A última viagem do Terror



Este texto contém spoilers sobre a série The Terror, co-produzida por Ridley Scott.

É um dos eventos televisivos do ano. Adaptação do livro de Dan Simmons com o mesmo nome, The Terror é a aventura ficcionada da expedição dos navios HMS Erebus e HMS Terror, entre 1845 e 1848, lançada com o objetivo de atravessar a mítica Passagem do Noroeste – a ligação marítima entre o Oceano Atlântico e o Oceano Pacífico através dos perigosos estreitos gelados do Árctico.

Com a chancela da companhia de Ridley Scott e o seu envolvimento na produção executiva, a série conta com a presença de grandes actores britânicos, com destaque para as interpretações de Jared Harris, Tobias Menzies, Paul Ready e Adam Nagaitis, do veterano irlandês Ciarán Hinds e ainda Nive Nielsen, actriz e cantora nascida na Gronelândia, no papel de uma misteriosa shaman Inuk conhecida apenas como Lady Silence.

Tendo como pano de fundo o retrato exaustivo do modo de vida a bordo de um navio expedicionário em meados do século XIX, The Terror é, acima de tudo, a crónica de uma viagem de infortúnio que se viria a revelar no maior desastre da campanha de exploração marítima da região polar na história da Marinha Real Britânica. Com a chegada do primeiro inverno, os dois navios da expedição comandada pelo Capitão Sir John Franklin ficariam encalhados no gelo, num dos muitos canais profundos entre as ilhas que compõem o Arquipélago Árctico Canadiano, condição que se prolongaria pelos anos seguintes.

Apesar dos esforços inéditos investidos pelas autoridades Britânicas na preparação da expedição – tratando-se dos primeiros navios da Marinha Real a dispor de propulsão mecânica, com motores a vapor e hélices em parafuso, para além de um casco reforçado para resistir à pressão do gelo – contando ainda com uma forte provisão de mantimentos, a longa temporada acabaria por impor condições de sobrevivência extremamente difíceis para toda a tripulação. Por fim, o desespero causado pelas muitas dificuldades vividas a bordo, entre as quais a doença e uma perigosa contaminação alimentar, motivaria a difícil decisão de partir, a pé, em direcção ao Canadá, numa travessia através da paisagem inóspita da região polar de mais de mil quilómetros.

Sendo certo que The Terror nos apresenta uma narrativa ficcionada, não faltando a dimensão do fantástico materializada pela presença de um estranho monstro – porventura manifestação do espírito primitivo evocativo de uma antiga lenda inuíte – não é menos verdade que a série é sustentada pela reconstrução minuciosa da realidade da Expedição Franklin. Para tal serviu não apenas o detalhe literário da novela de Dan Simmons, publicada em 2007, mas também a informação recolhida já nesta década com a descoberta dos destroços das duas embarcações: primeiro o HMS Erebus, encontrado no fundo do mar a oeste da Península Adelaide, no dia 7 de Setembro de 2014, e depois o HMS Terror, a 11 de Setembro de 2016, afundado a sudoeste da costa da Ilha do Rei Guilherme; ambos em excelente estado de conservação, a cerca de cem quilómetros de distância um do outro.

Longe de ser uma epopeia épica ou uma história de aventuras, The Terror é um retrato impiedoso dos processos de desagregação humana numa situação de grande isolamento, bem como dos esforços corajosos levados a cabo pelos seus comandantes na tentativa de manter viva a esperança e o sentido de disciplina dos seus homens. Que o verdadeiro terror, afinal, pode não ser o monstro do desconhecido, oculto algures lá fora na escuridão gelada, mas os horrores trazidos pelos próprios viajantes, nos lugares impenetráveis da mente.

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