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Há mundos que se perdem. Pelo menos, para o sempre que duram as nossas vidas. Talvez o mundo perdure para lá das frequências rádio, telemóveis, internet e GPS. Mas esse mundo estará para sempre perdido no tempo que nos é dado, eternamente curto.
Em Biplane, o escritor aviador Richard Bach escreveu sobre um desses mundos. É um belo livro de viagem, daqueles para ler na edição paperback na língua original, e de que hoje me resta uma pálida lembrança com rugas e nódoas de inter-rail. É a história de uma viagem de avião, de costa a costa, num biplano Detroit Ryan Speedster, modelo Parks P-2A de 1929 – porque nestas coisas os pormenores são sempre importantes. Melhor, é a história de uma viagem a bordo de uma máquina do espaço e do tempo, aos primórdios da aviação a motor, da navegação à vista, de ventos cruzados fatais e de aterragens destemidas ao pôr-do-sol em campos perdidos da grande América. É uma viagem fascinante, de vida ou morte, como só sabem contar aqueles que viajaram para muito longe e de lá, de alguma forma, nunca mais voltaram.
Saint-Exupéry é um desses homens, perdido que andou no deserto mais profundo da Líbia e no frio mais cruel dos Andes onde padeceria a vida o seu grande amigo Henri Guillaumet. Essa grande história imortalizou o escritor francês, igualmente apaixonado pela aviação, no livro Terre des Hommes, testamento de muitas viagens e outros tantos mundos perdidos.
De certo modo, é também disso que escreve Miguel Sousa Tavares no seu mais recente pequeno livro, No Teu Deserto. Pois que nos esquecemos que o manto de tecnologia nos consome e retira mundos ao mundo, com a subtil rapidez com que os telemóveis e os GPS processam os seus automatismos para encontrar redes invisíveis. Existirá o deserto ainda, hostil e profundo, que nos reduza à dimensão humana de estar só no vazio?
Sousa Tavares descreve uma derradeira viagem ao vazio onde duas almas se podem encontrar, apenas e só. Essa viagem conhecíamos já de uma das suas crónicas do Sul, que regista exactamente o trilho da Pista para Tamanrasset. A sua companheira de aventura, Cláudia, está lá nas entrelinhas. No Teu Deserto encerra essa bela, terrível, inesquecível viagem. Ao último deserto, sem regresso.
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Image credits: Bila Nina.