O professor corajoso

Tinha olhos e nome de rapina. Em mim, tudo nele inspirava um medo terrível. Talvez fosse o rigor do seu bigode enrolado à inglesa ou o brilho cintilante dos botões de punho, mas tremia ao ouvir o ranger dos seus sapatos percorrer a sala de aula.
Aos treze anos tudo é de vida ou morte. O temível professor de história tinha-nos na palma da mão e na ponta do taco de bilhar que esgrimia sobre as nossas cabeças. Imaginava o taco incendiar-se como um sabre laser e o espadachim ser dominado por uma pesada respiração. Sim, ele era o lado negro da Força.
Certo dia percorri o meu pesado manual de caneta em punho disposto a vandalizar o seu domínio. Encontrei a Vénus de Milo, desnudada e desprotegida, e sobre ela descarreguei a minha ira adolescente. Na imagem da deusa grega desenhei um provocante soutien e ligas a condizer, dignas da mais pura alta costura.
O destino é fatal e assim foram as aulas de história. Meses passados e o professor bateu de novo as asas, sentenciando a abertura do livro na página cento e oitenta e quatro. Folhas rolaram soando como o ressoar da roleta. Nas minhas mãos o livro abriu em câmara lenta, revelando finalmente a garbosa Vénus em todo o seu esplendor.
Um centésimo de vacilante horror foi quanto bastou. O cérebro rapidamente enviou os primeiros sinais aos dedos que rodaram mais uma folha, assim se ficando como o meu corpo inteiro gelado sob o olhar do mestre. Os olhos da águia enegreceram e não mais deixaram de me fitar. Os sapatos chiaram até mim como a ave que se lança cega sobre a presa. Parou de taco em punho e olhou o meu livro. “Mas está na página errada” - afirmou com indizível prazer. E eu já não dominava o corpo e os dedos e, seguindo as instruções do professor, recuei a folha para revelar o inevitável.
Sob o olhar atento daquela Afrodite renascida, do professor e da sala inteira li, em voz alta e de uma ponta a outra, todo o texto daquelas duas páginas abertas. E os lentos minutos arderam na minha mente para eternamente se gravarem, a dor pior que todos os castigos que poderia vir a sofrer.

No ano seguinte encontrei, naquela mesma disciplina, o melhor professor que alguma vez conheci. Alma e coração de aviador, os seus olhos doces planavam sobre a nossa admiração atenta. E a história universal enchia-se de vento e nós voávamos com ele pelo passado distante. Nos intervalos falava-se de tudo; culinária, cinema ou os estreantes passos de dança de Michael Jackson que o novo professor imitava com perfeição. Era mestre e era actor, cabelos e barba levemente soltos e rebeldes como o próprio.
Um dia, talvez algures entre o renascimento e o último disco dos Simple Minds, o mestre aviador descobriu esquecido no canto da sala o taco de bilhar do seu arquinimigo. Dominou o ceptro maldito e lançou-nos perguntas avulsas imitando o seu verdadeiro dono. E nós respondíamos e ríamos daquela atrevida representação. E eis que, de repente, o professor de olhos brilhantes ergue o taco e lança-se pelo corredor entre as mesas simulando um salto à vara - e Plim! Mal calculado, o toque da ponta da vara no chão revelava-se fatal para a madeira envelhecida. Diante de nós, o taco parte-se a trinta centímetros do topo e os seus poderes esfumam-se para sempre. Tornou-se, na minha mente, um momento histórico. A velha rapina perdera finalmente a sombra e eu estava para sempre livre do seu negro poder.
Recordo com magia aqueles tempos de colégio. E recordo, hoje com saudade, todos aqueles professores que nos metiam medo ou nos inspiravam.
Magia, verdadeiramente, é o que fazem dia após dia os verdadeiros professores, os que se entregam de alma e coração à conquista da compreensão dos seus alunos. De todos eles, os melhores professores não são os que querem apenas ensinar, mas os que se dispõem a compreender. Os que todos os dias fazem a barba ou se maquilham das suas próprias dores; e nos encantam entre o rigor do palco e um passo de dança e nos abrem o mundo para lá do cenário pardacento. Que com coragem nos fazem acreditar no poder das ideias e das palavras e, quem sabe, num futuro um pouco melhor.

Urbanismo e corrupção - uma crítica

Helena Roseta assinou um artigo intitulado Urbanismo e Corrupção, publicado na revista Visão de 21 de Dezembro. Trata-se de uma reflexão que pretende pôr o dedo na ferida da situação portuguesa relativa à apropriação privada das mais valias urbanísticas, resultantes da mera alteração de uso de solo, de rústico em urbano.

A arquitecta afirma que em Portugal, ao contrário dos restantes países europeus, é aceite o princípio de que a apropriação das mais-valias urbanísticas seja inteiramente privada. A recuperação pública desses dividendos é reduzida, póstuma e realizada por via fiscal. Correctamente, Helena Roseta refere que o problema não resulta tanto da construção civil propriamente dita – fase em que incidem taxas municipais e outros impostos – mas sim da transformação de um solo rústico em urbano ou urbanizável pela simples alteração dos perímetros das áreas urbanas ou o aumento dos seus índices de ocupação.

Trata-se de constatar que um mesmo terreno, enquanto rústico, pode valer 2 ou 3 euros por m2, passando a valer 50, 100 euros ou muito mais o m2, aquando da sua passagem a solo urbanizável. Bem entendido, o valor do solo enquanto urbano devia resultar do acréscimo de infraestrutura que lhe está subjacente - na afectação de redes, vias, espaços públicos e todo o suporte envolvente que o devia qualificar enquanto cidade. Verifica-se afinal que não é isso que sucede. Assim, é o simples efeito especulativo que o torna mais valioso enquanto bem de mercado, sem que lhe tenha sido introduzido o investimento dessa qualificação, de que deveriam resultar as consequentes mais valias.

Esta perversão dos mecanismos legais de fazer cidade é um dos motores para a falta de transparência dos processos de planeamento. Importa no entanto levar esta reflexão mais além, questionando o papel do Estado enquanto planeador do solo e a sua capacidade operacional para conduzir estes fenómenos de forma diferente.

Os planos demoram anos a fazer, diz Helena Roseta sem aprofundar as reais razões por que tal sucede. Presume-se dessa morosidade a necessidade de permitir a sua discussão pública e a supervisão que lhe garanta a transparência. E aqui reside um dos pressupostos sempre presentes na mentalidade dos planeadores públicos. Um pressuposto que teima em impedir que dentro do Estado se produza uma análise autocrítica sobre a sua acção de décadas. Na verdade, a demora a que estão sujeitos os planos resulta de vários factores que importa identificar.

Temos em primeiro lugar a incapacidade dos vários órgãos da administração pública (autarquias, ccdrs, administração central) em actuarem como efectivos gestores do planeamento urbano. Gerir planeamento significa estar à frente da iniciativa privada e ser capaz de acompanhar as suas pulsões, conduzindo essa dinâmica de forma organizada, garantindo a salvaguarda do interesse público, ou seja, a melhoria de qualidade da cidade e da vida dos seus habitantes.
Mas fazê-lo implica possuir o músculo técnico e financeiro para desempenhar tal função. A falta de investimento que se tem feito em meios técnicos e humanos dentro do Estado transformou o absurdo em normalidade: planos que deviam levar um ou dois anos a fazer demoram várias vezes mais.

Tal acaba por suceder, por vezes, com a aplicação de impedimentos ao licenciamento das áreas afectas aos planos, sem que sejam tomadas as medidas preventivas nos termos legais para a suspensão dos regulamentos em vigor. Algo que, como consta da lei (Decreto-Lei n.º 380/99, art.º 112), só pode ser estabelecido para um período de vigência de dois anos prorrogáveis por mais um.

Mais escandaloso do que o tempo que os planos demoram a fazer, é o tempo que demoram a licenciar dentro do próprio Estado. E aqui entramos no domínio da aberração completa com processos que, no caso dos PDMs ou da sua revisão, chegam a durar uma década. Esta situação dita a completa falência da capacidade do Estado em ser um interventor sério em matéria de urbanismo.

Perante isto é necessário fazer mais do que acusar os agentes privados pela má cidade que andam a produzir; o território que, como escreve Helena Roseta, se vai tornando em tecido urbano descontínuo, desconexo e disfuncional. Há que perguntar que cidades anda afinal a administração pública a planear, com os processos kafkianos que juridicamente construiu.

Sucede então que o Estado, tecnicamente incapaz de planear urbanidade, segue cada vez mais a reboque da iniciativa particular reduzindo-se a elocubrações moralistas em substituição de assumir um protagonismo interventivo e operacional. Mas também aqui importa olhar para os números e identificar aquilo de que se está a falar.

Helena Roseta cita o crescimento do tecido urbano em Portugal de 42,2% em 15 anos, correspondente a uma área de 70 mil hectares. São, bem entendido, 700 Km2 num país com um território de 92000 Km2; menos de um por cento. Poderá dizer-se que o crescimento é, ainda assim e para esse período, avassalador. Mas também isto é uma falácia: 15 anos é o tempo de instituição da primeira vaga de PDMs, com a correspondente definição dos seus perímetros urbanos. Um crescimento desta ordem não tem afinal continuidade futura, uma vez que a mecânica de alteração desses planos não o permite.
Resta então perceber se é nesse um por cento de território nacional que reside a perda de território ecologicamente fértil, e o que aconteceria se retirássemos este crescimento urbano da economia, do emprego e do orçamento do Estado, nestes últimos 15 anos.
Compreenda-se que, em boa fé, não desejo branquear os atropelos constantes a que o território tem sido sujeito pela acção da construção civil. Apenas pretendo desconstruir pressupostos panfletários que mais não fazem do que iludir a dimensão dos problemas.

Interessa por isso compreender que a apropriação ilegítima de mais valias resultante da transformação do uso do solo é um factor relevante do que funciona mal no urbanismo, mas bem entendido, um factor apenas. Podemos demonizar este ou aquele interveniente, mas as soluções só irão resultar de respostas que acudam à dimensão técnica do problema. A deliberação do Congresso da Ordem dos Arquitectos é, nessa matéria, importante: definir o princípio de recuperação pública, pelo menos parcial, das mais valias urbanísticas. Mas importa também que esse retorno financeiro sirva para consolidar um Estado tecnicamente mais musculado e eficaz, e não para suportar mais fontes luminosas e equipamentos insustentáveis que 30 anos de poder local democrático ajudaram a construir em Portugal.

Para concluir, resta-me dizer que subscrevo estas palavras com a legitimidade de quem exerce actualmente funções no Estado, preservando no currículo vários anos de experiência no sector privado. E dizê-lo sabendo que este tipo de reflexão para pouco mais serve do que votar-me ao isolamento intelectual. Porque o Estado vive hoje tomado de assalto por técnicos e políticos, novos e velhos, imbuídos deste tipo de moralismo missionarista. Agarram-se aos seus ambientalismos, patrimonialismos, esteticismos, sem possuir a robustez técnica que lhes permita dar uma real resposta aos problemas que a defesa dos seus princípios exige. Cita-se o exemplo da Holanda ou da Finlândia, incapaz de se identificar as diferenças da sua actuação, de participação cívica, de honestidade intelectual, de saber técnico. Sustenta-se assim o activismo da inacção e a mais profunda paralesia do planeamento, de que resulta o maior atentado que o Estado exerce sobre a actividade económica, social, humana, do país. E sobre isto paira um absoluto silêncio, sem que transpire dos nossos doutrinadores do urbanismo uma névoa de autocrítica, de auto-análise.

E aqui discordo em absoluto com o tom moralista de Helena Roseta quando afirma que o urbanismo não é uma actividade meramente técnica. Pelo contrário, estes problemas são eminentemente técnicos e é nessa base que importa consolidar soluções. Não chega produzir acusações nebulosas sobre a corrupção que paira. Acusações que alimentam a presunção de má-fe que reina na relação entre agentes públicos e privados, e mais não fazem do que atingir a dignidade daqueles que, dentro do Estado, desenvolvem com seriedade e boa fé a sua profissão.
Destes moralismos não se extrai consequência, sendo certo que passa impoluta a caravana dos oportunistas. Alguns podem aplaudir tais manifestações, em tom de “quero justiça”. A mim, confesso, sabe-me a muito pouco.

Arquitectura na escola

Arquitectura en la escuela, uma reflexão interessante de Julia Gracia Solís, autora do Cuadrado Rojo, para ler na Arkinetia.

Museu Guggenheim de Bilbao



Uma prenda para os meus leitores.

Feliz Natal 2006



O blog A Barriga De Um Arquitecto deseja a todos um Feliz Natal.

What leads to success?



A mini-conferência essencial de Richard St. John no TEDTalks sobre os segredos do sucesso. Paixão e persistência ajudam a alcançá-lo. Uma mãe embirrenta também.

Momento geek

A discussão que verdadeiramente interessa: Xbox 360 vs Playstation 3.

Aerotecture

Um dos preconceitos mais nefastos que tantas vezes se repete é a ideia de que está tudo inventado. Para contrariar esse atentado intelectual ao espírito de inovação vale a pena conhecer o projecto da Aerotecture. Esta turbina eólica de pequena dimensão, concebida para complementar as necessidades energéticas dos edifícios, pode vir a ser um contributo importante para que um dia se alcance o objectivo de construir conjuntos urbanos de consumo zero. Se me permitem a redundância, é uma pequena lufada de ar fresco para a melhorar a vida nas nossas cidades.

Polis de Portalegre

Visitei recentemente Portalegre com a intenção de conhecer o projecto do arquitecto Cândido Chuva Gomes no castelo da cidade. Deixo-vos agora com imagens de algumas das restantes intervenções urbanas realizadas no âmbito do Programa Polis.









Ver



Podemos saber o nome de um pássaro em todas as línguas do mundo, mas no fim, não sabermos nada sobre esse pássaro... Por isso, vamos olhar para o pássaro e ver o que ele está a fazer – é isso que interessa. Eu aprendi bem cedo a diferença entre saber o nome de algo e saber algo.

Este blog começou há três anos. O primeiro texto: uma citação de Richard Feynman - cientista genial mas acima de tudo um desconstrutor de verdades feitas.

O essencial, de facto, é saber ver. E ver não é fácil num mundo em que a informação se vai tornando numa nova forma de poluição. Difícil, também, é ver no caleidoscópio exponencial da web. Aqui, saber ver é uma arte.
Mas mais do que isso, difícil é ver para lá do filtro distorcido da nossa subjectividade. Para lá do que nos julgamos ser, dos nossos princípios, preconceitos, da construção em que nos tornámos. Daquela bagagem de saber que, tomando por certa, nos conforta.

Suponho que cada um tenha uma razão diferente para manter um blog. Eu vim cá para dentro para pensar.
A mim, pareceu-me a plataforma perfeita para registar ideias, um think tank, mochila mental, lugar para a minha bagagem pessoal onde guardar mil e uma referências, textos, imagens, colagens. Benvindos à cena blog, o fórum público para a expressão individual, acessível e gratuito.



Três anos na web é uma vida. Muita coisa mudou e não apenas no aspecto exterior. O registo também foi sofrendo alguma evolução. Quem não me conhece talvez ache este espaço demasiado pessoal. Os que me conhecem dizem-me o contrário. Conclusão: sim, é pessoal. De uma certa maneira.
Na melhor das hipóteses mantém uma certa familiaridade com quem lê. Não tento fazê-lo de uma forma ou de outra – acaba por ser assim por razões bem mais particulares, baseado no estado de espírito, nas coisas que estou a fazer, nas ideias que me preenchem a mente.
Se alguma razão existe, tento fazer o blog como aqueles que gosto de ler. Gosto pouco de blogs que não tenham uma abordagem pessoal, páginas de divulgação seca que parecem escritas por bots. No lado oposto, desgosto igualmente de blogs fúteis cheios de pequenos pensamentos sobre tudo e sobre nada.
Acima de tudo um blog deve ter uma razão de ser. Por aqui são recorrentes dois ou três temas mas a abordagem tende a ser informal. De resto, também não estou aqui para competir com as revistas de arquitectura. It’s all Zaha, all the time - isso não. Arquitectura e urbanismo sim, mas também filmes, viagens, design, jogos e outras coisas agradavelmente geeks. Ah, e os animais também!

Outro problema é o tom. Não me surpreendem algumas críticas pontuais que por vezes se vão fazendo. Numa terra onde a cidadania não é muito acarinhada, é vulgar confundir assertividade com amiguismo. Sim, é difícil ser assertivo quando vivemos rodeados entre o cinismo e o desânimo, quando não a má fé. Aqui vos digo que a assertividade é uma causa.
Repugna-me essa blogosfera sabuja onde se saltita em bicos de pés dizendo bem uns dos outros e jogando às palminhas entre piscadelas de olho.
Mas igualmente me repugnam os tiques académicos, o linguajar de estilo e aqueles que por tudo e por nada redigem um manifesto. Não tenho paciência para quem vive na necessidade de se emancipar perante o mundo que tanto os oprime, inevitavelmente resfolegando em críticas destrutivas a tudo o que os rodeia.

Mais importante do que dizer que este não é estritamente um blog de arquitectura, é esclarecer que este não é um blog de crítica de arquitectura. Muito menos o faço para arquitectos ou estudantes da profissão – que serão, entenda-se, sempre benvindos. Mas se o faço para mim é também a pensar naqueles que, não sendo da área, estejam despertos a ser tocados pela sua grandeza. Se esta página for capaz de sensibilizar os que por aqui passam para a beleza da arquitectura e daquilo que ela pode fazer melhorar a vida das pessoas, dar-me-ei por feliz.

A Barriga De Um Arquitecto entra assim no seu quarto ano de existência. É um ano para que parto com alguma expectativa. Falta ambição à nossa blogosfera e por vezes é bom assumi-la. Espero fazer evoluir o blog, no registo e no suporte, mas também nos conteúdos. As mudanças surgirão de forma lenta mas, assim espero, segura. É um percurso que me merece muita reflexão. Mais arquitectura? Sim. Mas como fazê-lo sem cair para um registo desnecessariamente institucional; como manter a familiaridade do discurso para alcançar mais interesse e, quem sabe, uma discussão mais aberta?
São dúvidas que me acompanham neste aniversário de blog, dúvidas que me motivam a continuar e a tentar crescer. Porque neste mundo incerto, as dúvidas me parecem sempre mais férteis do que muitas certezas.

Novas expressões



Novas Expressões é o título de um recente espaço web que integra o site da S’A arquitectos, com coordenação de Carlos Sant’Ana.
Trata-se de uma série de entrevistas a práticas emergentes de arquitectura, diversas no estilo mas com um traço em comum: construir um discurso crítico-teórico suportado na investigação e na diferença.
Discute-se, entre outros temas, a indefinição contemporânea dos limites da doutrina arquitectónica. A multidisciplinaridade como território de fusão de conhecimento, esbatendo-se conceitos de um certo tradicionalismo académico da profissão. Por outro lado, são os próprios riscos de assumir a experimentação sem recurso a fórmulas pré-estabelecidas. Sobre isto, vale a pena acompanhar as palavras de Balthazar Aroso quando assinala o factor cultural como o principal obstáculo para assumir tal afirmação profissional:
Falo do factor cultural como elemento que define um país. A inovação implica necessariamente um novo ponto de vista, que por si só, implica algo de diferente, e em Portugal, têm-se medo de ser diferente. Existe uma constante procura da estabilidade colectiva, uma voz comum.

Yakubiuk



Juan Pablo Yakubiuk é um arquitecto natural de Buenos Aires. É autor de um excelente sketch-blog de arquitectura, a seguir com atenção.

O Elogio da Sombra

O Elogio da Sombra, fotografia e natureza no novo blog de Mário Venda Nova.

(via Quinta do Sargaçal)

Momento geek

O novo trailer do Halo 3.
Todos os trailers dos filmes do James Bond.
Todos os vídeos dos Beatles.
Carros, muitos carros.
Fotografias grandes, muito grandes.
Uma casa no Shire.

Luz sobre Portugal

Entrevista com Fernando Guerra [via Arkinetia]


O fotógrafo de arquitectura tornou-se o Midas dos arquitectos. Não são poucas as vezes em que basta que um bom fotógrafo oriente a sua retina de celulóide para uma obra para que esta seja conhecida em todo o mundo. Pelo contrário, uma obra de arquitectura não fotografada geralmente torna-se inadvertida. A presença de uma obra nos media depende tanto da sagacidade do fotógrafo como da qualidade do arquitecto.

Fernando Guerra é um dos mais importantes fotógrafos de arquitectura. Juntamente com o seu irmão Sérgio Guerra conduz a empresa FG+SG. As reportagens dos irmãos Guerra aparecem em livros e revistas de todo o mundo. A cada dia que passa cresce o seu prestígio que é disputado por vários dos arquitectos mais famosos.



O labor dos Guerra excede o campo específico da fotografia para arquitectura. Sem eles, a arquitectura e a cultura portuguesa contariam com muito menos espaço nos media. Os Guerra lançam luz sobre Portugal.

Os fotógrafos em geral falam muito e fazem-no com extrema correcção. A conversa com eles quase sempre é interessante e amena. São simples, são artesãos natos e obtêm o grau de artista competindo sempre com uma enorme quantidade de amadores e sem outras credenciais para além do seu próprio trabalho.

Fernando Guerra não é uma excepção.



A conversa poderia ter abordado a globalização, com Álvaro Siza desenhando os seus traços firmes sobre a exuberante Coreia diante dos olhos de todo o Ocidente, através do fotógrafo, quase em tempo real; ou poderia ter tratado da imperturbável pureza da cultura lusa, que oscila entre o imperial e o marginal sem alterar o seu orgulho nem a sua modéstia, valendo-se de alguns artistas das arestas afiadas para atrair de imediato a atenção do mundo inteiro. Mas a conversa tratou de paixões. Pela arquitectura e pela fotografia, que para Fernando Guerra são a mesma coisa. Tratou do humano imprescindível para que um sítio assim se torne, numa foto ou em Lisboa: a figura anónima que dá vida à arquitectura, as suas duas filhas que assinalam o ponto do planeta ao qual é sempre possível regressar.



arkinetia: Há quanto tempo és fotógrafo?
Fernando Guerra: Desde que me lembro. Transformou-se em profissão ou em ocupação a tempo inteiro sem que se tenha perdido o lado do prazer de sempre.
Qual é esse lado do prazer?
A procura por novas imagens que ultrapassam o mero processo documental.
Chegaste a trabalhar como arquitecto?
Acabei o curso no ano de 1993 e fui em seguida para Macau trabalhar como arquitecto, num atelier local.
Porquê Macau?
Era a ideia de estagiar num sítio diferente que me atraiu. Fui passar 6 meses e fiquei 5 anos. O difícil foi depois regressar.
Começaste em Macau como fotógrafo profissional?
Fotografava diariamente, mas principalmente pessoas. Tudo tinha de ser centrado à volta de alguém e não de algo. Tinha como objectivo fotografar e viajar para sítios diferentes do meu dia-a-dia, fora de roteiros, o que acabei por fazer no Vietname, Nepal, China, Tailândia, entre outros. (Pode-se ver algum desse trabalho em www.fernandoguerra.com, escolher "viagens").
Na altura não dava grande importância a fotografar edifícios, nem mesmo aqueles que desenhava ou em que participava. Acabava sempre por me desleixar e perder a hora certa para os fotografar.
Como qualquer arquitecto...
Exactamente.



Em 1999 regressas a Portugal. Com que planos?
Abri atelier e comecei a trabalhar em alguns projectos de arquitectura, participei em concursos públicos e também, paralelamente, dava aulas na universidade. Um percurso normal.
Mas ainda nada de fotografias de arquitectura...
Fui fazendo uma ou outra reportagem. Quando o Sérgio acabou o curso de arquitectura começou a trabalhar num atelier aqui em Lisboa. Com sua ajuda, fui-me organizando. Assim, foi possível consolidar o processo desde o início. Começamos a ter retorno e pedidos para novos trabalhos de alguns dos mais respeitados arquitectos em Portugal. Há dois anos deixei as aulas e o atelier de arquitectura, para me dedicar em full-time à fotografia.
Como funciona a sociedade com o Sérgio?
Passo a maior parte da semana a viajar. Ele, em Lisboa, assegura todo o sistema da FG+SG: contactos, novos trabalhos, entregas, a colocação das reportagens em revistas e livros, tanto nacionais como internacionais, e manter o últimasreportagens. Em qualquer sítio estou permanentemente ligado ao atelier por email e em comunicação em tempo real com o Sérgio.
São vocês que fazem tudo?
Não, embora seja uma equipa pequena, nós queremos mantê-la assim. Temos um designer e um editor para os livros. O essencial é manter a qualidade dos trabalhos feitos e prazos de entrega realistas para os mesmos. E também poder passar longos períodos de tempo fora com projectos menos interessantes financeiramente, mas muito importantes para o nosso percurso como atelier de imagens. Fotografo e edito os trabalhos sozinho, a ideia de meter alguém a fotografar comigo é no mínimo estranha. Provavelmente também seria para o cliente. Além de que gosto de fotografar em silêncio e com muita calma.



A sorte ajudou?
Penso que chegámos ao mercado na altura certa. A internet e o e-mail tornaram o mundo pequeno e as novas revistas e editoras facilmente tiraram partido desta globalização e da possibilidade de chegar rapidamente a outros conteúdos. Mensalmente colocamos uma série de projectos portugueses em diversas revistas como a Wallpaper, Architectural Record, a+u, Detail, Interni, Icon, entre tantas outras.
Dependes disso como artista?
A ideia da fotografia como forma de arte para uma elite intelectual consumir em acontecimentos sociais não me interessa. Por isso não sei se sou um artista, mas nunca me preocupei. Prefiro a mensagem que chega a todos, o compromisso com a ideia de comunicar e ser compreendido. A mensagem é o importante, não eu nem o meu trabalho. Acima de tudo, presto um serviço, sou o mensageiro. E a mensagem pode estar entrelinhas ainda que seja uma fotografia. Olhar uma obra é, antes do mais, um acto voluntário e uma selecção crítica. A fotografia é a concretização desse modo de ver particular, é a parte visível de um registo pessoal que se procura tornar instrumento de conhecimento da realidade.



As tuas reportagens mostram sempre diferentes horas do dia.
Geralmente contam a história de uma obra durante um dia: desde a manhã até ao pôr-do-sol. As transformações da luz, a envolvente que desperta, as pessoas a passar...
...tão características no teu trabalho.
Sim, sempre as pessoas. É o elemento de união entre o meu trabalho de sempre e o trabalho que faço hoje. Trago a reportagem de rua para dentro da arquitectura, a arquitectura vazia e estéril, não me interessa. O facto de estar tanto tempo na obra faz com que as pessoas se esqueçam de que estou lá e a naturalidade de quem lá está, não posada ou ensaiada, acaba por acontecer.
Então o teu trabalho é, em grande parte, uma espera?
Há que esperar, sim, que aconteça alguma coisa, porque surge sempre algo interessante, inesperado... seja numa rua ou dentro de uma casa. O simples facto de a luz mudar faz com que a fotografia também mude. O que era banal há meia hora, muda na fotografia e de repente resume o trabalho do arquitecto naquele sítio. A essência do projecto. Existem trabalhos que demoram algum tempo e que apanham diversas estações.
Por exemplo?
Trabalho actualmente num livro sobre uma cidade coreana perto de Seoul, chamada Paju. Através de imagens, relato o dia a dia das pessoas que ali vivem ou trabalham durante um período de meses ou anos. É um dos projectos mais apaixonantes em que me envolvi recentemente e sairá em livro daqui a aproximadamente um ano.



Qual consideras a tua cidade?
Lisboa. Cada vez mais, talvez por andar permanentemente em viagem. Gosto especialmente de regressar. Mas tenho consciência de que cada vez mais, vou precisar de viajar. Em Janeiro tenho trabalhos em Madrid, Barcelona, Londres e Bruxelas. Para quem não gosta de andar de avião, é curioso no mínimo. Vou juntando milhas para gastar em férias…
...que nunca chegam.
Não tenho férias nem fins de semana desde há quatro ou cinco anos, mas, para ser franco, não preciso muito. A nossa carreira é demasiado interessante para parar ou abrandar. Tento aproveitar as viagens que faço para poder olhar por fora da objectiva e relaxar. O melhor é quando os trabalhos se tornam de tal forma pessoais que acabam por se converter num escape.
Qual foi a tua última reportagem assim?
Apenas há uns dias atrás, Ainda não foi publicada (Ver a apresentação). Não sei que parte é trabalho e que parte é pessoal. Não sei... nem me interessa muito. Mostrar o lugar, a envolvente, pode ser igualmente apaixonante e enriquecer a reportagem ao conferir uma narração, um fundo ou um cenário.



OS ARQUITECTOS

Nem todos os fotógrafos de arquitectura são arquitectos.
Como arquitecto, tenho vantagem em relação ao fotógrafo tradicional de rapidamente perceber o conceito do projecto. Sei ler a obra, como sabe a maior parte dos arquitectos.
Acreditas que se pode fazer carreira como profissional nas duas áreas?
Por muito que nos custe reconhecer, enquanto arquitectos estamos presos em problemas que dependem dos clientes ou potenciais clientes, a sua vontade e disponibilidade financeira, as câmaras municipais e os seus inetrmináveis regulamentos e burocracia. Para mim é animador que o meu êxito ou o meu fracasso dependa só do que faço durante uma sessão e não do que não me deixam fazer. Sem desculpas. A fotografia permite-me concentrar no meu trabalho. A arquitectura não.
Também lidas com a má arquitectura?
Ainda bem que há quem faça boa arquitectura, ajuda-me a fazer a minha parte. Não sou crítico de arquitectura embora no meu trabalho faça um óbvio juízo critico, mas muito pessoal e filtrado. Sinceramente por vezes interessa-me mais o cliente e colega, do que a obra em si. Mas lido bem com projectos que não tenham tanto a ver com aquilo que desenharia. Não faria sentido de outra forma. Acima de tudo é um trabalho, um serviço, e a postura tem de ser sempre igual independentemente do arquitecto ou da obra.



És de uma família de arquitectos?
O meu pai é arquitecto e tornamo-nos de facto uma família com alguns arquitectos. Uma certa monotonia para ser franco. Quando conheço pessoas de outras profissões fico automaticamente interessado em conversar.
Relacionaste-te com arquitectos importantes por seres fotógrafo ou já conhecias alguns antes?
Não conhecíamos ninguém pessoalmente. Começamos com um primeiro trabalho quase por acaso para o Gonçalo Byrne e a partir daí foi tudo acontecendo de uma forma natural, uma bola de neve, com muito trabalho diário mas inicialmente sem grandes objectivos definidos. Talvez por isso, ter o trabalho reconhecido passado tão pouco tempo, saiba ainda melhor.
Escolhes os arquitectos com quem trabalhas?
Nunca temos metas desse género, tudo surge de forma natural e não programada, o que torna tudo muito mais interessante. Quando as coisas acontecem naturalmente sabem muito melhor. Ainda hoje sinto uma emoção especial, ao receber um telefonema do Álvaro Siza. Nunca pensei. E ainda bem.



Entrevista gentilmente cedida por Arkinetia.
Tradução de Miguel Coelho.

Presépio de rua em Monsaraz

O Presépio de rua de Monsaraz é constituído por cerca de 40 figuras da autoria da escultora Teresa Martins, espalhadas pela bela vila medieval. A música ambiente que preenche as ruas e o dramatismo da iluminação nocturna conferem-lhe uma teatralidade adicional. Ficam algumas imagens e o convite à visita.










Castelo de Portalegre



O projecto de intervenção promovido para o Castelo de Portalegre no âmbito do Programa Polis constitui um exemplo digno de reflexão a propósito dos méritos mas também de algumas indefinições que pontuam certos exemplos da prática contemporânea da arquitectura no nosso país, em especial no domínio das obras públicas.
Da autoria do arquitecto Cândido Chuva Gomes, o edifício concebido para ocupar uma parte importante da zona do Castelo revela-se um exemplo de uma prática arrojada de intervenção - tanto mais interessante quanto assenta num território sobre o qual padecem recorrentemente conservadorismos exacerbados que acabam por impedir a sua real recuperação e revitalização. Estamos assim perante um trabalho corajoso e, em grande medida, exemplar de uma afirmação erudita e descomplexada sobre a cultura e a história, de que resultam benefícios notáveis para o património.
O corpo principal da nova construção constitui-se por um objecto de formas regulares que reconfigura volumetrias perdidas ao longo do tempo, dotando o espaço de um conjunto diverso de novas funções. A grande caixa ergue-se desde a Torre de Menagem, desenvolvendo-se sobre uma base de muralha e abrindo-se para o piso térreo de contorno transparente, onde se situam a recepção e os acessos verticais. Seguem-se dois pisos destinados às funções principais que incluem uma sala polivalente e, futuramente, um espaço comercial, restaurante, esplanada e espaço web.
O edifício desenvolve-se também para o exterior, reocupando um espaço anteriormente vazio e disfuncional do Castelo, para dotá-lo de condições para ocupação de tempos livres. Um pequeno anfiteatro de desenho não convencional rodeado por passadiços modulares pretende vir a servir actividades diversas como ensaios de música, teatro ou dança, realização de colóquios ou simples estadia. A proposta revela um enorme potencial de ocupação pela sua versatilidade, de textura humana que o jogo das madeiras e paramentos de pedra ajudam a consolidar.
Os méritos desta construção não podem no entanto deixar de motivar alguma reflexão quanto ao seu enquadramento promocional e as opções que estão na base da sua materialização. Para além de tratar-se de um objecto de manutenção pesada, a não garantia de uma eficaz estanquidade ambiental revela-se penosa, tanto para um comportamento energético racional como para o seu eficaz funcionamento no suporte à instalação de materiais expositivos. Ao mesmo tempo, estamos perante um modo habitual de produção de obra pública, revelador de uma desproporção de investimentos entre o “objecto arquitectura” e os conteúdos que supostamente devem servir a sua vivência. A experiência do edifício transmite-se assim vaga e incompleta, tornando-o alvo fácil de crítica por revelar-se como peça algo abstracta, como se de uma instalação se tratasse.
Não posso deixar de confessar o quanto me é ingrato registar esta reflexão, cujo contorno está quase sempre ausente no discurso crítico da prática profissional. São, no entanto e no meu entender, problemas aos quais o exercício da arquitectura não pode ser alheio. Que o papel do arquitecto enquanto gestor do projecto significa ser gestor-ele-mesmo, com a consequência ética que lhe é devida na justeza dos meios, dos materiais e das soluções pautadas pela racionalidade do discurso formal. Fica assim a expectativa e a esperança que o futuro deste edifício lhe venha a conferir garantias de uma perene dignidade, para que possa perdurar enquanto referência e boa prática de intervenção num contexto de elevado valor patrimonial.









Piscinas do Atlântico



Ver slideshow: Piscinas do Atlântico, Paulo David. Fotografia de Fernando Guerra.

Do arquitecto Paulo David, autor da Casa das Mudas, começa agora a ser divulgado o projecto das Piscinas do Atlântico.
Erigido num território de estratificação vulcânica, lugar costeiro de rocha negra, nele assenta a sua plataforma de betão de contorno rigoroso, contrastando com o delinear dos muros de pedra que lhe redefinem a topografia.
O resultado é tão carismático como o nome do local – Salinas – reminiscência da extracção do sal nas rochas esculpidas pelo mar.
O projecto é apresentado numa nova reportagem fotográfica de Fernando Guerra, revelada no âmbito da sua recente entrevista à Arkinetia. Trata-se da primeira de várias novidades que irão surgir no Últimas Reportagens durante o mês de Dezembro.
Esta exposição das Piscinas do Atlântico constrói um percurso de indiscutível qualidade visual e uma experiência intensa. Nas suas imagens, mais do que procurar a ilusão estética da obra, persegue-se o olhar do autor e a lógica por detrás dos gestos que lhe deram corpo. Somos assim seduzidos a uma prática estimulante de leitura da arquitectura, ensinando a ver a forma e os seus sentidos para lá de uma aparência mais palpável.