Ordem dos Arquitectos penhora por quotas – uma opinião


Segundo a Ordem dos Arquitectos Portugueses “dos cerca de 3800 processos de dívida, 97 terminaram, inevitavelmente, em execução”.

A Ordem dos Arquitectos tem em curso 259 acções judiciais por falta de pagamento de quotas, das quais 97 terminaram em execução de penhoras de salários e bens. No total, o número de processos de dívida dos associados ascende aos 3800 casos. A notícia, publicada pelo Correio da Manhã no passado dia 7 de Novembro, foi partilhada e comentada nas redes sociais por vários arquitectos, motivando a emissão de um esclarecimento formal da parte do Conselho Directivo Regional Sul da OA (disponível na íntegra aqui). No essencial, a declaração expõe o seguinte:

A OA-SRS contacta trimestralmente com os arquitectos que têm a sua situação de quotização por regularizar através de todos os meios que tem ao ser dispor (carta, telefone e e-mail), que são fornecidos pelos próprios e da sua responsabilidade manter actualizados. Quando a dívida é superior a uma quota anual, o processo é remetido para o Conselho Regional de Disciplina do Sul para que este órgão actue em conformidade com o Estatuto da Ordem dos Arquitectos (EOA) e demais regulamentos. Esgotadas todas as tentativas de celebração de acordo de pagamento faseado para regularização da dívida, atingidas 3 quotas anuais por regularizar, não existe outro recurso legal para a OA-SRS actuar que não seja a resolução por via contenciosa. No entanto, o processo contencioso inicia-se com um contacto por parte do advogado, numa tentativa última de acordo entre as partes. Dos cerca de 3800 processos de dívida, 97 terminaram, inevitavelmente, em execução. A todo e qualquer momento do processo, caso não esteja a exercer os actos próprios da profissão, o arquitecto pode solicitar a suspensão da sua inscrição na OA, evitando a acumulação de dívida.

O EOA e demais regulamentos em vigor não permitem a suspensão de inscrição de um arquitecto por decisão unilateral da OA, por motivos de não pagamento de quotas. A aceitação do pedido de suspensão é deferido pela OA a pedido do próprio arquitecto, caso não esteja a exercer os actos próprios da profissão. A quota anual da Ordem dos Arquitectos é de 190,00€. Este valor não é alterado desde 2004. A referida quota pode ser liquidada anual ou trimestralmente e mediante a modalidade de pagamento que optem, os arquitectos podem beneficiar de diversos descontos.

Como é do conhecimento de todos os Arquitectos, está curso o processo de revisão do EOA e, consequentemente, a revisão dos demais regulamentos, incluindo o de quotas. A OA-SRS, sensível à actual conjuntura sócio-económica dos nossos membros, da crise que o sector da construção atravessa e que afecta directamente os arquitectos e a arquitectura, tem defendido a urgente revisão deste regulamento e a possibilidade de inclusão da figura da "suspensão por incumprimento". Acreditamos que, num futuro próximo, este objectivo será alcançado, salvaguardando a integridade económica dos seus membros. No imediato, e no enquadramento hoje possível, a OA-SRS tem tentado encontrar, dentro das obrigações a que está legalmente obrigada, soluções no sentido de minimizar o impacto que a situação de incumprimento acarreta.

O Conselho Directivo Regional Sul da Ordem dos Arquitectos

Estas declarações merecem reflexão e motivam um conjunto de questões. O CDRS afirma que “o EOA [estatuto da ordem] e demais regulamentos em vigor não permitem a suspensão de inscrição de um arquitecto por decisão unilateral da OA, por motivo de não pagamento de quotas”, sendo a solução remetida para um “futuro próximo”. Importa interrogar qual a dificuldade em introduzir uma nova norma ao regulamento de quotas da ordem, efectivando que a falta de pagamento por um período alargado de tempo (12 ou 18 meses) signifique a suspensão automática da inscrição – acrescida da eventual necessidade de pagamento de uma taxa adicional aquando da sua reactivação. O modo indefinido com que se aborda a solução do problema parece evidenciar pouca vontade e insensibilidade perante a situação dos associados, mais do que uma verdadeira dificuldade formal em proceder ao aditamento do actual regulamento.

Por outro lado, parece questionável – e até duvidoso no plano jurídico – que a OA considere válidas (ou seja, em efeito pleno) as inscrições de pessoas com falta de pagamentos acumulados em mais de dois ou três anos, mesmo não existindo uma cláusula específica no regulamento para esse fim.

Importa considerar que a falta de pagamento de uma prestação faz com que a OA deixe de emitir a declaração semestral comprovativa de inscrição na ordem, impedindo os arquitectos de submeter projectos nas entidades licenciadoras. Para efeitos práticos, o membro da ordem com as suas quotas em atraso tem igualmente os seus direitos (compreensivelmente) diminuídos, ou seja, parcialmente suspensos. No entanto, para efeitos de cobrança e acumulação de dívidas ad aeternum, a OA já parece considerar a sua inscrição plenamente válida.

É certo que os associados podem requerer a suspensão da sua inscrição em qualquer momento. E que muitas destas situações decorrem da falta de informação e desatenção continuada dos respectivos membros. Mas isso não deixa de confrontar a OA perante o significado, real, simbólico e político, das suas deliberações.

Temos assim que, por um lado, a OA se declara impotente para declarar a suspensão unilateral da inscrição dos associados, por falta de pagamento continuado, devido à ausência de enquadramento regulamentar. No entanto, para proceder judicialmente contra estes com processos de execução e penhora de bens, a OA já se considera legitimada no plano legal.

Não estando em causa a eventual legitimidade jurídica desta actuação, ainda assim discutível, não deixa de ser questionável a sua legitimidade ética.

Todo este debate se prende, também e inevitavelmente, com o valor da quota anual, fixada em 190,00€. A OA afirma que as quotas não são alteradas desde 2004, argumento a que recorre com alguma regularidade. No entanto, também é verdade que o número de membros inscritos nunca deixou de aumentar de forma crescente, devido ao número de novos licenciados em arquitectura, pelo que a base de quotização nunca deixou também de aumentar.

O que está efectivamente em causa é a necessidade de baixar o valor da quota, tendo em conta o seu valor expressivo e considerando que os próprios arquitectos têm vindo a assistir a uma redução de rendimentos pesada nos últimos anos.

Deixo o meu exemplo pessoal enquanto técnico superior da função pública, condição que partilho com grande número de arquitectos, testemunhando que a nossa redução de rendimentos nos últimos anos se fixa entre os 15% e os 20%. O rendimento líquido mensal deste conjunto de profissionais é hoje igual ao dos vencimentos de 2006, com a agravante que em 2013 o salário inclui a diluição de 1/12 de um subsídio de férias. Explicado de forma simples, os técnicos superiores recebiam em 2006 o mesmo que recebem hoje, com mais dois subsídios de férias, recebendo agora esse valor e apenas um subsídio de férias adicional – e este último por força da decisão do Tribunal Constitucional.
Temos assim que a redução do valor de um subsídio de férias corresponde a uma perda de 7% do vencimento, acrescendo a incidência da inflacção por um período de 7 anos.

Quanto aos nossos colegas do sector privado podemos apenas supor que, na generalidade, pior será a sua redução de rendimentos, para além de todos aqueles que hoje se encontram sem actividade.

É também por esta conjuntura que a postura formal da OA em relação a estes incumpridores se afigura tão desproporcionada e eticamente questionável.

Exprimindo a minha opinião pessoal, que sujeito a todas as críticas, entendo que a OA devia alterar com absoluta urgência esta situação, declarando a suspensão imediata destes associados e amnistiando estas dívidas acumuladas.

Enviei por correio electrónico estas interrogações ao Conselho Directivo Regional Sul da Ordem dos Arquitectos no passado dia 22 de Novembro, não tendo ainda sido possível a este órgão efectuar o seu esclarecimento ou apresentar o seu ponto de vista. Fica, no entanto, aberto o debate, aqui no blogue, a todos os que quiserem participar.

5 comentários:

  1. Caro Daniel, gostei de ler as suas reflexões, contudo não encontrei nelas um dos argumentos que mais me preocupa.
    E passo a explicar, caso a OA não dependesse das cotas dos membros, teria de depender do orçamento do estado, o que naturalmente implicaria um certa perda de independência da OA.
    E isso teria consequências gravíssimas para todos, e passo a explicar, como poderíamos sem independência financeira contestar as mais recentes propostas do governo, com a revisão do RJUE que ressuscita o 73/ 73?
    As circunstâncias que vivemos são difíceis, e a OA não é perfeita, mas muito mais imperfeita seria caso a sua independência financeirã estivesse nas mãos da tutela.
    Por causa disso acredito que devemos ser nós, os membros, independente das circunstâncias a cuidar e sustentar o que é nosso, mal grado os sacrifícios que isso possa implicar.

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  2. Caro Daniel, encontro muitas preocupas que partilho neste sua reflexão, contudo existe uma preocupação que tenho que não vejo reflectida.
    Das duas uma, ou a OA é sustentada pelos seus membros, ou é sustentada pelo Orçamento do estado.
    para mim, é incomparavelmente mais para os membros a primeira opção.
    Imaginemos qual seria a posição de uma OA quando o governo propôs o ressuscitar do 73/73 nas Propostas de Lei 492/2012 e 493/2012 se dependesse inteiramente do Orçamento do estado?
    Como todos sabemos esta independência tem custos, e eles devem ser partilhados entre todos, e isso não se pode traduzir apenas ao nível das intenções, esta independência é um direito, mas também é um dever, e como tal implica sacrifícios.
    Não quero acreditar que faço parte de uma classe que acredita que pode defender-se dependendo de outro e que acredita em almoços à borla.

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  3. Caro Filipe. Essa questão não está em causa nem é um problema que seja levantado nesta reflexão. Penso que a maioria dos membros concordam que a OA deve ser suportada pelas cotas dos respectivos membros, nem creio que poderia ser de outra forma. E que o acompanhamento e a participação em processos de natureza legislativa é uma das várias funções essenciais da missão da ordem.

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  4. Penso que a Ordem deveria apontar os seus recursos jurídicos, a todos os que não respeitam o Estatuto imposto pela mesma. Passo a exemplificar. Quantos licenciados em arquitectura estão neste momento a exercer actos próprios da profissão sem pagar as quotas? Retirando assim alguma justiça aos que, todos os anos com algum esforço pagam 190 Euros. E muita sorte têm, os meus colegas que vivem nos arredores de Lisboa, sempre conseguem ir a algumas conferencias e cursos.

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  5. Maria João arquitecta com um ponto de interrogação em cima da cabeça...12:02 da tarde, outubro 23, 2014

    Sei que este texto já tem algum tempo, mas continua actual. Não é que eu, arquitecta desde o ano de 1986, tendo, a essa data quotas em atraso e feito o pagamento da totalidade do montante em dívida e, tendo de seguida pedido a suspensão da ordem no passado mês de julho com a aceitação desse mesmo pedido, recebo agora, em outubro uma notificação por via postal registado e com aviso de recepção com a indicação que tenho 20 dias úteis para apresentar alegações no âmbito de um processo disciplinar? Afinal o que é isto...

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