Imagem: Vito Acconci, Personal Island, 1992.
No ano de 2008, o Technorati reportava o número de 120 mil novos blogues criados diariamente. Este famoso motor de busca especializado em blogues – entretanto desaparecido – registava quase um milhão de novas publicações diárias, assinalando aquele que terá sido o auge da blogosfera.
Apenas cinco anos depois, os próprios blogues decretavam a sua morte. É certo que os blogues continuaram a existir, alguns até ao dia de hoje com relativo sucesso, mas o blogue, enquanto plataforma central de debate público, havia desaparecido.
Se procurarmos uma explicação simples poderemos dizer que as redes sociais mataram os blogues. Incorporando o seu ADN – o revolucionário formato cronológico invertido – páginas como o Facebook e o Twitter tornaram-se nos novos fóruns de discussão pública. A atração das redes sociais era fácil de explicar: a capacidade de criar um público instantâneo – um grupo de contactos próximos ou “amigos” – e a facilidade em gerar impulsos de retorno, “gostos” e “partilhas”. No fundo, a ilusão de ser lido.
Algo mais profundo, no entanto, sucedeu naqueles anos. Assistimos ao fim de uma internet fragmentada, com mil e um espaços independentes, para passarmos a navegar numa nova paisagem corporativa da comunicação global. Com isso, deixámos também de ser donos dos nossos conteúdos, partilhados sob o primado da seleção humana através de ferramentas como o Google Reader, o Digg e os leitores de “feeds”, para passarmos a receber informação selecionada por algoritmos sobre os quais fomos tendo cada vez menos controlo.
Passámos assim de uma internet baseada na curadoria humana do conhecimento, para uma nova internet, plena de opacidade, onde complexos sistemas de análise de dados categorizam as nossas preferências e nos dizem o que devemos ver.
Um dos traços curiosos desta nova internet foi a perda da memória. Os blogues eram facilmente pesquisáveis através de um arquivo cronológico gerado automaticamente. Mas nas novas plataformas que se seguiram, pesquisar o passado é uma tarefa sempre difícil. No Instagram, no Twitter ou no Facebook, as ferramentas de busca são restritas e pouco intuitivas, como se o atrito fosse não tanto uma falha, mas uma característica. O que prevalece é o “feed”, como se só o agora existisse.
Em boa verdade, não é mais necessário apagar a nossa conta para desaparecer das redes sociais. Basta deixar de publicar para que a areia do deserto da rede nos apague, ficando para sempre submersos num passado cada vez mais inacessível.
A ascenção dos algoritmos foi, de certo modo, um primeiro aviso daquilo que tem sido o efeito da inteligência artificial em outros domínios de expressão humana. Porque o que toda esta tecnologia nos vem trazendo tem sido um perturbador empobrecimento do nosso conhecimento, da nossa compreensão do mundo e da nossa experiência de vida.
Não deixa assim de surpreender o nosso deslumbramento pueril com a capacidade das máquinas em gerarem simulações de pensamento, agora também na escrita e na arte, ao mesmo tempo que desvalorizamos a riqueza do gesto humano, do traço e da palavra.
A pouco e pouco, o apagamento da memória e o controlo do acesso ao passado, que as novas tecnologias de informação vieram facilitar, vão-se tornando dispositivos estruturais na construção da narrativa do mundo. Eventos de impacto mundial são abordados, no discurso político, na mídia e na internet, como se o passado não existisse. Temas de enorme complexidade, com longos antecedentes históricos, são tratados como se tudo tivesse começado aqui e agora. O passado pode assim ser escrito de novo, todos os dias.
No tempo das narrativas simples, até o simples ato de evocar a memória – negar o vácuo – pode ser uma traição.
Por fim, a informação que recebemos, as notícias que lemos, passarão a ser construídas automaticamente através do recurso a inteligência artificial, com a interação humana reduzida ao mero preenchimento de alguns “prompts”. Sem a intermediação de genuíno pensamento, a informação passará a ser, cada vez mais, um rol de inumeráveis observações indiferenciadas, sem qualquer senso daquilo que é relevante ou importante.
Tomados que estamos pela ideologia do curto prazo, parece, pois, inevitável que acabaremos por sacrificar, no altar da eficiência, um pouco da nossa humanidade. Por fim, as próprias máquinas acabarão por influenciar o nosso gosto e o nosso pensar, passando nós a agir também um pouco mais como máquinas e menos como seres humanos que fomos, complexos, contraditórios e imperfeitos, mas capazes de vislumbrar, no mais íntimo e visceral de nós próprios, aquilo que mais ninguém conseguirá criar, definir ou, acima de tudo, interrogar.