Arquitectos promovem Manifesto a favor da Parque Escolar

No momento em que se tornou público o Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas à Parque Escolar EPE, dando a conhecer a dimensão do desvio orçamental do Programa de Modernização das Escolas com Ensino Secundário, eis que me chega a notícia de um Manifesto pró-Parque Escolar promovido por arquitectos, presentemente em circulação por entre diversos ateliers de arquitectura.
O documento, intitulado A Renovação do Parque Escolar – Uma Obra Essencial, pode ser lido e descarregado aqui.

Com pressupostos benignos na sua aparência, trata-se de uma iniciativa que vem desmultiplicar os dados já revelados no anterior relatório da Inspecção Geral de Finanças, branqueando as disfunções de programação, gestão e execução daquele programa a troco de uma muito débil argumentação retórica.
Num momento de profunda crise financeira e económica, em que o rigor dos programas de investimento deve ser uma prioridade inquestionável, este documento é um mau contributo para firmar junto da opinião pública a imagem de uma classe que tantas vezes se deseja reconhecida como motivada por causas e pelo desígnio do serviço público.

Sobre este manifesto recebi o contributo de um leitor do blogue, um arquitecto devidamente identificado, texto que publico na íntegra por subscrever as preocupações e o sentido de um justificado desassossego. Aqui fica para a reflexão de todos.

Concordando com a maior parte dos inatacáveis ‘considerandos’ não posso no entanto apoiar, na qualidade de contribuinte e em pleno exercício de cidadania num país falido, as conclusões e a exigência de se prosseguir com um processo de reabilitação de estabelecimentos de ensino com base nos mesmos pressupostos que já se provaram estar completamente errados e desfasados da realidade nacional. Mesmo que decorram da aplicação de leis em vigor.

Concordar com este ‘Manifesto’ tout court, seria o mesmo que dizer: “Apesar de ter havido uma programação desajustada da realidade financeira mas muito conveniente a certos lóbis de fabricantes de materiais de construção (AVAC, por ex.), de corporações profissionais, de projectistas contratados de forma discutível e de empreiteiros ‘do costume’, prossigamos pois na asneira até que se alterem as leis.”

O silêncio corporativo das Ordens profissionais de Engenheiros e Arquitectos é aliás absolutamente ensurdecedor! Já para não falar dos gabinetes de projectistas envolvidos e que em situação de carência de trabalho aceitaram o que a PE lhes impôs, comendo e calando para garantirem financeiramente a sua existência apesar dos atrasos nos pagamentos e das autênticas ‘sopas da pedra’ em que as prestações de serviços se transformaram. Por isso, quantos deles ousam agora vir a terreiro ‘pôr a boca no trombone’?

A Parque Escolar é assim mais um exemplo de uma intervenção politicamente irresponsável quando foi atrás da cenoura dos dinheiros a “fundo perdido” da UE sem cuidar das consequências na aplicação de leis com impactos significativos nos custos de construção e da manutenção. A saber: RCCTE - RSECE - Ruído - SCIE - Acessibilidades, etc., etc.
O que é que interessa virem agora dizer no Manifesto, tal como alegadamente a IGF também faz, que a derrapagem não é assim tão significativa, quando os números em valor absoluto são simplesmente ASTRONÓMICOS!! Mais um caso em que o passo dado foi maior do que a perna.

Gradualmente passámos da era do vale-tudo-pato-bravo na construção civil, para sermos os mais modernos exportadores de emigrantes ‘qualificados’ (serão assim tanto?).
Para além de um exercício suicidariamente caro e diletante, interrogo-me para que serve uma geração de os jovens escolarizados em belos estabelecimentos de ensino, quando a economia, entretanto destruída, dificilmente proporcionará nos próximos anos as condições e o lugar para essa geração pôr em prática as suas aptidões.
Este país, além de não ser para velhos, é-o muito menos para… novos.

É pois completamente inaceitável que os profissionais do nosso sector aceitem cega e apoliticamente as leis que têm vindo a ser geradas em catadupa pela UE para satisfazer interesses inconfessados, leis estas que transitaram em copy paste para o ordenamento jurídico nacional e com consequências materiais tão significativas e não ponderadas!
Sempre ouvi dizer que “quem não tem dinheiro não tem vícios”. O problema é que temos. E muitos. Tantos quanto os nossos “telhados de vidro”.

E já agora pergunto aos putativos ‘manifestantes’ pró-Parque Escolar:
- Porque será que o Regulamento Geral de Edificações Urbanas está para ser revisto e actualizado há décadas??
- Porque será que a legislação aplicável ao urbanismo e à construção tem vindo a ser publicada avulsamente e às pinguinhas??
- Porque será que o actual Regime Jurídico de Urbanização e Edificação com uma pseudo-embalagem muito ‘simplex’, obriga os promotores a investirem ‘à cabeça’ em projectos completos, em técnicos responsáveis de tudo e mais alguma coisa e a vínculos com empreiteiros sem qualquer garantia (apesar dos Pedidos de Informação Prévia) de que os empreendimentos venham a ser deferidos pelas entidades que tutelam os respectivos licenciamentos?? Sim porque ele há sempre uma não-conformidade bem escondida que espera por si e que estraga tudo.

Tudo isto não é por acaso. Basta pensar nas conveniências para alguns peões pouco escrupulosos e no exercício dos proverbiais ‘pequenos poderes’ deste jogo de influências, que é ter uma legislação obsoleta, ou opaca, ou ainda asfixiante pelos riscos que impõe a quem empreende, para nos apercebermos do excelente húmus onde tem germinado a viçosa corrupção nacional.
Julgam que é só por incompetência dos sucessivos governantes?? Não sejamos ingénuos a esse ponto.

Planeamento em Portugal é pretexto dos governantes (centrais ou locais) para criar ‘comissões’ que fazem ‘estudos’ que, ou de nada servem porque não se implementam, ou então, ainda mais discutivelmente, servem para empregar os boys ou empresas de consultoria em regime de outsourcing. Exemplos? Para isso tinha que me dar ao trabalho de anexar a esta conversa uma drive externa de 1TB completamente cheia de ficheiros zipados.

Pergunto também por fim: alguém nos últimos 30 anos teve alguma IDEIA para o nosso país que durasse mais do que a validade dos iogurtes ou, vá lá, para não ser demasiado severo, mais do que o tempo de duração de um governo ou de uma legislatura?
Houve alguns. Mas esses foram rapidamente arredados da ribalta por serem demasiado incómodos, ‘senis’ ou ‘idealistas malucos’.

O “MANIFESTO” agora a circular é pois um tiro de pólvora seca que serve apenas para perpetuar alguns equívocos. Façam pois o favor de acordar, porque (correndo o risco de assumir uma posição completamente fora de moda entre os projectistas) esta é mais uma questão política que temos desassombradamente o dever de enfrentar e resolver, em primeiro lugar como cidadãos e depois como profissionais… antes de reagirmos na qualidade de falsas ‘virgens ofendidas’.

Isto porque, para este ‘peditório’ já dei.

A.D.I.

2 comentários:

  1. Adorei o seu blog, meus parabéns, ótimo conteúdo e temas diversos.

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  2. Apoiado a 100%, o "anti-Manifesto" do Arq. A.D.I.

    Fátima C. Dias

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