Ellis Marsalis, o professor de música
Ellis Marsalis, Jr. em Carrolton, Nova Orleães. Imagem via City Of Color.
Há quase trinta anos trouxe-me o destino às mãos o disco The Resolution of Romance – Standard Time, Vol. 3, de Wynton Marsalis. Os standards tocados com a eloquência clássica de Wynton são uma boa porta de entrada no jazz para principiantes. Ouvi-lo ao vivo no Coliseu dos Recreios no dia 24 de Junho de 1992, com uma primeira parte servida pelo lendário Cab Calloway, que faleceria apenas dois anos depois, foi por certo uma das grandes noites musicais da minha vida.
Se é verdade que o trompete nas mãos do magistral Wynton é um bom veículo para escancarar os horizontes do género para os mais leigos, era o som do piano que verdadeiramente me deslumbrava naquelas gravações. Viria, um pouco mais tarde, a descobrir tratar-se do seu pai, Ellis Marsalis, o homem por detrás daquele cair de notas. Se todos os grandes músicos têm uma voz própria, Ellis é, ao piano, incomparável. O som que o seu dedilhar extrai é diferente de todos os outros. É como se os seus dedos fossem de veludo, ou talvez seja apenas o fruto da alma imensa daquele coração de ouro – título de um dos seus primeiros álbuns.
Harry Connick, Jr. e Branford Marsalis no alpendre do Ellis Marsalis Center for Music, edifício integrado no projecto Musicians Village construído com o apoio da Habitat for Humanity.
Uma nota biográfica no iTunes lembra com ironia que Ellis teve de esperar que os seus filhos, Wynton e Branford, se tornassem famosos para ter finalmente a oportunidade de gravar com regularidade e receber o devido reconhecimento, há muito merecido. No entanto, perseguir uma carreira a solo ou partir em busca da celebridade nunca parecem ter sido objectivos na sua vida. Em boa verdade, o seu coração estava no ensino, actividade que pratica na sua cidade natal, Nova Orleães, há mais de meio século.
Foi como professor que deixou o seu maior legado. Entre os seus alunos passaram nomes como Terence Blanchard, Marlon Jordan, Donald Harrison e Harry Connick, Jr., este último figura bem conhecida, dentro como fora da música. Indiscutivelmente, na obra de todos estes músicos, bem visível na entoação de trompete de Wynton ou na forma de cantar de Connick, Jr., encontramos o modo peculiar de atacar a melodia do seu mestre.
Há uma fraseologia muito própria em Ellis Marsalis, um modo de retardar aqui e ali, quase fora de tempo, o cair das notas, enfatizando, de forma subtil mas imprevisível, cada música. Diferente de infindáveis interpretações dos mesmos standards nas mãos de tantos outros músicos. Só comparável, porventura, à sua maneira, com a angularidade única de Thelonious – ainda que sem os seus demónios.
Stardust, por Harry Connick, Jr., acompanhado ao piano por Ellis Marsalis.
Pianista extraordinário, figura mítica daquela que é a genuína música clássica Americana, Ellis é, também para quem ouve, um professor generoso. Ficam ligações para algumas das suas interpretações, especialmente dedicadas para aqueles que queiram aventurar-se, talvez pela primeira vez, nas paisagens abstractas do jazz, levados pelas mãos de um dos seus melhores representantes, agora e sempre.
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