Espelho



It’s what NYC is all about, imagem de Katarina Loves Film. Via Eternellement.

Gravidade



O mundo ao contrário. Via Eugene Soloviev.

A Barriga de um Arquitecto Gourmet


Já à venda nos melhores hipermercados do país. Nos outros não.

É que toda a gente que é gente escreve um livro de culinária. Ele é o Miguel Sousa Tavares, ela é a Helena Sacadura Cabral, a Clara de Sousa… Tanta celebridade na cozinha ainda vai dar cabo da vida ao Sá Pessoa e eu até acho mal. Qualquer dia temos o livro de Aventuras Gastronómicas do Alberto João Jardim, ou a Cozinha Presidencial de Maria Cavaco Silva, ou ainda as Receitas Poupadas do Medina Carreira. Mas a verdade é que vai para aí uma crise daquelas e isto agora é cada um por si. Por isso A Barriga de um Arquitecto apresenta ao mundo a sua primeira publicação gourmet. Das entradas pós-modernas ao sushi minimal, passando ainda pelos segredos da cozinha molecular explicada através de diagramas bonitos a cores, há de tudo um pouco e para todas as bolsas. Os primeiros a encomendar recebem ainda uma edição assinada por um indivíduo. Eu não, porque tenho mais que fazer. Mas alguma coisa se há-de arranjar. Enfim, é comprar antes que esgote…

Zeitgeist

A pergunta que se coloca é: de que é que os portugueses andavam à procura quando pesquisavam Google no Google?

Siza sings The Beatles



Álvaro Siza a cantar When I’m 64 dos The Beatles enquanto trabalha num novo projecto. Via Últimas Reportagens.
 
Álvaro Siza sings When I’m 64 by The Beatles while working on a new project. Via Últimas Reportagens.

Porque ele está lá

Homens procuram-se para viagem perigosa. Baixos salários, frio intenso, longos meses de completa escuridão, perigo constante, regresso seguro incerto. Honra e reconhecimento em caso de sucesso.
Reza a lenda que seriam estas as palavras do anúncio mandado publicar por Ernest Shackleton solicitando voluntários para a Expedição Trans-Antártica de 1914. Não era um prospecto animador e, no entanto, 27 homens assinaram a petição.

O centenário da chegada de Roald Amundsen ao Pólo Sul, em 14 de Dezembro de 1911, assinala mais do que a aventura de um só homem. É também a celebração do espírito dos grandes aventureiros do século XIX e do século XX. O que motivava estes homens a embarcar em perigosas viagens, rumo a lugares nunca antes mapeados? O que compele os aventureiros? A resposta é difícil. A aventura é, afinal, o que resta quando a causa e a razão não contam.
Talvez mais do que qualquer outro tenha definido o seu significado o inglês George Mallory que morreu no Evereste em Junho de 1924. Interrogado sobre a necessidade de subir o monte mais alto do planeta respondeu: Porque ele está lá.

Se olharmos para o mundo de há cem anos veremos que quase tudo o que havia para descobrir já tinha sido descoberto. Os grandes desafios por atingir eram os Pólos e o cume dos Himalaias. O seu valor geológico ou estratégico era praticamente irrelevante. E, no entanto, inspiraram as maiores aventuras. Peary, Amundsen, Hillary e Norgay compreenderam o seu verdadeiro significado e tornaram-se ícones da maior magnitude. Porque foram e voltaram, nada mais. E porquê? Porque estava lá.

Empena



Entretanto continua a minha obsessão por empenas insólitas. Ele há coisas piores... Via The Humble Beginnings of a Superstar.

A corrida do século



Foi a primeira grande corrida do século XX. Depois da tentativa falhada de Ernest Shackleton em 1907, Roald Amundsen e Robert Falcon Scott lançaram-se à conquista da Antártida.

Amundsen era um reconhecido explorador profissional. Esquiador exímio e tratador experiente de cães de trenó da Gronelândia, o Norueguês somava já onze incursões em território polar. Scott, capitão da marinha real britânica, era um homem corajoso mas dado a inseguranças consideráveis. Por motivos não inteiramente conhecidos, o inglês levaria consigo quatro compatriotas em vez de três como inicialmente planeado, fazendo acrescer a carga sobre uma reserva de mantimentos e combustível já de si inadequada.

A equipa Norueguesa faria a sua incursão em Dezembro de 1911. Com o auxílio de trenós puxados por cães, uma equipa bem alimentada e uma reserva de combustível três vezes maior do que a de Scott, Amundsen alcançaria o Pólo Sul no dia 14 de Dezembro.
Scott e os seus homens deslocavam-se sobre esquis mas eram inexperientes na travessia do gelo. O seu erro fatal, no entanto, terá sido a utilização de póneis para o transporte de mantimentos. Estes acabariam por revelar-se vulneráveis às condições terríveis da Antártida, obrigando Scott a utilizar parte das reservas de combustível para o aquecimento dos animais durante a noite. Tal não evitaria, infelizmente, a sua morte, o que forçaria os ingleses a carregar os seus próprios mantimentos; uma carga de difícil locomoção naquele território agreste e irregular.
Com um avanço lento e fustigado pelo vento polar Scott atingiu o Pólo no dia 17 de Janeiro de 1912. O regresso, no entanto, revelar-se ia fatal para si e para os seus homens. Retidos na neve devido às terríveis condições climatéricas, acabariam por falecer vítimas do esgotamento e da falta de alimentos.

O Pólo Sul seria novamente palco de uma grande expedição em 1914. A missão de travessia inter-continental de Ernest Shackleton partiu de Plymouth a bordo do mítico navio Endurance, navegando o Atlântico durante dois meses. O navio encontraria o seu trágico destino ao destroçar-se no gelo da Antártida, deixando uma tripulação de 28 homens retida na paisagem gelada durante quase dois anos. Apesar de ter falhado o seu objectivo, Shackleton inscreveria o seu nome na História ao protagonizar aquela que é reconhecida como uma das mais épicas façanhas de sobrevivência humana de sempre.

Não-crise

As técnicas de venda porta a porta tornam reconhecíveis os mecanismos da tomada de decisão. O que induz alguém a comprar, por exemplo, um robot de cozinha hiper inflacionado está longe de ser o resultado de um processo de pensamento racional. Em boa verdade não é uma análise ponderada das necessidades, custos e benefícios que está em causa. A faísca da decisão é, afinal, bem mais prosaica. Algures entre o delicioso refresco de fruta, um sorbet instantâneo e o bacalhau à brás para totós o cérebro baixa a guarda e os mais incautos tornam-se felizes proprietários de um equipamento adquirido em suaves prestações mensais que nunca mais acabam.

Mas o que nos devia verdadeiramente inquietar, para lá do risco de enchermos as nossas casas com uma vasta parafernália de maquinaria inútil, é saber até que ponto a construção das opiniões que temos acerca do mundo que nos rodeia não se baseia em mecanismos de pensamento semelhantes.

Se atentarmos na profusão de espaços de opinião e comentário, na televisão, nos jornais e nos blogues, apercebemo-nos que o opinion-making nada tem de científico. Ser fazedor de opinião não depende da elaboração lógica de uma argumentação sustentada em factos mensuráveis, salvaguardando a liberdade para sobre eles todos podermos elaborar uma análise qualitativa, subjectiva e pessoal.

Sejamos claros: qualquer indivíduo com um Q.I. minimamente capaz pode desenvolver duas argumentações opostas sobre um mesmo tema. Tomemos como exemplo a crise que estamos a viver e a cisão de opiniões que encontramos, à esquerda e à direita. O que está em causa? O que nos divide? Divide-nos o que escolhemos ver a cada momento: o laxismo dos governos que navegaram a economia do crédito e ignoraram (ou ocultaram) o endividamento crescente dos seus estados; a falsa economia privada sustentada pelo dinheiro público; o jogo viciado da especulação dos mercados em torno das dívidas soberanas dos países do Euro; a fragilidade concorrencial das nações desenvolvidas na economia aberta e desigual da globalização; ou seja ainda a corrosão interna dos estados sociais por via de toda a espécie de abusos dos seus próprios cidadãos.

Doutrinas opostas podem assim suportar-se em factores verdadeiros, bastando para isso a manipulação dos dados que escolhemos relevar no curto espaço de attention span disponível nos media. Observamo-lo todos os dias e o que vemos é, tão só, a mesma receita, o mesmo business as usual de todos aqueles que ainda não perceberam que o mundo mudou e que nada ficará como dantes.

Vivemos ainda, social e politicamente, ensopados na cultura da não-crise dos vendedores de Bimbys. Pese embora a sombra da crise eterna faça parte do código genético dos países ocidentais, a economia assente em crédito das últimas décadas produziu uma sociedade incapaz de se confrontar consigo própria e com todas as suas contradições. E por isso sobrevive o wishful thinking, o desejo que tudo passe, o vislumbre de uma saída fácil, sem dor. Ninguém quer afinal comer a colheita amarga dos erros que andámos longos anos a semear.

Do dia mais curto aos dias mais frios distam vários meses, tal a força do atrito da Terra. E assim a não-crise resiste ainda, pois que se vivemos hoje os dias mais curtos da nossa democracia, os dias mais frios não chegaram ainda.

ARX 20 YEARS 20 HOUSES


ARX 20 YEARS 20 HOUSES é um novo livro da editora Uzina Books.

Esta semana será lançado o livro ARX 20 YEARS 20 HOUSES, celebrando 20 anos de actividade do atelier ARX. Esta nova publicação dá a conhecer uma selecção de projectos de arquitectura e inclui um conjunto de ensaios escritos pelos arquitectos José Mateus e Nuno Mateus, bem como um texto de Joseph Grima, editor-chefe da revista Domus. O livro é editado pela Uzina Books e estará disponível muito em breve.