Uma Escola para um mundo de incerteza


If you think of it, children starting school this year will be retiring in 2065. Nobody has a clue, despite all the expertise that's been on parade for the past four days, what the world will look like in five years' time. And yet we're meant to be educating them for it.
So the unpredictability, I think, is extraordinary.

Sir Ken Robinson – Do Schools Kill Creativity?, via TED.

A Educação motiva as paixões de muitos e desperta por certo os desesperos de tantos outros. Sobre a Escola projectam-se expectativas tanto quanto se revelam as disfunções do fazer colectivo. Algo que podemos sentir com alguma facilidade nestes tempos cheios de complexidade e incerteza quanto ao futuro.

Entrei para a Escola há pouco menos de trinta anos. Pensando nisso, é quase inacreditável pensar em como as coisas mudaram – na nossa relação com o conhecimento, na comunicação global, no sistema económico e nas expectativas laborais, na estrutura social. Em tudo.

A exposição sedutora de Ken Robinson no TED é um bom pretexto para pensar nesse futuro imprevisível que nos maravilha e inquieta ao mesmo tempo. As suas preocupações quanto ao papel da criatividade numa nova economia baseada no conhecimento deixam claro o desafio assente à Escola de hoje. Uma Escola que tem de servir de abrigo para a experimentação e a expressão de formas de inteligência bem diferentes daquelas promovidas por modelos passados. Um lugar onde o objectivo não se pode resumir a evitar o erro; antes promover o risco, a originalidade, a criatividade.

É muito acertada a observação de Robinson: que o propósito da educação pública em todo o mundo parece ser produzir professores universitários – “são aqueles que saem no topo da pirâmide”. Temos assim um sistema educativo predicado na ideia de “academicabilidade”. Ou seja, as universidades delinearam o sistema à sua imagem – o que reflecte toda uma visão sobre a “inteligência humana”. Aqueles que seguirem os parâmetros estabelecidos, tocarem as teclas certas, obterão sucesso. Um “processo retroactivo de acesso à universidade”.

Mas o mundo muda, de facto, ainda que os sistemas educativos e as academias possam não o fazer. Onde antes uma licenciatura era garantia de emprego, temos hoje uma realidade de inflação académica. Ou seja, as qualificações do sistema vão perdendo adequação a uma realidade económica em que outros valores se sobrepõem.

Sou arquitecto e não um especialista em Educação. Nestas breves reflexões abordei o papel que a arquitectura pode desempenhar para suportar novas ideias e novos modelos para o ensino. Porque na Escola a arquitectura não é tanto um fim mas um meio para consolidar um lugar capaz de albergar as novas funções que se lhe exigem.

Ao fazê-lo, confesso, tenho perfeita noção do distanciamento que este registo de discussão de arquitectura tem perante os critérios de uma análise super-académica da arquitectura. O exemplo de planificação tipológica presente na página da DesignShare é o tipo de coisa votada ao mais completo desprezo – uma espécie de discussão arquitectónica de segunda categoria, de tão básica na sua forma e tão evidente na sua substância. Mas o que me importa dramatizar é a importância em valorizarmos não apenas as manifestações de arquitectura de elite – que nos podem e devem motivar um justo entusiasmo – mas considerar igualmente o alcance da doutrina da arquitectura na elevação de padrões e tipologias. Naquilo que têm de expressão no território vivido pela comunidade colectiva. Da realidade massificada. Na vida de todos.

Um paralelismo que faço muitas vezes ao pensar em urbanismo; ponderar sobre os ideais que deviam estar subjacentes na construção do espaço da comunidade e pensar no vazio doutrinário que se exprime na definição jurídica que temos do que é um passeio, uma rua, um bairro. Uma realidade construída com base em indicadores quantitativos, estritos, despidos de conteúdos morfológicos, de um desígnio para o que se pretende da “cidade”.

Também ao olhar para a nossa Escola questiono que visão se pretende que esta sirva afinal. Escolas, também elas um produto quantitativo, onde se definem salas e gabinetes, mas em que não se alimenta uma visão para o Ensino enquanto plataforma para promover os valores em que se pretende instituir uma ideia de sociedade e construir a nossa capacidade de competir na economia global do conhecimento – em que as pessoas são um recurso inestimável.

Deixo o exemplo de um projecto de ensino promovido pelo Department of Culture, Arts and Leisure – Northern Ireland, com o envolvimento activo de Ken Robinson e intitulado de Unlocking Creativity Initiative:

Unlocking Creativity (1): A Strategy for Development;
Unlocking Creativity (2): Making it Happen;
Unlocking Creativity (3): A Creative Region.

Nela se inscrevem os princípios para um sistema de ensino orientado para a promoção das capacidades de iniciativa individual, na base de uma estratégia de desenvolvimento económico. Também aqui se faz referência ao papel da arquitectura como mais-valia para consolidar um ambiente criativo e estimulante; valores essenciais para a qualidade da aprendizagem. E se estabelecem metodologias para o envolvimento dos arquitectos no desenho das escolas, afinal os lugares de promoção da educação cultural dos jovens.

Independente dos modelos que adoptemos, com estas ou outras prioridades, não podemos descurar o motivo primeiro de tudo isto: que à frente de uma instituição deve estar uma ideia, e que na sua execução deve assentar uma estratégia.
E que, mais importante que tudo o resto, não basta falar a linguagem, é preciso fazer o caminho. “Talk the talk, walk the walk”. Sem um desígnio que a alimente não haverá esperança para a nossa Escola. Mas sem fazer o caminho prático das ideias, de nada servem as mais bem intencionadas teorias, sobre a educação como sobre tudo o resto.
E como diz o coelho da Alice no País das Maravilhas: “é tarde, é tarde”.

3 comentários:

  1. " a arquitectura faz-se todos os dias na ponta do lápis " . é assim não é ?

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  2. Eu preferia que a arquitectura se fizesse no cérebro. A nãos ser que a ponta do lápis seja metáfora para uma extensão dos neurónios.
    :)

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  3. Olá Daniel. O “barriga” é a minha porta de entrada na arquitectura da rede, há mais de 4 anos. Ao mesmo tempo, estou envolvido em projectos de espaços de ensino há 5 anos. Esta súbita aproximação de interesses, com os teus últimos artigos, fez-me sair do lado de cá, para tecer algumas considerações. Faço-o hoje, porque daqui a pouco, quando for de manha, vou entregar um projecto de execução de um Centro Escolar para ser candidatado a financiamentos que, provavelmente farão com que este seja o primeiro a sair da gaveta, de vários anteprojectos e estudos de escolas e infantários que tenho desenhado.

    Acredito, tal como disse á meio séc. Richard Neutra, que o ambiente forma-nos mais que mil enciclopédias. Agora que penso nisso, admito que o que sou, como pessoa mas também como arquitecto, tenha bebido muito nas escolas (edifícios) por onde passei. Nisso tive alguma sorte. Desde a escola primária que foi num interessante edifício dos anos 70, com projecto próprio fora das famosas tipologias repetidas, até a um palácio projectado por Nicolau Nazoni onde me formei em arquitectura, passando por um antigo convento e uma “escola industrial”, todas construções de alguma notoriedade.

    Também os meus projectos de hoje terão certamente uma relação com eles, ainda que seja como padrões sujeitos á minha crítica baseada uma experiência descomprometida porque anterior ás minhas primeiras reflexões arquitectónicas.

    Se a arquitectura puder realmente influenciar o desenvolvimento pessoal de quem a usa, então, ao projectar escolas, estamos a entrar no início do processo, aumentando a nossa responsabilidade como “projectistas”.

    Mas responsabilidade pressupõe aqui um conhecimento prévio das problemáticas subjacentes, que nem sempre os “projectistas” (termo de que não gosto e uso aqui propositadamente) e “entidades licenciadoras” reconhecem.

    A muito diversa legislação e normas técnicas adoptadas para edifícios escolares em Portugal, centram-se demasiado numa visão do controlo disciplinador dos alunos, das ocorrências e da economia constritiva, traduzido em valores numéricos e espaços tipificados.

    Se folhearmos uma publicação sobre escolas ibéricas, de entre várias que se podem encontrar, distinguimos de imediato as escolas portuguesas pelo enclausuramento dos espaços, percebendo de imediato a brutal influência do regulamento de segurança contra incêndios em espaços escolares. Os espaços perdem fluidez e tenho sérias duvidas se a falta de legibilidade e mobilidade que provoca, não é mais prejudicial á evacuação em caso de incêndios, do que a profusão dos fumos ou chamas. Duma coisa estou certo: o conforto, o potencial criativo e de sociabilização proporcionados por espaços abertos, dinâmicos e flexíveis, passíveis de serem vividos diariamente, são demasiado condicionados pela visão do risco de que um dia possa acontecer um acidente.

    O excesso de legislação, as qualificações de quem projecta e quem licencia, remetem-nos para outra discussão que é a da revogação do “73-73”, cujas preocupações são potenciadas em função da importância social dos projectos em causa. Mais do que o “quem projecta ?”,, o “quem regulamenta ?”, “quem define estratégias ?”, “quem aprova ?”, são questões que temos que discutir previamente…


    Muitos parabéns pelo blog, pela oportunidade das questões, pela assiduidade e pela imagem sempre inteligente.

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