Não me obriguem a vir para a rua (limpar)







Por entre os estragos ergue-se uma comunidade. E talvez a primeira pergunta a fazer seja essa: que tipo de pessoa és tu? És dos que vestem camisola com gorro para beber, roubar e destruir? Ou és dos que vêm para a rua de vassoura na mão para limpar e refazer?

A questão não é assim tão simples porque se lhe seguem os porquês. Bem faremos assim em ver, escutar e pensar antes de emitir posts e tweets e likes. Nem sociologia de meia-tigela nem tanques na rua, se faz favor. Acima de tudo afastemo-nos daqueles que se deliciam a fantasiar narrativas em torno dos factos, à esquerda e à direita, à medida do estreito túnel ideológico de onde vislumbram, pouco, o mundo lá fora.

Arrefecidos os escombros talvez se possa pensar com mais serenidade no que aconteceu. Em primeiro lugar importa manter a lucidez para lá do imediatismo fatalista que nos quer fazer crer a todos que a Inglaterra já está a arder. Como se os motins urbanos fossem coisa nova neste mundo. E como se o que ali se passou carregasse um sentido para lá da subcultura da violência, da destruição como entretenimento, da amoralidade e do vazio.

Talvez se tenham cruzado pelas ruas de Londres, no entanto, alguns factores novos. Na era da televisão 24 horas por dia, do vídeo instantâneo na internet e da rede social, a velocidade é o combustível do contágio, da disseminação. E teremos também um terreno de sociologia urbana – sem conotações ideológicas – que só alguma ingenuidade (se não má vontade) pode descurar quanto a fenómenos de criminalidade organizada que vem de longe e que encontra no meio juvenil um veículo para a retaliação sobre a ordem estabelecida.

Podemos embarcar no jogo das culpas: é dos políticos, é do capitalismo, é da sociedade de consumo, do desemprego, dos pais, dos professores, do futebol, da televisão ou dos jogos de computador. E talvez possamos, ponto a ponto, encontrar motivos legítimos para reflexão. Talvez tenha faltado liderança política ou, de forma mais vasta, esteja a falhar a sociedade enquanto lugar de instituição e transmissão de valores. Ou talvez esteja em causa o empobrecimento do espaço da família, seja por carência de dinheiro, de tempo, de afecto, seja pela obesidade do consumo e de múltiplas expressões de futilidade. Ou talvez ainda tudo isso e mais ainda; e valerá a pena pensar em todas as razões e questionar que tipo de pessoas está a nossa sociedade a construir e porquê.

Mas se queremos ler narrativa ideológica e movimento social sobre os insubordinados, talvez devêssemos interpretar igualmente a expressão social destes outros cidadãos que se ergueram para repor a ordem nas suas comunidades e limpar as suas ruas. Porque estes também são povo, como o são os proprietários e os trabalhadores das lojas destruídas e os que residem nas casas incendiadas.
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E porque a questão é complexa e vale a pena ouvir vozes diferentes, ficam algumas ligações de interesse: [1] Panic on the streets of London; [2] Most of the kids are alright; [3] UK RIOTS DEBATE IN CLAPHAM - FLIP LIFE TV - 2011; [4] London Riots: Clapham Junction Speaker; [5] UK rioters / looters try to justify actions; [6] Big Brother isn’t watching you.

1 comentário:

  1. Não pretendo fazer sociologia de cordel. apenas, os que limpam estão de um lado, os que partem, do outro. E são ambos os dois lados do espelho da mesma sociedade: uma sociedade profundamente mercantilista, desumana, que esqueceu o valor das pessoas, quer como ser sociais quer como indivíduos e ergueu o dinheiro e os "bens" de consumo como instrumento de poder e qualquer coisa que impera sobre todos os valores e justifica tudo. De um lado está o miúdo que parte e saqueia a loja toda e depois diz que é bem feito, eles mereciam isso, porque se candidatou para trabalhar lá e eles nem se deram ao trabalho de lhe ler o currículo. Do outro, os "burgueses", os que conseguiram um lugar os "que limpam" e que defendem o seu lugar. Ambos têm como ideal e objecto de desejo, o mesmo. Definitivamente há mesmo aqui assim algo de podre. Motins de delinquentes? - ainda a procissão vai no adro.Isto não é sustentável e está a estourar. A questão não se resume a saber quem parte e quem limpa mas em ver quem é que parte e porquê e quem é que limpa e porquê.

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