Funcionários públicos: quantos são e o que fazem?
Imagem via Ladrões de Bicicletas.
Os dados divulgados recentemente pelo Eurostat vieram provocar celeuma em alguns políticos e comentadores que, ainda há dias, clamavam que os funcionários públicos preenchiam quase um quarto da população activa em Portugal. Esse número, afinal, não chega a 15%, situando-se claramente abaixo da média da União Europeia.
Mas quantos são e o que fazem os funcionários públicos? Dados da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) relativos a dezembro de 2020 dizem-nos que são aproximadamente 719 mil funcionários de um universo de 5,16 milhões trabalhadores (população activa – PORDATA), estando cerca de 3/4 na Administração Central e 1/4 na Administração Regional (Açores e Madeira) e Local.
Se analisarmos o peso remuneratório destes trabalhadores ajustado à média salarial verificamos que a Administração Central preenche mais de 4/5 (83%) do volume em salários, e que a Administração Local (308 autarquias) pesa apenas 12%.
Este dado é interessante quando consideramos a forma cega como foram aplicadas restrições à contratação de novos trabalhadores ou a extinção de cargos de direção intermédia na gestão local, provocando disfunções previsíveis na sua organização e danos evidentes na sua capacidade operacional, sem se ter em conta o reduzido impacto que tal teria nas contas públicas. Muito estrago para nenhuma poupança.
A distribuição do emprego na Administração Central por sectores permite identificar as áreas que mais empregam. A Educação é claramente o maior sector mas importa ter em conta que muito do emprego na Saúde está afeto ao Sector Empresarial do Estado (médicos e enfermeiros em Hospitais E.P.E.). Nas denominadas “Entidades do Sector Empresarial Reclassificadas em Contas Nacionais" encontramos ainda, para além das afectas à área da saúde, entidades do sector dos transportes, da reabilitação urbana, da gestão de infraestruturas, águas e saneamento, da área financeira, da defesa, entre um vasto conjunto de outras actividades.
A alocação de uma parte expressiva do pessoal afeto ao Sector Empresarial do Estado na área da Saúde é confirmada pela análise da distribuição do emprego segundo o cargo. Verifica-se assim que a Educação, a Saúde e a Segurança/Defesa ocupam cerca de 45% do emprego público – havendo ainda a considerar o volume de técnicos auxiliares que estão de igual modo afectos ao ensino e à saúde.
Se considerarmos apenas a Administração Central, a Educação, a Saúde e a Segurança/Defesa preenchem mesmo mais de metade do número de funcionários. Segue-se o peso das áreas operacionais e auxiliares onde encontramos muitas tarefas essenciais (os tais trabalhadores que não puderam ir para teletrabalho), que ocupam 17% da Administração Central e 46% da Administração Local.
Talvez a divulgação dos dados comparativos do Eurostat venha refrear o discurso demagógico com que alguns sectores da actividade política têm procurado atacar o Estado. Se a pandemia parece ter afastado, momentaneamente, o SNS da captura por interesses privados, a Educação parece ser agora o alvo de partida. Quem alimenta este discurso, com alusões implícitas e por vezes mesmo explícitas ao tempo da Ditadura, não está preocupado em preservar a saúde e a escola públicas, nem o vasto leque de serviços essenciais que o Estado presta aos portugueses – nem está, tão pouco, empenhado em melhorar a sua qualidade de resposta, as competências e as condições de trabalho e organização das suas estruturas.
Todos os gráficos (com excepção do primeiro) foram feitos por mim com base nos dados da DGAEP. Para maiores formatos contactar por email.
Quem chora pelas mulheres de Damasco
Imagem: Talal Moualla.
O que se passa no Afeganistão é uma tragédia. Uma tragédia que é o corolário de vinte anos de guerra em que morreram 241 mil pessoas, das quais 71 mil eram civis.
Como denuncia o projeto Costs of War do Watson Institute, no Afeganistão os Estados Unidos gastaram mais de 2 biliões (milhões de milhões) de dólares de um total de 6,4 biliões dispendidos pelos EUA no Médio Oriente desde o 11 de Setembro.
Se esta verba astronómica é suportada pelos contribuintes norte americanos (presentes e futuros) alguém a ganhou. Tal como os afegãos, os cidadãos norte americanos também são espoliados destas guerras. Os seus vencedores são os poderosos agentes económicos que vivem da guerra interminável e dela se alimentam.
Sob qualquer análise racional estas guerras são insustentáveis e indefensáveis. Resta assim em sua defesa o apelo à emoção, de preferência com recurso a técnicas de chantagem emocional: o medo, a culpa, a humilhação. O método é bem conhecido e sabe-se que funciona. Repetir a mensagem de forma contínua, com cada vez maior intensidade, até que a resistência cesse. Até que a aceitação se torne o caminho do menor esforço. É assim que as rodas dentadas da propaganda manipulam a população, até que esta não só aceite mas defenda aquilo que é contrário aos seus próprios interesses.
Acharemos mesmo que os interesses que se alimentam da guerra – o "complexo industrial-militar", como o definiu Eisenhower no seu último discurso – e que devoram 700 mil milhões de dólares por ano, não têm influência sobre aquilo que vemos na comunicação social? Também não aprendemos nada com a História? A Operação Mockingbird nunca existiu?
O que se passa no Afeganistão é uma tragédia.
Mas porque choram pelas mulheres de Cabul e não choram pelas mulheres de Damasco?
Mulheres que vivem há uma década debaixo da sombra de uma guerra em que o ocidente fez seus proxies (por intermédio da Arábia Saudita) "rebeldes" jihadistas com ligações à Al Qaeda (Al-Nusra Front, Jaysh al-Islam, Hay'at Tahrir al-Sham, etc...).
O que aconteceria a estas mulheres, maioritariamente muçulmanas mas também cristãs (porque na nação secular da Síria existe uma comunidade cristã) se a Operação Timber Sycamore delineada pela CIA tivesse tido sucesso e os fundamentalistas ocupassem Damasco?
Sabemos o que aconteceria, porque aconteceu às mulheres de Idlib, de Alepo e de outras regiões durante a ocupação "rebelde".
Chorámos pelas mulheres de Alepo quando estes radicais ocuparam a cidade? Chorámos com os relatos (que não vimos na comunicação social mainstream ocidental) de escravidão e de tortura?
De que lado estávamos quando as tropas Sírias reconquistaram Alepo? Porque lhe chamámos de massacre, quando, contra idênticos inimigos, vimos em Mossul uma libertação?
Por quem chorámos ontem? Por quem choramos hoje?
Quem escreve a narrativa do mundo?
O que se passa no Afeganistão é uma tragédia. Mas a solução não pode ser colocada nas mãos daqueles que doutrinam os seus povos à ideologia da guerra interminável e com ela lucram.
A guerra é parte do problema. Não é, e não será nunca, a solução.
Sobre este tema recomendo a visualização do documentário Breaking the Silence: Truth and Lies in the War on Terror (2003), dirigido por John Pilger.
Subscrever:
Mensagens (Atom)