O que há de errado com esta imagem?


Image credits: Jose Luis Rodriguez.

Tenho como uma das minhas obsessões pessoais examinar o modo como os outros pensam. Os pressupostos de uma argumentação são mais reveladores do que a construção racional que sobre eles se desenvolve. É algo que devíamos questionar continuadamente: as razões que são matriciais ao nosso pensamento, as certezas sobre as quais elaboramos uma hipótese de resolução.

Vem isto a propósito de uma pequena pergunta lançada pelo Mário Venda Nova no seu blogue O Elogio da Sombra. Ali se questionava: O que é hoje a fotografia de natureza? O que deverá ser o foco da fotografia de natureza contemporânea? A pergunta mereceu duas respostas:
[1] Zé Maria: Imagens da natureza? Eventualmente, tentando incluir o mínimo possível de alterações antropogénicas. É o que eu chamo fotografia de natureza.
[2] Diogo: Acho que a primeira pergunta a fazer é: O que é a natureza na contemporaneidade? E não encontro resposta fácil…


Image credits: Kalle Gustafsson.

Sobre estes argumentos o Mário desenvolveu a sua própria reflexão, bastante curiosa. Escreveu:
A do Zé Maria reflete um olhar mais tradicional sobre a maneira como a fotografia deve retratar a natureza: as paisagens belas, intocadas (apesar de milhares de pessoas lá passarem por ano…), com uma luz dourada, sem marcas da presença do homem. O Diogo prefere perguntar onde está o olhar contemporâneo sobre a natureza.
O problema é que estas duas visões são antagónicas: uma pretende mostrar uma natureza segundo padrões que, infelizmente, já não se aplicam ao estado actual, o outro pretende actualizar o olhar fotográfico sobre o tema e fazer uma reflexão actual sobre o seu estado. É assim que entendo as vossas respostas (…).


O que retiro dos argumentos do Mário – e aqui começo a funcionar nos meus próprios pressupostos – é uma interpretação segundo a qual temos o confronto de uma visão conservadora [1] com uma outra abordagem mais vanguardista [2]. Estou naturalmente a simplificar mas é esta a hipótese de debate lançada por tal separação de pontos de vista. Em boa verdade a primeira definição [1] não avança literalmente um desígnio idílico de paisagem bela ou perfeita. Podemos tomar aquele desejo de abandono de sinais antropogénicos como um mero propósito de captura da realidade desconectada da influência humana. Um desígnio purista? Talvez, mas nada que predisponha uma visão estética específica. Na verdade, muita da mais interessante fotografia urbana contemporânea procura exactamente desprender-se de uma visão estética predeterminada em produzir embelezamento da imagem, buscando uma crueza inóspita que procura interrogar essa realidade como possibilidade daquilo que ela é ou pode ser para lá do preconceito estético. O que nos remete para a segunda hipótese [2], pois que numa ou noutra abordagem teremos sempre, de cada vez que capturamos o mundo através de um frame, uma construção subjectiva, irremediavelmente humanizadora, do mundo.


Image credits: David Maisel.

A questão interessa-me porque também se coloca recorrentemente, em outros termos, no domínio da fotografia de arquitectura. Aqui o confronto apresenta-se entre a enunciação estética da arquitectura, uma fotografia com mise-en-scène, e uma outra captura documental que busca um sentido de permanência do mundo físico para lá das possibilidades da imagem. Um confronto traduzido tantas vezes, de forma simplista, como uma divisão entre limpo e tosco, entre artifício e verdade.
Mas não será afinal esse conflito um produto, já ele artificial, da nossa pré-condição de participantes no mundo que observamos? Estamos condenados a ser contemporâneos, seja enfabulando sobre o mais batido lugar comum, seja mergulhando criticamente sobre a condição estética. Produzimos sempre uma construção carregada de retóricas que nos são inerentes. Não sabemos, não podemos, fazê-lo de outra maneira.
Voltando assim à pergunta original do Mário, talvez a resposta esteja no facto de colocarmos sempre, perante a natureza como perante tudo o resto que nos rodeia, as nossas questões, os nossos limites, a nossa possibilidade de existência.

2 comentários:

  1. Boa reflexão :) Obrigada!

    Mas respondendo directamente ao título deste post, o que há de errado nessa foto é que afinal não é tão natural como quer parecer, http://news.bbc.co.uk/2/hi/science/nature/8470962.stm

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  2. O povo diz que "a mentira tem perna curta" o que se aplica claramente à imagem do "lobo saltador".
    A falta de integridade moral vem, infelizmente, sendo apanágio dos que se dizem "melhores" e que possuem o poder. Uma pena...
    Abraço

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