Street View, a privacidade e os portugueses


Apesar das aparências, a escultura de João Cutileiro é o único conteúdo pornográfico desta imagem (entretanto retirada do Google Street View).

Muitos portugueses parecem ser sensíveis quanto à possibilidade de se verem fotografados nas ruas e praças das nossas cidades. Os outros, presumo, estão a publicar fotos no Facebook em fato de banho. Seja como for, de tempos a tempos regressa a polémica sobre as questões da privacidade no que respeita à filmagem e captura de imagens em locais públicos, tema que chega a motivar inquietação em certos sectores partidários e da opinião pública.

Os motivos que sustentam essas tomadas de posição são discutíveis, em especial quando estão em causa razões de segurança como a investigação criminal, a dissuasão do vandalismo ou a prevenção de incêndios, apenas para citar alguns exemplos. De resto, ou algo me está a escapar, ou não tenho em conta que os portugueses sejam um povo assim tão interessante, dedicado à prática de actividades de questionável recorte em plena via pública. Certo é que, no caso do serviço Street View, a diligente Comissão Nacional de Protecção de Dados não parece disposta a cessar de colocar entraves à recolha de imagens pelo Google.

O interesse público do Street View não é difícil de demonstrar. Tendo em conta que o Código Civil Português contempla o direito ao registo de imagem no âmbito da reprodução de lugares públicos, bem como para fins didácticos ou culturais, e que o Google tem a preocupação adicional em desfocar as caras das pessoas bem como as matrículas dos automóveis, dificilmente se pode alegar que o Street View viole o direito à imagem estabelecido pela nossa legislação (Artigo 79º do CCP). A CNPD alega a falibilidade do software de edição automática de imagem do Google, existindo casos em que a desfocagem não é plenamente sucedida. Como resultado, Portugal continua uma espécie de deserto no mapa azul do Street View, juntando-se à Alemanha, Irlanda e Luxemburgo para fazer parte do grupo de melindrosos da Europa Ocidental. Salva-se Lisboa e Porto, porque até na Internet o resto é paisagem.

Logicamente insustentável

Sentado na área de restauração de um qualquer centro comercial dou por mim a observar as pessoas que me rodeiam. A reduzida disponibilidade de mesas livres origina uma pequena altercação entre um casal que se abeirava de uma mesa vaga, de tabuleiros na mão, e um outro grupo que se antecipou para reservar a mesa e não arredou pé. Eis um pequeno exemplo da nossa falta de atenção para a vida em comunidade. Não apenas pela faceta comportamental do episódio, mas pela própria lógica que lhe está assente.

Consideremos que duas pessoas ocupam uma mesa de dois lugares durante dez minutos, em média, para uma refeição. Isto significa que cada mesa terá uma utência máxima de doze pessoas por hora.
Imaginemos agora que cada um desses pequenos grupos decide reservar a mesa, tomando cinco minutos de espera (enquanto cada um vai buscar a sua refeição) e depois dez minutos para comer, num total de quinze minutos. Cada mesa passou agora a ter uma utência máxima de oito pessoas por hora, o que corresponde a uma redução para dois terços da capacidade inicial.

Independentemente do rigor dos números deste exercício, é certo que quanto mais pessoas reservarem as mesas, menos estarão disponíveis. Perante este facto – a percepção de que existem cada vez menos mesas disponíveis – mais pessoas estarão tentadas a fazer o mesmo. Ou seja, o mau comportamento promove o mau comportamento. E aquilo que parece fazer perfeito sentido, numa lógica individual, tem como resultante colectiva uma forma de insustentabilidade. No final, quando todas as pessoas adoptarem este comportamento, não existirão mesas disponíveis para todos.

Talvez não seja razoável alimentar a expectativa que as pessoas tenham presente a matemática na sua tomada de decisões pessoais. Mas devíamos questionar o modo como os comportamentos se estabelecem “por defeito”, no centro comercial, na estrada, na vida em geral, porque são essas pequenas lógicas adquiridas, sem qualquer sustentação, que são as mais difíceis de demover e os verdadeiros obstáculos a todas as campanhas de formação e informação com que julgamos poder resolver muitos problemas. Não estou a dizer que sei como fazê-lo, tão só que me parece uma tarefa bem mais difícil do que pode parecer à primeira vista.

Editorial

Dizem que os blogues, quando abandonados pelos seus autores, morrem. Assim pensava eu também, antecipando o abandono gradual de leitores, inevitável, perante a incapacidade em continuar a escrever que dominou a minha vida pessoal nestes últimos tempos. No entanto, fazendo essa coisa tão inconfessável como consultar as estatísticas, fui observando o regresso de leitores durante este mês de Setembro. Como deixar de imaginar o que lhes passará pela cabeça? Devem perguntar-se: afinal o que aconteceu com este tipo? Isto acaba assim, sem mais nem menos, sem uma palavra?
A Internet, é certo, tem vida própria. Bastaria olhar para a minha conta no Facebook, que raramente visito, mas que continua a crescer muito para lá do razoável. Mais de duzentos amigos? Este não sou eu com certeza!

Sei que com o blogue é diferente. Por aqui vão passando aqueles que me foram acompanhando por entre dilemas de edição, mudanças de humor, português e inglês, altos e baixos. Alguns deles, que eu não conheço pessoalmente, foram fazendo chegar um feedback de reclamações surpreendentemente afectivas, através de amigos e conhecidos e por email. Por isso me é devido um agradecimento a todos, individualmente, que me visitam com regularidade, não esquecendo aqueles que vão aguardando em silêncio pelo regresso do blogue. Foi a pensar em vocês que comecei igualmente a pensar nas razões porque comecei a escrever este blogue em primeiro lugar e a desejar escrever novamente.

Celebrando uma espécie de retorno às origens voltei um pouco atrás na formatação da página. Também voltarei a escrever mais em português deixando as traduções, quando disponíveis, apenas na página alternativa do bA para melhor facilidade de leitura. O meu outro blogue escapista, dedicado a desenvolver alegremente a minha costela uber geek, continuará exclusivamente em inglês – e está a crescer rapidamente. De resto, mesmo quando não estou a escrever, estou quase sempre a ler, disponibilizando as coisas mais interessantes na página de itens partilhados do google reader, sempre acessível.

Até já…