[na internet ninguém sabe que o pacheco pereira é um cão]

Terça-feira



Quem somos nós na internet? Que sentido de comunidade existe? O segundo aniversário do Abrupto tem motivado algumas reflexões sobre a blogosfera portuguesa. Pergunto-me se própria palavra não é uma ilusão: “blogosfera”. A palavra constrói o conceito, mas o conceito por detrás da palavra é realidade ou distorção - a linguagem como meio para a construção de uma realidade socialmente instituída. Essa blogosfera existe? Não sei, e no entanto, ela move-se. Em que ficamos?

O “blog” é um suporte. Não é um diário, não é uma evolução da “página pessoal”. É uma estrutura, um formato de comunicação. Sim, é tecnologia, a extensão possível de nós próprios na rede. Neste contexto (mais web que log), o fenómeno colectivo entre blogues e fora dos blogues é mais do que a soma das suas partes. A blogosfera começa a extravasar os limites da net. Hibridiza-se: torna-se livro, infiltra-se na imprensa escrita, debate-se na televisão. A sua mediatização expõe, no entanto, várias blogosferas. Para os media, ela é a blogosfera das celebridades, figuras com expressão pública. Tudo o mais é “fenómeno”: 70 blogues criados todos os dias em Portugal. Os media ainda não perceberam o que isto significa e traduzem-no numa abstração estatística cujo conteúdo desconhecem e pouco discutem. Ou seja, discutem o “fenómeno” e não as coisas que lá se passam.

Pacheco Pereira escreveu: Não tenho nenhumas dúvidas de que os blogues vieram para ficar, enquanto a evolução tecnológica não permitir a migração do que hoje se pode fazer num blogue para outra plataforma mais eficaz e superior. Enquanto tal, uma revolução está em curso, principalmente no âmbito do sistema comunicacional, e, a partir daí, afectando os sistemas que lhe são próximos: a política nacional e local, a crítica literária e artística, a divulgação científica, entre outros. É uma declaração optimista. Faz sentido para alguém que pode (e quer) romper constantemente as fronteiras da blogosfera para a atmosfera. Mas porque se invoca esta capacidade de que os blogues afectem o mundo lá fora como um requisito para a sua maioridade? Os blogues não são um canal para a mediatização; são apenas o nosso monólogo interno que o resto do mundo pode ouvir; uma subscrição para o fio da consciência de cada um. É por isso que o Abrupto é interessante: não por ter eco lá fora, mas porque nos permite olhar lá para dentro, para o interior da cabeça do Pacheco Pereira e tirar de lá o que lhe vai na alma. É um lugar na plateia para os filmes projectados na mente de cada um. E é isso que torna os blogues-em-livro pouco consequentes. Perdem a natureza bi-direccional, o retorno dos conteúdos, a rede. Quando deixam de acontecer, deixam de ser. A blogosfera precisa do “online”, como o corpo humano precisa de sangue, para viver.

[imagem via Cartoon Bank]

3 comentários:

  1. Nem mais. Os blogs, com a sua expressividade e interactividade representam novas formas de comunicação que o sécXXI globaliza.
    Embora, a transição para livro, ou as citações na imprensa reflitam que o papel ainda é um suporte físico de muita importância, mais útil e versátil que o virtual.

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  2. Não podia estar mais de acordo com a sua frase: "os blogues não são um canal para a mediatização; são apenas o nosso monólogo interno que o resto do mundo pode ouvir".É exactamente por isso que o blog é uma extensão do nosso mundo pessoal.

    Eu até acrescentaria que pouco importa se existe alguém "lá fora" (no resto do mundo) que nos queira ouvir...

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  3. Para os blogues "comunitários", ou seja aqueles que vivem da interacção entre autores e comentadores, o "on-line" é importante, mas há muitos blogues que podem passar conteúdo para outros meios ganhando qualidade.

    A tecnologia suporta todas estas blogosferas diferentes.

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