O futuro é nuclear?



No Bloguítica, Paulo Gorjão tem vindo a defender a necessidade de contemplar a instalação de centrais nucleares em Portugal.
A questão energética é um assunto muito sério. A esse respeito publiquei aqui um pequeno ensaio: ler Energia: A Situação Portuguesa. Julgo compreender as preocupações de Paulo Gorjão que interpreto de forma positivamente desinteressada e pragmática. Também a respeito da energia nuclear afirmo não possuir quaisquer tabus e, espero, nenhuns preconceitos sejam eles ambientais ou económicos. O que me preocupa não é tanto o debate do tema mas que ele se faça com base nos pressupostos que ali se apresentam e que carecem de uma análise muito mais séria.

A dramática evolução dos preços do petróleo tem feito aparecer uma nova onda de publicidade favorável à energia nuclear. Essa indústria agora em ressurgimento tem promovido os méritos de uma tecnologia evoluída capaz de gerar electricidade sem produzir emissões de carbono e uma boa relação custo/benefício. O futuro é brilhante. O futuro é nuclear.

Ou será? Os critérios de diminuição de emissões de carbono definidos pelo protocolo de Quioto pareceram abrir as portas a novas oportunidades para a expansão comercial de energia nuclear. Para se ter noção da dimensão do sector, 16% da produção energética mundial é gerada em 438 reactores nucleares comerciais. Para países carenciados em recursos energéticos domésticos, a energia nuclear pode parecer uma opção atractiva, em especial perante os perigos da actual dependência das importações de petróleo. No entanto, a comunidade internacional rejeitou esta opção como uma alternativa limpa e viável, o que foi encarado por essa indústria com desapontamento.

Os principais argumentos críticos com a expansão nuclear prendem-se com a sua difusão no continente asiático. As centrais nucleares são altamente dispendiosas de instalar, requerem pessoal com elevada especialização, segurança extensiva, programas de manutenção que funcionem, estudos de impacto ambiental e um sistema capaz e dispendioso para lidar com as emergências. Nos países desenvolvidos muita dessa infraestrutura existe ou está disponível, mas para três quartos do planeta isso não é verdade. Como tal, não surpreende a falta de entusiasmo da comunidade internacional para com o alargamento deste sector.

Numa questão tão polémica podemos debater a favor ou contra com enorme paixão mas os factos são os factos. Na Europa o nuclear representa uma parte considerável da produção de energia. Mesmo não considerando o caso particular da França que é o segundo maior produtor bruto de e. nuclear (só atrás dos Estados Unidos e o primeiro numa base per capita) com 79% da produção eléctrica interna e sendo o maior exportador líquido da UE; na Alemanha, o nuclear representa mais de 25% da produção de electricidade e na nossa vizinha Espanha esse valor atinge 23% (1)
No entanto, a durabilidade condicionada dessa infraestrutura obrigará a uma nova vaga de investimentos para se manter a potência actualmente instalada nesses países nas próximas décadas. Na Alemanha o governo assumiu um acordo com as companhias do sector com o objectivo de desactivar todas as suas centrais até 2021. A sua intenção é compensar essa perda de produção através das renováveis e do gás natural. Em Espanha, o primeiro ministro Zapatero afirmou uma intenção semelhante. No entanto, muitos analistas estão cépticos em relação à manutenção destas soluções políticas no futuro.

As vantagens desta tecnologia em relação aos aspectos ambientais (redução de emissões) são bem conhecidas. No entanto, as suas desvantagens também. Existem preocupações quanto aos elevados custos de construção das centrais, bem como da sua manutenção e desactivação.
Existem também aspectos de segurança que não podem ser negligenciados; tanto de segurança de utilização da instalação (safety) como do risco de possíveis atentados terroristas (security). A tecnologia nuclear tem riscos próprios que exigem uma supervisão constante e uma “cultura de segurança”. Mesmo em Inglaterra, conhecida pela eficácia da indústria, os problemas acontecem (2/3/4). As centrais nucleares exigem ainda uma estratégia operacional de depósito dos resíduos radioactivos (5).

Para Portugal, a opção de enveredar pelo nuclear proposta por Paulo Gorjão não é uma questão simples de sim ou não. Existem questões relativas à política de energia nacional; ao método de financiamento das instalações e quais os seus promotores e parceiros; questões práticas, económicas, de segurança, de garantia de oferta de matérias primas; e também de capacidade técnica (know-how). Tratam-se de problemas eminentemente técnicos e para os quais devem ser dadas respostas técnicas. Estas questões não se submetem a referendo nem devem ser decididas por pessoas como o PG ou por mim ou outros que leram meia dúzia de artigos. Não se trata assim de “preparar a opinião pública” como disse, e mal, PG. Ouça-se a nossa classe científica, ouçam-se as universidades e os técnicos da área. Veja-se o que as agências internacionais têm a dizer sobre isto, mas acima de tudo, faça-se o debate a sério sobre o tema sem enveredar por minimizações dos problemas como se o nuclear fosse a imagem da perfeição, e também sem embarcar nos fundamentalismos ambientalistas dos activistas da inacção.

O nosso problema energético existe. É preciso não esquecer que, apesar do aparato do recente entusiasmo da nossa adesão às renováveis, já estamos a partir com um atraso comprometedor. Os nossos compromissos com a UE assinados para 2010 não significavam que devíamos completar as nossas centrais de renováveis até esse ano, antes significa que deviam estar operacionais em 2000 e a pensar nelas em 1990. E isto já é estar a ser benevolente. Mas pergunto-me se o nuclear deve ser a porta para resolver a nossa negligência de décadas. Assusta-me que os governos possam encontrar aí a solução “que dá para tudo” e que se vá em frente de forma desonesta e a reboque de interesses sectoriais.
A questão é séria. Resta saber se seremos suficientemente sérios para lidar com ela.

6 comentários:

  1. Caro Daniel, acho que já leste
    http://bioterra.blogspot.com/2005/07/urnio.html
    mas deixo o comentario e o meu parecer à disposição do forum.
    Um abraço e bom fim de semana.

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  2. por amor de deus, nuclear...

    desenvolver eolica e aproveitar fotovoltaica que temos potencial enorme

    e investir na investigaçao da energia das ondas que é inesgotavel

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  3. Falando do Brasil, onde já temos em uso centrais nucleares, parece-me que investir nelas é um passo atrás em direção ao desenvolvimento sustentável.
    Apesar de não ser uma emissora de gases de efeito estufa, cada uma destas centrais gera dejetos radioativos que terão que ser manipulados não por uma, mas por várias gerações futuras.
    É um risco desnecessário perante opções mais baratas e inteligentes a longo prazo, como as formas renováveis e a diminuição de consumo (potencialização do que já e consumido através de tecnologias menos dispediosas).

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  4. A irresponsabilidade com que o poder em Portugal gere o património e recursos naturais (ex.: os fogos, agora alcandorados à categoria de fenómenos sazonais inevtáveis tipo monções do inferno...) não augura nada de bom se a hipótese nuclear se tornar realidade.
    Muito antes de se discutir o "bom" ou "mau" da solução, há que reconhecer a viabilidade natural da energia eólica, fotovoltaica e das marés.

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  5. sobre este assunto aproveito para contribuir com o seguinte: pude visitar neste verão a única central nacional de produção de energia pelas ondas do mar. Trata-se duma instalação piloto localizada no Pico, Açores.
    É esclarecedor que a central ande há cerca de dez anos em testes, tendo o seu equipamento (transformadores, controladores e outros) sido integralmente substituído já por duas vezes, por erros de concepção uma vez e por degradação após um abandono de vários anos. o projecto nasceu na universidade e passou depois para uma entidade privada formada para continuar o trabalho de desenvolvimento do protótipo, uma vez que o Estado não assegurava verbas para esse fim. A União Europeia, a nossa madrinha, terminou o financiamento por falta de cumprimento dos objectivos, face ao abandono que o projecto sofreu entretanto..aquilo que podia ser um sector inovador e vantajoso para este país morre à nascença porque ninguém desde a comunidade académica à empresarial passando pelos responsáveis políticos se interessou em não deixar morrer uma iniciativa que podia dar bons frutos...e aproveitando o ensejo, é ou não irónico que o primeiro edifício em Portugal auto-suficiente em electricidade fotovoltaica seja...a Escola Alemã?
    Abraço

    Pedro Machado

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  6. Boa tarde.
    Chamo-me Patricia Silva e sou finalista do curso de Economia na Universidade do Minho.

    Queria comentar o facto da energia das ondas ter um enorme potencial que está a começar a ser aprovitado, nomeadamente na Póvoa de Varzim.
    Quanto a esta energia, encontro-me a realizar um projecto de investigação em novas fontes energéticas e a energia das ondas é uma delas, pelo que se alguém me puder disponibilizar alguma informação, sobretudo de novas competências e centros de conhecimento (universidades, centros de investigação...) agradecia que respondessem para o meu mail: patriciamcsilva@gmail.com.
    Obrigada.

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