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Uma vista da Cidade das Artes e das Ciências, do arquitecto Santiago Calatrava. Os custos do empreendimento escalaram de uma estimativa inicial de 625 milhões para 1280 milhões de euros, de acordo com a imprensa local. Considerada em tempos uma referência da nova grandeza económica de Espanha, a região mediterrânica de Valência tornou-se o símbolo de tudo o que está errado no país. Anos de despesismo, conjugados com os efeitos do colapso da bolha imobiliária e dos bancos locais, colocaram Valência à beira do resgate pelo governo central – que enfrenta os seus próprios problemas financeiros. A implosão do sector da construção trouxe a público a denúncia de casos de corrupção envolvendo políticos, promotores imobiliários e banqueiros, durante uma década de dinheiro facilmente acessível a baixas taxas de juro após a entrada de Espanha no euro em 1999.
A reportagem do The Atlantic é testemunho da dimensão política do trabalho editorial. A exposição de uma simples imagem convoca-nos para um facto perturbante: que a crise também pode ter uma face moderna – em linguagem política. Esse era também o tema de fundo de um dos mais populares documentários de Jordi Évole – Cuando Éramos Cultos – onde se faz o retrato exaustivo da bolha cultural de Espanha. Grandes projectos de arquitectura, notáveis no desenho e na dimensão, da autoria de alguns dos mais reputados arquitectos mundiais, revelam-se agora empreendimentos cronicamente deficitários. Cascos que se tornam pesadelos financeiros para as suas regiões e impedem o investimento efectivo em cultura – nos agentes locais, nas iniciativas e nos equipamentos que chegam de facto às pessoas. São, afinal, eucaliptos culturais que secam tudo à volta, dando razão às palavras do escritor e músico galego Antón Reixa: Cultura é gente fazendo cultura e gente usando cultura. Isto são tijolos.
Estaremos nós assim tão longe desta realidade? Com que belas fachadas se poderiam também compor os nossos retratos da crise?