma viagem de comboio rumo a norte até ao fim da linha, um autocarro pela monção e a passagem na fronteira fora de horas. O Nepal foi como devia ter estado à espera, estranho e fascinante como só podia ser aos olhos límpidos e inexperientes de dois jovens ocidentais.
A aventura que um dia espero contar aqui com o tempo devido e as fotografias entretanto guardadas numa pasta poeirenta, foram um tempo de charneira nas nossas vidas. Não o podíamos ver mas pudemos comparar nos nossos retratos, o antes e o depois. A experiência ficou guardada nos traços da cara como minúsculas marcas que escorreram junto do olhar e nas barbas por fazer que entretanto nos iam crescendo. E quando regressámos recordei as palavras da Margarida, pois também a mim tudo pareceu distante nesse regresso a Portugal. Não era o país que me desagradava, mas esta existência sem parâmetro de comparação que nos submerge num monte de futilidades diárias.
Esse tipo de sensação vamos perdendo com o passar dos dias, à medida que a lucidez se vai esbatendo na rotina do tempo. O que fica no fim é como um sonho quase esquecido, mas que nos diz no fundo da mente que algo não está certo como um pequeno alerta no prisma distorcido das percepções quotidianas.
A realidade é que o mundo é um lugar ambíguo onde é difícil cultivar grandes certezas. Ao pôr o pé fora da Europa pela primeira vez compreendemos que não era o mundo que estava lá fora mas antes nós que sempre viveramos num estranho aquário, ignorantes da nossa própria condição.
No Nepal, com a lucidez da distância de milhares de quilómetros, descobri pela primeira vez o que significa ser Português. De volta a Portugal, foi difícil não acabar por esquecê-lo. Nestes dias em que vamos tacteando o caminho sem conseguir ver o que espreita para lá do horizonte tenho tentado recordar aqueles longos dias de viagem num país longínquo, onde a lembrança do som das gaivotas junto ao mar ao pôr do sol me fazia perceber aquilo de que eu era feito. E olho à minha volta para um país de gente esquecida, ignorantemente insatisfeita com a sua falta de generosidade e maturidade.
Entretanto, dia a dia, vamos perdendo o tempo que passa, à espera de uma charneira nas nossas vidas.