Da ausência do outro



O Desaparecimento de Eleanor Rigby é, na sua versão original, um díptico. Dois filmes distintos – um subtitulado Ele, o outro Ela – fazem o retrato do processo de desgregação de uma relação na sequência de uma tragédia. Assim vamos conhecer duas perspectivas sobre uma mesma história, cada uma preenchendo os vazios da outra e, a pouco e pouco, dando a conhecer o quadro mais vasto que se vai compondo a partir de cada pequeno mosaico de narrativa.

Os dois filmes foram exibidos pela primeira vez no Festival Internacional de Cinema de Toronto em 2013, merecendo a atenção da produtora The Weinstein Company que viria a comprar os direitos de distribuição em território norte-americano. Condição imposta a essa aquisição foi a feitura de uma versão adicional – com o subtítulo Eles – que juntou as duas obras num único filme, numa edição mais acessível que lhe pudesse dar maior alcance junto do público.
É essa versão, porventura mais “comercial”, que o espectador desprevenido poderá encontrar pela primeira vez, assim perdendo a oportunidade de descobrir esta pequena jóia cinematográfica na forma em que foi verdadeiramente imaginada.

A separação da história dos dois protagonistas – Conor (James McAvoy) e Eleanor (Jessica Chastain) – é muito mais do que um simples recurso estilístico. Trata-se na verdade de um registo essencial para imprimir em cada uma dessas histórias um sentido que está de todo omisso na montagem convencional; o sentido da ausência do outro.

Linhas de argumento que marcam o trajecto das personagens são secundarizadas ou mesmo truncadas naquela versão compósita.
Mais do que isso, os dois filmes vão introduzindo pequenas ambiguidades no recontar das mesmas cenas, em diferentes perspectivas. Pequenas variações na entoação tornam uma mesma conversa afectuosa ou distante. Por vezes os gestos mudam, outras vezes as palavras não são exactamente as mesmas. Numa passagem crucial mudam pormenores do guarda-roupa, mudam diálogos, mudam gestos. Ainda que a estrutura da cena seja a mesma, o sentido das palavras muda irremediavelmente.

É nessa ambiguidade que O Desaparecimento de Eleanor Rigby se revela uma obra maior, um trabalho de invulgar complexidade sobre o papel da subjectividade na construção das relações humanas. De como, de certa forma, estamos sempre a construir uma narrativa em torno das nossas vidas e de quão difícil pode ser o genuíno encontro entre duas pessoas.



O Desaparecimento de Eleanor Rigby encontra-se já disponível em DVD onde decerto não deixará de encontrar o seu público e tornar-se um objecto de culto junto de um pequeno grupo de cinéfilos e dos admiradores do par principal. Um filme que nos fala sobre a gravidade entre pessoas, sobre as forças que nos aproximam e afastam, e dos misteriosos caminhos que conduzem um amor sem destino, condenado a existir…

1 comentário:

  1. Bela análise, como nos tens habituado!

    São dois filmes a ver, assim que tiver oportunidade.

    Um bem haja!

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