A propósito de um projecto comunitário +


Image credits: Fernando Guerra.

Pedro Rolo Duarte conversa com o arquitecto Tiago Mota Saraiva, a propósito de um projeto comunitário
Participação de Tiago Mota Saraiva no programa de rádio Mais novos do que nunca de Pedro Rolo Duarte. O diálogo tem como tema central o projecto da Cozinha Comunitária das Terras da Costa, construída no bairro com o mesmo nome na Costa da Caparica, resultado da colaboração do Ateliermob com o Colectivo Warehouse. A obra mereceu o prémio Edifício do Ano de 2016 da ArchDaily na categoria de arquitectura pública. Um artigo interessante da Quartz dá a conhecer o processo difícil mas empolgante que esteve por detrás de todo o projecto; ler Shantytown residents in Portugal commissioned this ethical kitchen from Lisbon architects.

The Architecture of Displacement
A “arquitectura do desalojamento” é o mote para uma exposição do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque dedicada ao tema da crise dos refugiados. A deslocação de milhões de pessoas através do Médio Oriente, Norte de África e Europa deu lugar ao aparecimento de comunidades permanentes de refugiados na França, na Grécia e em outros países. Campos como a “Selva” de Calais constituem-se como um novo tipo de arquitectura de crise – um lugar onde vivem cerca de seis mil pessoas, contando-se mais de 500 crianças, a maior parte das quais sem qualquer acompanhamento parental.

Wolfgang Münchau: Draghi, Schäuble e o elevado custo da cultura alemã da poupança
Artigo de Wolfgang Münchau sobre o problema criado pela política excedentária da Alemanha em tempo de crise económica generalizada na Europa. Na ausência de uma economia forte que produza a redistribuição dos excedentes para os países deficitários – como faziam os Estados Unidos ao abrigo do sistema Bretton Woods (de que muito beneficiou a Alemanha) – parece carecer à Europa um sistema de reequilíbrio económico que assegure a sua estabilidade de longo prazo. No contexto da moeda única, esse reequilíbrio foi meramente aparente e suportado pelo crédito, assente na transferência de reservas dos países mais ricos para os mais pobres, crescentemente endividados, mas onde os juros eram mais favoráveis. A insustentabilidade desse sistema ficou evidente a partir da crise de 2008. No entanto, oito anos depois, a Europa continua a adiar uma política de investimento alavancada necessariamente pelas economias mais fortes – como a Alemanha. Como refere Münchau, talvez esteja em causa “uma visão economicamente analfabeta” conduzida por economistas convencionais – como Wolfgang Schäuble – incapazes de lidar com as actuais circunstâncias de profunda anormalidade, marcadas pela ausência de investimento, mesmo num cenário de juros negativos. [Não olhem agora mas é exactamente o que Varoufakis anda a dizer há algum tempo; mas como o grego é considerado herético para muitos, talvez o texto de um alemão que escreve para o Financial Times seja mais convincente.]

Yanis Varoufakis: Imagining a New Bretton Woods
Yanis Varoufakis expõe a sua visão para um novo modelo monetário capaz de reintroduzir a lógica visionária do sistema Bretton Woods, estabelecido no fim da Segunda Guerra Mundial, num tempo em que estavam ainda bem presentes os ensinamentos da Grande Depressão de 1929. A sua proposta segue o modelo avançado por John Maynard Keynes tendo por base uma moeda de referência mundial, o “bancor”, modelo que seria então rejeitado pelos Estados Unidos, a favor da referenciação fixa do dólar ao ouro.

Yanis Varoufakis: The Future of Capitalism
Varoufakis tem-se desdobrado em aparições públicas e as suas conferências têm sido publicadas regularmente no YouTube. A mais “sensacional” será a que contou com a presença de Noam Chomsky em Nova Iorque, no passado dia 26 de Abril – mais indicada para aqueles que não conhecem tão bem o seu pensamento, uma vez que não trará nada de novo aos que seguem as suas palestras há mais tempo. Esta conferência que teve lugar na The New School for Social Research, com cerca de duas horas, é bem mais aprofundada, destacando-se não só a sua participação mas também a exposição de uma estudante norueguesa de economia, Ebba Boye, que oferece uma perspectiva muito interessante sobre o processo Europeu, visto do exterior.
Como complemento, vale a pena ver também a sua participação numa recente edição do Talks at Google, cuja exposição teve por base o livro And the Weak Suffer What They Must?.

Ricardo Paes Mamede: A falácia da relação entre salários, competitividade e crescimento económico
Artigo muito interessante de Ricardo Paes Mamede desconstruindo os perigos de prosseguir um pensamento simplista quando estão em causa matérias de natureza económica, focando-se neste caso na relação complexa entre salário e competitividade.

Ian Welsh: How the Rational Irrationality of Capitalism Is Destroying the World
Não sei como descobri o blogue deste canadiano, liberal de esquerda na matriz americana, mas está a tornar-se rapidamente um dos meus favoritos, de leitura obrigatória. Este texto recente oferece uma das mais curiosas análises críticas do capitalismo que me lembro de ler, tendo por base uma reflexão sobre o conflito entre dois tipos de racionalidade: a coerência interna e a relação entre meios e fins. Como exemplo, o papel da “obsolescência programada” enquanto estratégia de optimização do consumo e do rendimento, lógica numa perspectiva de racionalidade sistémica, e os seus efeitos mais vastos quando analisadas as suas consequências ao nível do aproveitamento e exploração dos recursos naturais, da poluição e da produção de resíduos.

Steve Keen: Zombies-To-Be and the Walking Dead of Debt
Só para os mais resistentes, uma aula de Steve Keen, professor de economia na Kingston University em Londres, sobre o crescimento rápido do crédito enquanto factor gerador de crises. A parte mais teórica, a partir do minuto 4:30 é um pouco pesada, mas não devem perder a reflexão a partir dos 11 minutos sobre “a pistola fumegante do crédito”, fazendo a previsão assustadora da próxima vaga de uma crise que ainda não acabou.

Lá em cima



Diz-nos a NASA que Mercúrio passa entre a Terra e o Sol cerca de treze vezes em cada século, num raro evento astronómico a que chamamos de Trânsito de Mercúrio. Esse fenómeno ocorreu ontem, 9 de Maio, e este vídeo apresenta uma composição de imagens recolhidas pelo Solar Dynamics Observatory (SDO) através de vários instrumentos de captura de luz e radiação electromagnética. Via Kottke

Querem que vos faça um desenho?

O texto anterior dedicado a analisar as distorções do gráfico da evolução da dívida pública portuguesa apresentado numa peça jornalística da RTP motivou algumas observações curiosas através do Facebook. Para melhor explicar o efeito daquelas distorções partilho convosco três imagens.





Na primeira temos o gráfico apresentado pela RTP. Repare-se a deformação do período temporal entre 2005 e 2011, no eixo horizontal, bem como a desproporção no eixo vertical entre o intervalo de zero a 100 mil milhões, e o intervalo de 100 a 200 mil milhões de Euros. Na segunda temos o gráfico com os mesmos dados, sem distorções, e na terceira podemos ver a sobreposição das duas imagens anteriores.

A ampliação do eixo temporal entre 2005 e 2011 tem o efeito de "suavizar" a ascenção da linha do gráfico, o que parece ser favorável ao período de governação coincidente, do ex-primeiro-ministro José Sócrates.

No entanto, quando atentamos na ampliação parcial do eixo de valor para o dobro no intervalo entre 100 e 200 mil milhões de Euros, verificamos que o traçado da evolução da dívida pública a partir de 2005 está também ao dobro da escala gráfica do período anterior. E aqui importa observar que o dobro da escala gráfica significa o quádruplo da área representada de dívida.

Temos assim que aquela “montanha” de dívida que aparece representada no primeiro gráfico a partir de 2005 é resultado da deformação de escalas. Dito de outro modo, no gráfico da RTP estávamos, em 2005, no sopé da “montanha”, enquanto no gráfico corrigido estávamos, nesse mesmo ano, a meio do valor atingido em 2011 e já a 2/5 da altura da dívida actual.

É difícil encontrar um exemplo tão incoerente de representação de dados quantificativos, tendo por base um gráfico com distorções de escala nos seus eixos. Fazendo um esforço de assertividade talvez possamos supor a ignorância matemática do autor da imagem e dos jornalistas do Telejornal que foram incapazes de identificar os erros nela contidos. Certo é que a peça apresentada favorece uma leitura enviesada dos factos, deixando irremediavelmente comprometida a validade técnica de todo aquele exercício.

Adenda: deixo a ligação para um artigo interessante da National Geographic sobre formas correctas e incorrectas de representar dados através de gráficos; ler A Quick Guide to Spotting Graphics That Lie.

Isto não é jornalismo: o que há de errado com esta imagem?



Uma peça jornalística da RTP dedicada a analisar a evolução da dívida pública portuguesa ofereceu ao telespectador momentos de humor involuntário. Para lá do histrionismo do apresentador José Rodrigues dos Santos, estavam em causa erros grosseiros na representação dos dados do gráfico que lhe servia de suporte. É caso para dizer: o que há de errado com esta imagem?

A falha mais flagrante tinha por base a estranha dilatação espácio-temporal do período compreendido entre os anos de 2005 e 2011 – um intervalo de seis anos com o dobro do comprimento do intervalo de cinco anos entre 2000 e 2005. Esse, no entanto, era apenas um dos erros daquele gráfico.



Aqui podemos ver a imagem da evolução da dívida pública apresentada no Telejornal, a que adicionei linhas de referência indicando o patamar dos 100 e dos 200 mil milhões de euros – note-se também que o referencial “zero” se encontra abaixo da linha preta do gráfico da RTP.
Mais importante, no entanto, é notar que, para além da já referida distorção do eixo horizontal, também o eixo vertical apresenta uma incompreensível desproporção da escala de valores – distorção essa que, ao contrário da primeira, se afigura dificilmente justificável como uma mera falha na edição dos dados.

Constata-se afinal que o intervalo entre 0 e 100 mil milhões de euros é muito mais pequeno do que o intervalo entre 100 e 200 mil milhões de euros – e isto sem ajustar sequer a perspectiva dessas linhas de referência ao formato do quadro virtual apresentado. Se o fizéssemos, o agravamento de escala seria ainda maior. Temos assim que a linha traçada pela imagem é uma aberrante distorção da realidade, com incoerências na representação do tempo e uma clara manipulação na representação da escala de valor.

Estamos perante uma peça sem qualquer validade académico-científica e um insulto á inteligência dos espectadores, a que acresce uma questionável exposição dos factos por parte de José Rodrigues dos Santos. Apontando para o ano de 2011, o apresentador refere que para agravar as coisas, o Eurostat descobriu que alguns países, incluindo Portugal, estavam a esconder a dívida em empresas públicas, dívida que não era incluída nas contas nacionais; ou seja, endividávamo-nos, mas escondíamos a dívida. Prossegue então para sustentar que foi a alteração do modelo de cálculo do perímetro orçamental por parte de Bruxelas que justificou o aumento subsequente da dívida, fazendo atingir valores da ordem dos 233 mil milhões de euros em 2016.

Sucede que o Eurostat não descobriu nada que não se soubesse há muito. O gabinete de estatísticas da União Europeia simplesmente começou a alterar as suas regras a partir de 2009 pressionado pela crise na Grécia e o alarme provocado pela elevada exposição da banca alemã e francesa aos títulos de dívida daquele país – pondo fim à permissividade com o endividamento que até então havia vigorado, com o beneplácito da Comissão Europeia e o incentivo financeiro directo da UE.

De resto, se esse processo justifica o acentuar dos valores da dívida portuguesa verificado até à chegada da troika a Portugal, não explica certamente porque é que aqueles valores continuaram a subir em tempo de austeridade até ao presente.


Adaptação do cartoon original de Zach Weiner, via SMBC Comics.

Mais do que tudo isto, importa referir a inutilidade de todo este exercício. O que lemos nós afinal naquela linha que representa a evolução da dívida pública portuguesa desde o ano 2000? Se existem valores que foram sendo introduzidos, a partir de 2009, por via do alargamento do perímetro orçamental por parte do Eurostat, isso significa também que a única forma de observar com seriedade a evolução da dívida seria discriminar esses valores introduzidos e detalhar também a sua evolução ao longo dos anos, em todo aquele período.
Só assim seria possível observar o modo como aquelas dívidas foram sendo criadas e a sua evolução ao longo do tempo.

Disse um dia Stephen Hawking que o maior inimigo do conhecimento não é a ignorância, mas a ilusão do conhecimento. Eis um flagrante exemplo de como a televisão e o "jornalismo" podem servir para promover essa perversa corrosão do saber.

Adenda: a imagem abaixo, editada, tenta corrigir os erros de distorção do gráfico da RTP.


Sobre este tema ler também: Isto não é jornalismo.