Arquitectura do défice (3) – O problema Parque Escolar

Anteriormente: Arquitectura do défice, Arquitectura do défice 2.

A Parque Escolar é um instrumento financeiro criado pelo anterior governo. Beneficiando da sua personalidade jurídica de tipo empresarial, distinta da das administrações públicas, o governo pôde promover um dispendioso programa de investimento na área da construção civil e contrair uma grande dívida financeira fora das malhas do Orçamento de Estado.

Assim, porque antes de 2011 os critérios do Eurostat não contabilizavam as dívidas destas entidades empresariais, o volume de endividamento contraído pela Parque Escolar não figurava nem no défice orçamental nem na dívida pública. Mas as suas dívidas, que poderão ascender a valores próximos dos três mil milhões de Euros, são bem reais e terão de ser pagas pelos cidadãos. Como?

É simples. Para além de estar encarregue pela promoção das obras, a Parque Escolar fica igualmente responsável pela gestão das escolas intervencionadas. Na prática, a P.E. fica “dona” das escolas e as entidades escolares passam a pagar uma renda à Parque Escolar. Em 2011 o valor pago pelas escolas à Parque Escolar foi de 50 milhões de Euros, segundo dados da comunicação social.
Estas “rendas” são, em boa verdade, as prestações da dívida contraída pela Parque Escolar, que passam assim a ser pagas enviesadamente pelo Estado através do orçamento do Ministério da Educação.

Para lá de tudo isto, a Parque Escolar foi um exemplo de más práticas de gestão e corre o risco de se tornar num case-study de insustentabilidade energética e orçamental (ver programa Biosfera: Parque Escolar parte 1 e parte 2). Seria interessante saber quanto custou, por aluno, cada uma das escolas construídas ou intervencionadas ao abrigo deste programa. Mas acima de tudo seria desejável que se tirassem conclusões sobre o que se andou a fazer com o dinheiro público nos últimos anos e se começasse a pensar em como vamos gerir este monstro financeiro que entretanto andámos a edificar. Afinal, enquanto a cultura de gestão não mudar, será apenas uma questão de tempo para que um dia voltemos a fazer mais do mesmo.

* * *

Adenda: A missão que está atribuída à Parque Escolar – reabilitar e modernizar os edifícios escolares – não carece da existência de uma qualquer entidade pública empresarial. Trata-se de um trabalho que poderia ser dirigido por uma equipa integrada num ministério com competência em obras públicas, desde que para isso estivesse dotado dos devidos meios técnicos e humanos. E isto é tão verdade que a própria P.E. não faz mais do que ser uma entidade adjudicatária, entregando a empresas externas não apenas o projecto e a construção das obras mas também a sua fiscalização.
O que uma entidade integrada no Estado nunca poderia fazer era criar uma dívida da ordem dos milhares de milhões de Euros e isso não figurar nas contas do défice e da dívida pública. Hoje sabemos bem quem andava o país a enganar com isto, por onde andam os responsáveis por estas políticas e quem está a pagar a factura. Enquanto em Portugal for possível gerir o dinheiro público desta forma e disso não decorrerem responsabilidades de âmbito criminal nunca seremos um país à altura de se considerar Europeu. E de pouco valerá fazer queixas sobre a “senhora Merkl”.

E na Alemanha também não se fazem escolas desta maneira.

4 comentários:

  1. Caro Daniel,

    Como acumulo funções de arquiteto leitor assíduo do blog e colaborador da PE, e embora concordando com diversos pontos, sinto-me na obrigação de deixar aqui uma resposta, puramente pessoal.

    É verdade que a Parque Escolar é, também, um instrumento financeiro. É verdade que que a renda paga pelas escolas serve para pagar a dívida da empresa, mas não só. O objectivo seria que as despesas de manutenção de cada escola fossem reduzidas, ficando a empresa responsável por garantir essa manutenção. Talvez não fosse preciso uma empresa para isto, mas, pergunto eu, será que um departamento de um Ministério conseguiria financiamento junto do Banco Europeu de Investimento com taxas abaixo dos 2%? Não sei, sinceramente, a resposta, mas tenho dúvidas de que fosse possível.

    Em relação às más práticas de gestão, tem sido política da empresa não reagir aos constantes comentários mal informados quer da comunicação social, quer de certos blogs (não me refiro a este), quer do próprio governo. Não sei se bem se mal, mas isso tem perpetuado certos preconceitos.

    Em relação à sustentabilidade, a política da empresa foi a de respeitar uma legislação que é, na minha opinião, disparatada, o que levou a custos com equipamentos de ventilação que não se justificam. No entanto, tem sido uma obsessão interna garantir que as escolas possam funcionar recorrendo o mínimo possível a essa ventilação, procurando soluções de ventilação natural sempre que possível. Um dos objetivos da empresa era o de garantir uma área considerável de painéis fotovoltaicos em todas as escolas, de forma a reduzir os custos com a energia. Há em algumas das escolas projetos piloto dessa área que têm avançado com bons resultados.

    Recomendo um passeio pelo novo portal da PE, onde poderá encontrar resultados de diversas avaliações, quer financeiras, quer das condições físicas das escolas, elaboradas por diversas entidades, incluindo a OCDE. Os custos das escolas e o número de alunos estão também publicados, assim como todos os projetos.

    Não tenho dúvidas de que houve, em vários casos, certas opções questionáveis em que os custos poderiam ter sido reduzidos. Custa-me imenso, enquanto profissional, que se tenha perdido a oportunidade de realizar um conjunto de concursos de ideias de arquitetura que poderia ter transformado o programa numa referência muito maior no desenvolvimento de espaços para a educação - a Fase 4, se tivesse avançado, seria feita com concursos internacionais de arquitetura. Mas também não duvido que o programa, atendendo às condições da grande maioria das escolas, era, e é, necessário e deixará um património de grande valor. E quando voltar a haver apenas um departamento de um ministério responsável por obras nas escolas, voltaremos à situação antiga. Basta ver as condições em que as escolas estavam para saber como isso corria bem.

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  2. Pegando neste último parágrafo do comentário anterior aproveito para notar que não houve nenhum impedimento real para a realização de concursos nas 3 fases anteriores. Simplesmente o timing político falou mais alto. E quais seriam as escolas objecto dessa fase 4? Ainda sobraram tantas escolas assim com necessidades de remodelação?
    A propósito de responsabilidades dos arquitectos nos défices, porque é que não houve um maior auto-controlo nos custos de (alguns) projectos? Nas figuras de estilo ou nos acessórios deluxe importados tão benéficos para a economia nacional.
    Por fim, porque é que foram “atribuídos” nalguns casos para cima de uma dezena de projectos de escolas a um mesmo gabinete de Arquitectura (e posteriormente redistribuídos por outros gab.s)? É este um modelo de negócio profissional e saudável? É assim na Parque Escolar Inglesa, por exemplo?

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  3. Como disse, a opção por contratação direta de gabinetes de projeto é a grande falha que vejo no programa. Mas não é um exclusivo da empresa, sendo que a grande maioria das entidades do estado recorre a esse sistema, sendo os concursos uma opção residual - não que isto desculpe alguma coisa, simplesmente é uma política corrente, e deveria ser a Ordem dos Arquitetos a fazer disto uma batalha fortíssima.

    Em relação ao número de escolas, estava programada a intervenção em 332 escolas secundárias, sendo que entre as fases 0 e 3 foram incluídas 205 escolas. Como 34 não chegaram a avançar, estamos a falar de um conjunto de mais de 150 escolas com intervenção prevista. Quanto à necessidade de intervenção, posso sugerir, por exemplo, visitas às escolas históricas Infante D. Henrique e Alexandre Herculano no Porto, para se perceber as condições em que as escolas trabalham. E essas são escolas de construção de qualidade, nem sequer são as construções de baixo custo a que se recorreu nos anos 70 e 80.

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  4. O Diário Económico de hoje, dia 7, traz dois artigos sobre o Parque Escolar. Assim é surpreendente vermos apoiar a maneira irresponsável como foi gerida a empresa PARQUE ESCOLAR,porque conseguiu obter financiamento a 2% de juro, esquecendo-se dos mil e quinhentos milhões de euros de derrapagem orçamental na gestão da coisa pública.Mais uma vez se percebe que a criação desta empresa, PARQUE ESCOLAR não teve como objectivo o benefício das escolas para melhorarem as condições do ensino, mas para justificarem os desvarios de alguns gestores incompetentes e talvez pouco escrupulosos na movimentação dos dinheiros públicos.Esperemos que a TROICA e o TRIBUNAL DE CONTAS actuem em conformidade e revertam para o erário público o dinheiro que é de todos nós.
    Armando Dias

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