Superkilen: fazer, do espaço, público



Superkilen é um parque urbano localizado em Copenhaga. O projecto resultou da colaboração entre três equipas: as dinamarquesas Superflex e BIG, e a alemã Topotek 1.

O parque foi inaugurado em 2011 e tem merecido destaque recorrente em publicações de arquitectura e em blogues. Não se trata, por isso, de uma novidade; mas presumo que quem busca novidades não faça desta página o seu ponto de partida. Ainda assim o vídeo que partilho acima é um bom motivo para revisitar a obra e os princípios que orientaram aquela intervenção. É, acima de tudo, motivo para reflectir sobre o que torna, um espaço, público.

O processo colaborativo que esteve na base do trabalho tomou como ponto de partida a natureza multicultural daquela comunidade: um bairro onde coexistem famílias de 57 origens culturais diferentes. O sítio assenta numa faixa de terreno residual que foi sendo envolvida por construções, maioritariamente habitacionais, na continuidade de um espaço naturalizado existente. O projecto definiu três áreas em manchas dominantes de cor (o encarnado, o preto e o verde) pontuadas pela instalação de diversos equipamentos (mobiliário urbano, esculturas e objectos interactivos) inspirados nos países de origem dos seus residentes. Trata-se assim de uma abordagem que conjuga a natureza urbana e paisagística daquele território, reforçando a sua diversidade com variações de desenho e pequenas “anomalias” topográficas.

Visto à luz da experiência recente em intervenções sobre o espaço público promovidas na nossa realidade sul-Europeia, saltam à vista contrastes profundos. Aqui encontramos uma visão contida nos aspectos materiais; as opções predominantes, extensivas, são em geral de custo reduzido: o betão colorido, o betuminoso, o solo permeável. Como contraponto, o investimento parece traduzir-se alternativamente nos aspectos pontuais da intervenção, os momentos em que os utilizadores interagem fisicamente e em proximidade com o espaço: os objectos, o mobiliário e, excepcionalmente, algumas peças de iluminação; e ainda assim reforçando a robustez das soluções construtivas, em detrimento da mera “nobreza” do material.

Outro aspecto curioso: a dada altura (por volta do minuto 1:40) vemos imagens de uma área de recreio infantil. Em Portugal aquele espaço teria de estar obrigatoriamente delimitado com uma vedação de cerca de 1 metro de altura. A ausência de tal dispositivo resultaria na aplicação de pesadas coimas, da ordem dos vários milhares de euros, à instituição gestora do equipamento (o município, por exemplo) por parte da entidade fiscalizadora (a ASAE).
Ora, não tomando a Dinamarca como um país sub-desenvolvido, temos de nos interrogar sobre o facto de nos termos tornado uma nação dominada pela híper-legislação a ponto de nos impormos normas de aplicabilidade cega, sem atender às especificidades dos projectos e dos locais em que se desenvolvem. O que serve às crianças dinamarquesas não servirá às portuguesas?

Questão semelhante se colocaria a respeito das esculturas “interactivas”, que vemos ocupadas também por crianças, certamente classificáveis como ilegais por não se tratarem de equipamentos de recreio certificados. Também aí o nosso extremismo jurídico-burocrático, acompanhado de falta de bom senso, contribui para que as intervenções paisagísticas e urbanas sejam liminarmente remetidas à repetição de modelos normalizados, em detrimento da criatividade e da originalidade.

Pelo contrário, entre nós vigorou – chegando até a ser celebrada “criticamente” – a enunciação de intervenções predominantemente “contemplativas” do espaço público, dominadas por soluções extensivamente onerosas: vastas superfícies de lajedo de pedra, guias e remates de aço corten, painéis e “decks” de madeira, mobiliário e iluminação “topo de gama”; opções que raras vezes se traduzem na adequabilidade e perenidade das escolhas encontradas.

Do parque urbano Superkilen vale a pena registar a negação dessa visão “contemplativa” do espaço, onde só resta “sentar” e “olhar” (e fazer lixo, porque papeleiras sempre abundam) para oferecer múltiplas formas de apropriação e relação com o mundo urbano. O espaço, para ser público, tem que ter acções e funções e estabelecer, acima de tudo, uma relação cultural com as pessoas que o habitam. Não é, por isso, o dinheiro que nos afasta de viver uma cidade melhor; antes um pouco de saber fazer.