Pós-POLIS: Reabilitação Urbana em tempo de crise

Apesar dos sinais de deterioração económica e radicalização política que crescem, não apenas em Portugal mas na Europa, parece estar a gerar-se algum consenso quanto à necessidade de introduzir mecanismos de investimento que impulsionem a dinamização e o crescimento da nossa economia.

O contexto não é fácil. Com problemas internos – endividamento excessivo, desequilíbrios estruturais, dificuldades de acesso ao crédito – e condicionantes externas – a desaceleração da economia mundial e a Europa à beira da recessão – garantir financiamento para grandes operações no domínio da obra pública é um sério desafio. Por outro lado, com os recursos limitados que poderão ser alocados ao investimento, o sector da construção terá sempre e necessariamente de competir, como opção política, com outras áreas de produtividade mais orientadas para os bens transacionáveis, para a exportação e para o retorno sustentável de médio e longo prazo.

Importa aqui lembrar que a construção é uma fileira que arrasta todo um conjunto de agentes económicos: os que projectam e fiscalizam; os que constroem; os que produzem materiais de construção, maquinaria, tecnologia diversa; os intermediários, vendedores e revendedores e ainda todos aqueles que prestam uma vasta gama de serviços complementares.
Em contraponto, o sector da construção, enquanto área de investimento, tem também riscos que importa não desconsiderar: as empresas de maior dimensão estão em geral associadas a capital estrangeiro e muito do material, máquinas, hardware e software utilizados têm origem no exterior.

É assim num ambiente económico adverso e num cenário de colapso do sector da construção civil que a Reabilitação Urbana vem sendo referida como uma das opções políticas possíveis para o investimento público. Mas é também por todas as razões referidas que a Reabilitação pode ter um atractivo adicional: ela incorpora todo um conjunto de intervenções de pequena e média escala que podem ser dirigidas em benefício da economia local. É um veículo privilegiado para alcançar, de forma cirúrgica e planeada passo a passo, um vasto conjunto de pessoas.

A questão é: como fazê-lo? Acima de tudo, como fazê-lo com poucos meios financeiros disponíveis?

Seria um erro lamentável se o Estado viesse a actuar de forma precipitada e simplista, dando prioridade à intervenção sobre o seu próprio património [1] ou a acções dispendiosas de mero embelezamento urbano [2], em prejuízo de uma aplicação dos seus escassos recursos em benefício directo dos cidadãos.

A resposta tem de passar pelo abandono de políticas convencionais de investimento público de grande escala como as que foram aplicadas na economia interna nas últimas décadas. Acima de tudo, a acção do Estado deve centrar-se mais na gestão do que na construção propriamente dita, actuando como parceiro dinamizador e não apenas como mero financiador.

Eis uma ideia…
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Tradicionalmente, os apoios estatais à recuperação de habitação são canalizados directamente ao proprietário particular. Este modelo estabelece desde logo várias desvantagens de gestão. Porque o apoio estatal é dado caso a caso, o custo unitário de cada operação é inevitavelmente maior. Assim, e porque os meios financeiros são sempre limitados, a preocupação do Estado centra-se em limitar o universo de candidatos elegíveis; cidadãos enquadráveis em limites remuneratórios muito estritos.

Isto é compreensível. Se o dinheiro disponível é pouco devemos dirigi-lo a quem mais precisa. Mas porque estamos a fazê-lo de modo unitário, acabamos por assumir custos mais elevados por cada operação de recuperação. Estamos, como tal, a fazer menos com o nosso dinheiro do que se adoptássemos um modelo colectivo de intervenção.

A solução passa por criar programas de Reabilitação Urbana que integrem, em parceria, colectivos de cidadãos, desejavelmente orientados para a habitação nos centros antigos das cidades. Esses programas deveriam ser organizados por áreas de intervenção: telhados e coberturas; fachadas; vãos exteriores; infraestruturas básicas (electricidade, águas e esgotos); reabilitação de estruturas; outros (a definir mediante as carências locais).

Programas desta natureza seriam promovidos pelo Estado, geridos localmente pelas Câmaras Municipais e abertos a todos os cidadãos, proprietários particulares, que apresentariam a sua candidatura a uma ou várias áreas de intervenção mediante as suas necessidades.

Estas candidaturas, devidamente analisadas e agrupadas em conjuntos (em função da tipologia, localização, custo e dimensão da obra) seriam posteriormente alvo de processos de concurso público. O Estado facultaria assim, em primeiro lugar, o saber técnico na preparação de procedimentos de concurso, de que seriam beneficiários os próprios cidadãos.

Tratando-se de agrupamentos de obras – incidindo, por exemplo, em 25, 30 ou mais habitações – os custos unitários por intervenção tornar-se-iam consideravelmente mais baixos para cada particular do que se promovidos separadamente e apoiados caso a caso. Complementarmente, os fundos estatais disponíveis seriam orientados para comparticipar as intervenções dos cidadãos mais carenciados. Nos outros casos em que a comparticipação directa não fosse possível, seria sempre viável estabelecer mecanismos compensatórios de incentivo fiscal como a dedução do IVA ou a isenção temporária de Imposto Municipal sobre Imóveis.

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Uma filosofia de intervenção colectiva no domínio da Reabilitação Urbana, em que Estado e cidadãos actuem como parceiros, pode ter vários efeitos económicos positivos. Permitiria, por um lado, viabilizar uma vaga de construção em que as empresas poderiam participar em concorrência aberta. Por outro lado, profissionais e firmas de projecto poderiam ser chamados a colaborar na preparação dos procedimentos concursais e na assistência técnica das obras. Por fim, os cidadãos beneficiariam colectivamente de um programa de intervenção a custos necessariamente mais baixos do que aqueles a que estariam sujeitos se actuassem de forma individual.

Para o Estado seria uma oportunidade de aplicar o saber técnico dos seus profissionais em procedimentos usualmente inacessíveis aos restantes cidadãos. Acima de tudo, independentemente dos modelos que venham a ser criados para actuar nas nossas cidades, importa abandonar os velhos chavões que serviram para legitimar o dispêndio de volumes avultados de crédito em obras de que poucos directamente beneficiaram e que todos teremos de pagar por muitos e muitos anos. Chegou a hora de fazer para e com as pessoas.

3 comentários:

  1. Agrupar é uma ideia óptima para rentabilizar recursos!

    No entanto, Reabilitação Urbana também implica concepção - não apenas o trabalho de construção civil e sua fiscalização.

    A seguirmos esta ideia conforme o Colega Daniel apresenta, prosseguimos com a actual politica, em que o concurso público de concepção é inexistente ou sempre associado a empresa de construção - o que acarreta um contexto totalmente diverso, com prejuízo a médio prazo para os intervenientes.

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  2. Olá Sandra, obrigado pelo comentário.

    Esta ideia não é uma caso fechado, seria impossível num pequeno post. O ponto de partida começa em pequenos programas de intervenção já promovidos no passado, suportados pelas câmaras municipais de forma individualizada por esse país fora, de apoio a pequenas obras de reabilitação sem projecto: pinturas exteriores, recuperação de caixilharias, recuperação de telhados (sem intervenção estrutural).

    Atenção, quando falo sem projecto, não significa que os procedimentos não tenham sempre de ter um caderno de encargos bem definido.

    Mas aquilo que descrevo aqui, como a Sandra aponta, poderia (e deveria) estender-se a outros casos em que a fase de projecto é fundamental. Absolutamente de acordo que a colaboração em concurso com gabinetes de projecto seria o método a seguir, e que a concepção não deve estar nas mãos da entidade construtora mas de colaboradores independentes.

    [A concepção-construção é todo um outro tema e sobre isso, não tendo preconceitos, digo apenas que é um processo que exige caderno prévio muito bem definido pelo promotor, balizado com limites orçamentais pré-estabelecidos e acompanhamento técnico, que nem sempre as entidades do Estado conseguem garantir, acabando por ir a reboque do construtor. Para não falar das pressas do costume tão lesivas para o trabalho dos técnicos, para a qualidade dos processos, os orçamentos, etc.]

    Para além disso há ainda vários outros aspectos jurídicos por resolver que teriam de ser regulamentados com cuidado. Mas isso, por enquanto, fica só para mim...

    :)

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  3. Acho um bom ponto de partida para uma nova abordagem na forma de "agir".

    Temo que a Reabilitação Urbana, -se isto não for pensado - caia numa espécie de estetização e vire "moda" para se fazer uma data de coisas que já podem ver por aí, com algumas das entidades para a reabilitação dos centros históricos das cidades.

    A questão é mesmo essa, para e com as pessoas. A economia, infelizmente, tolda (toldou) maior parte destes casos, onde a rentabilização é mais importante que a salubridade.

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