Um: os factos
Portugal importa cerca de 90% do seu consumo energético, sendo a maioria deste sob a forma de petróleo (66% em 2002). Em 2003, o país consumiu 351.000 barris por dia, tendo importado a totalidade desse valor.
As importações de petróleo chegam ao nosso país através dos terminais de Sines e Porto. Complementarmente, Portugal importa gás natural do norte de África, canalizado de Espanha por ligação em pipeline. Finalmente, registam-se importações variáveis de carvão para produção energética (15% em 1998).
O maior recurso energético produzido internamente é a energia hidroeléctrica. Ela corresponde também à nossa maior fonte de energia renovável, mas o seu contributo depende dos factores naturais e apresenta flutuações consideráveis ao longo dos anos. Como exemplo, a produção hidroeléctrica correspondeu a 13% do consumo nacional em 2001, tendo diminuído para 7% em 2002.
Exceptuando a produção hidroeléctrica, as energias renováveis têm uma expressão mínima em Portugal e só agora começam a arrancar projectos visíveis no sector eólico e solar. No entanto, o nosso país está sujeito à Directiva Europeia 2001/77/EC que obriga os países da união europeia a aumentarem a percentagem de produção de energia por fontes renováveis para 12% e de electricidade por fontes renováveis para 22% até 2010 (Artigo 3, 4º parágrafo).
Portugal é assim um país energívoro, estando não apenas longe de ser auto-suficiente mas também directamente dependente das importações de petróleo, gás natural e carvão. Em relação ao petróleo, que é o factor de maior agravamento económico, estava prevista uma redução do seu consumo para cerca de 58% em 2005. No entanto, essa redução relativa não corresponde a uma redução efectiva do valor importado, uma vez que o consumo energético global tem vindo a aumentar significativamente nos últimos anos pelo crescimento da cota de gás natural - (ver Figure 4 – Energy Supply By Fuel, 1973-2010, Energy Policies Of IEA Countries: Portugal 2000 Review, International Energy Agency, página 20).
Significa isto que as flutuações do preço do petróleo têm um impacto directo sobre a nossa economia, uma vez que ele alimenta mais de metade da produção nacional no sector. Sabendo-se que a indústria utiliza 41% do total de energia consumida no país e os transportes 37% (valores de 1998), começa a vislumbrar-se a gravidade do problema e as suas possíveis consequências.
[Gráfico de consumo e tipo de energia em Portugal via EarthTrends Country Profiles: Portugal - Energy And Resources]
Dois: a crise anunciada
Assiste-se actualmente ao aumento acelerado do consumo de energia ao nível mundial. Esta realidade veio agravar-se com a introdução de procura por parte de novos mercados, entre os quais o asiático. Vários especialistas do sector têm vindo a alertar para a possibilidade de estarmos a entrar num novo ciclo, à medida que os recursos petrolíferos disponíveis chegam ao topo das suas possibilidades de exploração. A este fenómeno deu-se o nome de peak oil - (ver quadro Slippery Slope, Crude Calculations, SmartMoney.com, 2004-03-15).
Independentemente da subida dos preços do petróleo se vir a revelar mais ou menos rápida, a verdade é que entrámos já num novo paradigma económico: o fim do petróleo barato. Discute-se hoje abertamente a possibilidade do barril de crude vir a atingir os três digitos num período inferior a dois anos. Esta nova realidade exige que países como Portugal promovam rapidamente a reconversão para fontes alternativas de modo a acompanhar a transição que se irá verificar nas próximas décadas.
Portugal dispõe de excelentes recursos para a produção de energias renováveis. No entanto, o país tem assistido a atrasos terríveis na implementação de projectos de exploração, resultado de uma deficiente acção política. Anteriores governos têm confundido o que deve ser um planeamento estratégico do sector para actuarem quase exclusivamente como elemento de gestão e atribuição de cotas de produção energética; acrescente-se, favorecendo quase sempre os pesos fortes da balança, ou seja, os que mais dependem dos combustíveis fósseis e beneficiam com o atraso na introdução de novas fontes de produção, como é o caso da eólica, solar térmica e fotovoltaica.
A título de exemplo, atente-se no caso da Central Fotovoltaica de Moura (Tecnopolis Moura/Beja), que pretende instalar aquele que virá a ser o maior empreendimento do género a nível mundial, em pleno Alentejo (num dos pontos de maior incidência solar da Europa). O projecto prevê a criação de 240 novos postos de trabalho gerados numa unidade de produção de painéis e 1280 a 2400 novos postos de trabalho criados indirectamente no cluster da central renovável a instalar em Moura. No entanto, e apesar de terem sido amplamente reconhecidos os méritos do projecto a nível governamental, de que resultam apoios de parceiros como a Universidade de Évora, o Instituto Politécnico de Beja, a Universidade Nova de Lisboa, o Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, o Instituto Superior Técnico, a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e o INETI – Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, a verdade é que o projecto tem-se arrastado num longo processo de licenciamento que dura há mais de três anos. Na prática, o que esteve em causa foi a alteração legislativa para o alargamento da cota de produção de energia fotovoltaica de modo a permitir a produção dos 64MWp necessários à viabilidade financeira do projecto (1). Num país tão deficitário em produção de energias renováveis, a lentidão de tal processo legislativo é, no mínimo, difícil de compreender (ver Huge solar power station planned for Portugal, Guardian Unlimited, 2005-05-06).
(1) Nota: a legislação portuguesa definia uma cota máxima para limite de potência instalada a nível nacional de 50MW para as centrais de energia solar fotovoltaica. O novo Decreto-Lei nº33-A/2005 veio aumentar esse valor para 150MW. Compare-se com os 1.800MW correspondentes ao somatório de licenças aprovadas para capacidade de produção/exploração de energia fotovoltaica na Grécia, um país com índices de exposição solar equivalentes a Portugal.
Três: considerações finais
Portugal tem sido incapaz de definir um planeamento sério nos principais sectores estratégicos de desenvolvimento. O caso da energia é apenas um entre vários, como por exemplo a mobilidade e os transportes, o ambiente (os recursos naturais, água, política de solos, floresta), o planeamento do território ou outros, que vão rumando ao sabor conjuntural dos sucessivos governos. Permanecem assim reféns dos vários interesses divergentes que se repercutem ciclicamente em lutas político-partidárias, das quais resultam pesados prejuízos para os portugueses.
Apesar destes sectores merecerem uma atenção crescente dos media e da opinião pública, parecem secundarizar-se perante outras questões cujo efeito mediático é mais sensacional. Não querendo minimizar a importância de casos como os da justiça, da saúde e da educação bem como os seus efeitos sociais e económicos, trata-se apenas de reconhecer que é hoje ao nível dos sectores que acima referi que se joga uma parte decisiva do desenvolvimento das nações e das suas expectativas de futuro. Entretanto, Portugal permanece numa dormência doentia, ainda que tranquilamente oculta no manto diáfano dos discursos políticos. Veja-se, a este respeito, como os congressos partidários se dirigem cada vez mais para o debate interno, reflectindo a disputa de cargos e os jogos de promoção pessoal sem que deles se extraia nada de construtivo para o país. E aqui incluo os partidos tanto à esquerda como à direita, que conseguem realizar um congresso nacional sem apresentar um vislumbre de planeamento estratégico ou de desenvolvimento. Os próprios jornalistas têm sucumbido a esta realidade, dando eco das movimentações partidárias em detrimento da análise dos problemas reais que a todos, directa ou indirectamente, afectam.
Ao contrário do que isto pode fazer pensar, o país não dorme. O nosso atraso é real e vai aumentando como uma sombra sobre os nossos destinos. As decisões que tomarmos hoje vão ditar a forma como vamos ultrapassar os desafios que inevitavelmente vamos ter de enfrentar. As indecisões, essas serão pagas por todos e pelos nossos filhos num futuro menos brilhante, menos feliz e menos próspero, não tão distante assim.
[quero saber mais: Energy Policies Of IEA Countries: Portugal 2000 Review, International Energy Agency; EarthTrends Country Profiles: Portugal - Energy And Resources]
Energia: a situação portuguesa
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Sim, Portugal é aquele país que até consegue chegar primeiro à India e ao Brasil - mas depois esbanja os dividendos em festas Bacoucas (?Barrocas?). Esse problema da demagogia e populismo na politica é um fenómeno generalizado no mundo mas em Portugal adquire contornos terceiro-mundistas. O problema terá génese no próprio sistema político partidário - sinal dos tempos. A democracia, dependendo implicitamente do esclarecimento do povo, ou seja da sua instruição está vinculada á velocidade a que este (o povo) conseguir andar. Se o povo elege como programa de perdição uma quinta dos famosos não admira que na hora de votar o discernimento seja diferente. E os políticos sabem disso, ou melhor as comissões políticas e os ‘spin doctors’ sabem disso. Ou então estou enganado e depende mais da coragem da 'elite' politica. O modelo que vai funcionando em países desenvolvidos, tropeça aqui no país do ‘nacional porreirismo’ e descamba completamente na Argentina e afins. Acontece que o politico nacional tem muita freguesia a percorrer, muito jantar de apoio, muita trica partidária para discutir por telefone, muito lobby para aturar, muita reunião mal preparada para assistir, muita trica partidária para discutir orelha a orelha, muitos boys a satisfazer, muita palmadinha nas costas e jantar de desagravo, dá para ver o filme. Acredito que com uma agenda assim distribuída seja difícil ao político manter o espírito desperto para ‘o que realmente importa fazer’. Acredito que, nestas condições, o motorista do dito político esteja mais disponível para nos governar.
ResponderEliminarDói ver as ‘escolhas’ que vão sendo feitas em nome deste país. (?) Dói especialmente nas matérias salientadas neste post, por serem realmente estratégicas. (?)
Meu caro Daniel Carrapa, isso pode passar por um ajuste de perspectiva – você sofre daquilo a que vulgarmente se chama lucidez – episodicamente dá lugar a fuga do país – mas a boa notícia é que, se ficar, com alguns anos de recalcamento isso passa a um simples caso de amargura crónica.
Ainda há a acrescentar o facto de a produção mundial de petróleo estar a atingir o seu pico máximo(ver em: http://www.odac-info.org/). Isto significa que nos próximos anos o preço do petróleo irá subir exponencialmente. Ainda não ouvi nenhum dos nossos políticos falar sobre este drama que se avizinha.
ResponderEliminarP. Veiga
Estimado Daniel
ResponderEliminarAs minhas felicitações por este seu texto tão assertivo quanto completo.
Noto apenas a localização da hipotética futura central fotovoltaica não ser em Moura (esta é de menor dimensão e felizmente está a andar), mas sim nos terrenos da antiga Mina de S. Domingos, hoje propriedade de uma "empresa" "La Sabina" que apresentou o projecto ao Ministério da Economia num consórcio composto pela Siemens, pela Villa Lohberg e Roth & Ran.
Acresce dizer que tem sido difícil apurar se a La Sabina é uma sociedade por quotas e, se for, quem são os sócios, ou se é uma sociedade anónima que não se encontrou, até ao momento, cotada em praça alguma! O actual Ministério da Economia está muito interessado (ao que sei) neste projecto embora não avance sem a segurança da fiabilidade da empresa em quatão.
Cumprimentos
Tenho é a impressão que muito boa gente não se apercebeu ainda da gravidade da situação e, se se apercebeu, deve ter pensado tão lusitanamente: "logo se verá"...
ResponderEliminarobvious