Pântano mediático


Image credits: Ben Zank.

O mais interessante de vivermos uma crise verdadeira é revelarem-se aspectos do mundo que são, em condições normais, difíceis de vislumbrar. Um deles é a forma como a hiper-mediatização de tudo intoxica a política.

Os media criaram todo um modo de interpretação da realidade e, naturalmente, também daquilo que faz parte do processo político. Um desses mecanismos é a ideia da política como um processo competitivo que tem a sua exaltação nos períodos eleitorais. Jornalistas, comentadores e actores partidários interrogam-se sobre quem vai à frente e atrás nas sondagens. Quem ganhou e quem perdeu o debate. E, como corolário dessa espécie de corrida de galgos, quem ganhou e quem perdeu as eleições.

Sucede que as regras do sistema político, assentes em pressupostos com lastro histórico que muito antecede a era da hiper-mediatização e do "corporate media", não partilha desses pressupostos. E sucede também, como devia ser evidente para todos, que a democracia é defendida pelas regras do sistema político, e não pelas regras do mundo mediático.

Não vale sequer a pena retomar os termos do famigerado artigo 187 da Constituição da República Portuguesa. Mas importa sublinhar que não existe nada naquela Constituição que estabeleça como se apuram "vencedores" e "derrotados" nos processos eleitorais. O que há é a consagração de um quadro parlamentar que resulta da expressão do voto dos cidadãos. E esse quadro dita as circunstâncias em que o processo político e legislativo pode e deve prosseguir.

Se há, aliás, algo que esta crise demonstra é mesmo a superioridade da democracia como sistema capaz de resolver momentos de acentuado conflito e de crise. É mesmo para isso que serve a democracia. E se o risco do "pântano" político existe, ele está em não deixar que os mecanismos próprios do sistema funcionem.

Que o destino de um dos mais críticos momentos da Democracia Portuguesa esteja nas mãos do mais inábil Presidente que a República já produziu é uma das ironias da nossa História. Certo é que aquilo que a memória histórica ditará sobre este Presidente se vai definir pelas decisões que tomará nas próximas semanas ou meses. E que, depois desta crise, nada ficará exactamente como era antes.

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