Arquitectura do défice (2) – É matemático

Anteriormente: Arquitectura do défice.

Portugal perde 382 milhões com fim do TGV. O título percorreu hoje diversos títulos da imprensa, pelo menos a julgar pelas suas edições online. Não é o tanto o tema que interessa agora aprofundar, tão só o simplismo daquelas palavras. Talvez o problema seja mesmo do jornalismo e a sua solução passasse por fazer da matemática uma disciplina obrigatória nos cursos de comunicação social. Os jornalistas – como os arquitectos e tantos outros – deviam estudar mais matemática.

Uma das patologias mais perversas do nosso sistema político e económico foi essa doença dos financiamentos. Ao nível da administração central, das regiões, das autarquias, os financiamentos foram a porta aberta para fazer obra sem medir consequências. E quando o endividamento já não parecia possível inventaram-se mecanismos legais para evadir dívida das contas do Estado através de parcerias público-privadas, entidades públicas empresariais e outros exemplos da grande imaginação dos nossos governantes.

Devíamos interrogar-nos sobre esses países que alimentaram, com os impostos dos seus cidadãos, os fundos comunitários que deveriam ter servido para dinamizar o nosso desenvolvimento e competitividade. Como conseguiram, nesses países que não receberam fundos da UE, reabilitar as suas cidades, construir as suas escolas, os seus hospitais, as suas estradas, os seus equipamentos e infra-estruturas. Aprenderam afinal a viver à medida das suas possibilidades fazendo o assessment rigoroso das necessidades e a gestão austera dos meios disponíveis.

O título de hoje seria fácil de desmontar com números. Quanto desembolsaria o Estado Português – em dinheiro que não tem, ou seja, em crédito (financiado por quem e a que preço?) – para acompanhar o investimento do TGV e assim receber uma cenoura de 382 milhões de euros. E qual o volume de gastos indirectos, ausentes das contas daquele investimento, em acessibilidades complementares tais como pontes, viadutos, vias rápidas… E valerá a pena rever os estudos realizados pelos gabinetes de consultadoria da última legislatura, em especial no que diz respeito às receitas estimadas? Se mais não fosse os jornalistas poderiam ao menos fazer perguntas.

Costuma dizer-se que se queres sair do buraco pára de escavar. Talvez a solução para o problema Português seja mesmo acabar com os financiamentos, tout court, e encarar finalmente um novo paradigma de planear, projectar e fazer. Diz que é assim lá fora.

1 comentário:

  1. Concordo em parte com o que diz, mas sobram ainda algumas incorrecções/omissões (porque além de matemática, também algumas bases de economia e política deviam ser dadas a todos, jornalistas, arquitectos ou senhoras de limpeza, porque todos opinamos sem às vezes sabermos assim tanto sobre o quê — e por mim falo).
    Por exemplo, quando fala d"esses países que alimentaram, com os impostos dos seus cidadãos, os fundos comunitários que deveriam ter servido para dinamizar o nosso desenvolvimento e competitividade", deveria lembrar que tal não é mais que uma retribuição monetária, uma compensação pela paragem de certos sectores produtivos nestes países dos fundos comunitários a favor dos mesmos naqueles países que os "alimentam", e não um fundo solidário.
    Eles conseguem sem fundos da UE reabilitar cidades, etc, precisamente porque produzem uma parte maior do que nós consumimos. E não, não é só culpa nossa, os subsídios também dados por eles para parar a agricultura, a pesca, desmantelar industria em lugar de a evoluir foram e são reais e 'comunitariamente' impostos (agora mudou um pouco, é o acordo da Troika, mas no mesmo sentido).
    Depois, e nesse exemplo de gestão austera, veja-se a fresquinha dívida escondida alemã. Aí está o rigor das contas.

    E ainda que também questione a utilidade do comboio rápido, outras perguntas se devem pôr:
    E quanto ganharia o país em postos de trabalho criados? Em trabalho para construtores, trolhas, engenheiros e arquitectos? E indirectos? Restaurantes, comércio local, dinamização da exportação/portos comerciais como porta de/para Europa/Mundo? Claro que os estudos têm que ser feitos, não para inglês ver, ou a jeito dos amigos, mas realizados a sério e aprofundadamente, pesando bem os prós e os contras.

    Assim, o "novo paradigma de planear" deveria ser necessariamente resistente ao financiamento (externo) mas não cegamente, aceitá-lo quando o saldo dele, custo/ganho fosse positivo. E seria necessário, a par disso, restruturar a política produtiva/económica do país, resistindo igualmente às idiotas ideias que têm para nós os países "lá fora".

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