Centro Das Artes / Casa Das Mudas





O Centro Das Artes Casa Das Mudas, na Calheta, ergue-se numa falésia em queda sobre o mar. O projecto da autoria do arquitecto Paulo David tem como uma das suas características mais marcadas um sentido de criação de território, de fundação do lugar. É um gesto que nos reporta para a monumentalidade mas que foge, ao mesmo tempo, da mera ideia de exaltação pela dimensão. Trata-se, afinal, da construção de referência humana num lugar tão extremo e natural.
O edifício vive, ele próprio, de uma certa abstração entre a arquitectura e a topografia. Como uma celebração telúrica, ergue-se por uma geometrização de volumes cuja textura basáltica ajuda a fundir-se na paisagem. Como se escavado na própria rocha, o Centro faz sentir o fim da terra sobre o vasto mar.

A arquitectura que se formaliza nesta Casa Das Mudas despe-se de artificialismos icónicos com a ousadia de quem quer ser também um criador de montanhas. Parece seguir as palavras de Gonçalo Byrne, com quem colaborou Paulo David, para pisar leve mas pisar de facto. Assim se cavam naqueles volumes percursos, rampas, pátios. A grande plataforma desenha-se ancorada na rocha e desce ao seu interior onde se descobrem salas rasgadas de luz e se abrem grandes vãos que perspectivam as vistas que se projectam para lá do promontório.
Os percursos são acompanhados de detalhes cuidadosos de iluminação, natural e artificial, dramatizando o contraste luminoso dos paramentos brancos e da textura da madeira. O desenho da luz acaba por resultar como uma assinatura interna do edifício, culminando nesse momento maior de que faz corpo o auditório, uma daquelas fusões perfeitas entre intenção e execução técnica.

A obra que agora se apresenta em livro é registada pelo olhar fotográfico de Fernando Guerra. É um trabalho que transcende a simples reportagem de arquitectura para extravasar uma dimensão mais subjectiva da sua experiência. Esta viagem representativa do corpo construído dá-nos a conhecer a vida do edifício ao longo do seu dia até ao cair da noite, por vezes extrapolando verdadeiros quadros onde se faz registar a expressividade e textura da sua arquitectura.
Nos contrastes de luz, no céu atlântico que se rasga no horizonte, descobrimos esse refúgio basáltico e perene sobre o oceano. Não se trata assim de conceber uma relação pictórica ou cenográfica com aquela natureza, antes a procura da solidez de um tempo mais vasto, da terra e da rocha.

Fica a recomendação para a descoberta deste pequeno livro que nos convida ao percurso e à ponderação de uma obra que já faz parte do nosso património, aqui acompanhada de alguns apontamentos desenhados e dos textos de Ana Vaz Milheiro e José Mateus, entre outros.



(1) O livro Centro Das Artes | Casa Das Mudas é uma publicação das Edições FG+SG sobre a obra do arquitecto Paulo David, com fotografias de Fernando Guerra.
(2) A reportagem fotográfica de Fernando Guerra ao edifício do Centro Das Artes está disponível para consulta no website Últimas Reportagens.
(3) O Centro Das Artes / Casa Das Mudas integra o conjunto de obras seleccionadas no âmbito da exposição Habitar Portugal 2003/2005, presente no Centro Cultural de Belém até 10 de Dezembro.

5 comentários:

  1. A plubicação deste livro é de louvar já que de facto o local e o que nele foi construído são extraordinários!
    Quando a visitei fiquei simplesmente encantada pela aspereza do exterior e o encantamento do interior. Vale a pena uma visita e se de facto não for possivel então vale a pena deitar uma olhadela ao livro!

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  2. Depois de ler este post não posso adiar por muito mais tempo um regresso à Madeira.
    Um edifício pode transportar-se nas palavras, tornar-se eloquente nas palavras. Eis um texto que também é arquitectura, rodeado de rocha e mar.

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  3. é de salutar uma obra desta categoria proveniente de um arquitecto portugues, como estudante de arquitectura sinto-me motivado com obras deste nivel no contexto portugues.

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  4. Dificilmente um bom projecto arquitéctonico junto á falesia seria mau! ou seja o envolvimento paisagistico é k mesmo a grande arquitetura ...parabens "Vale dos Amores".................................................................................................................................................................................................................................................................................

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  5. É simplesmente uma obra notavel, não tenho qualquer dúvida quanto ao seu valor na arquitectura dos nossos dias. Parabéns!

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