Arquitectos a mais

Não há arquitectos a mais; há arquitectura a menos. – A frase vem a terreiro, de tempos a tempos, para aliviar consciências. Serve de pouco. O mercado de trabalho de arquitectura encontra-se numa condição indisfarçável de dumping.
Se agora se fazem ouvir algumas vozes de preocupação poucos foram os que no passado se manifestaram. A actividade viveu encostada às iniciativas de promoção pública e privada, alimentando-se de cumplicidades políticas e da economia do endividamento que marcou as últimas décadas.

Enquanto rolava o dinheiro do Estado ninguém se queixou. O discurso dominante da profissão sempre fez por ocultar a nudez da realidade sobre um manto diáfano de excelência – Expo98, Capitais da Cultura, Euro 2004, Polis, Parque Escolar… O saldo deste “modelo” aí está à vista de todos. Se o colapso do sector imobiliário é trágico, no caso da obra pública a situação é mais grave pela dimensão ética dos erros e o custo financeiro que deles pende sobre o presente e o futuro.

As Universidades aproveitaram a conjuntura para abraçar sem escrúpulos a massificação académica. Se há procura – não de emprego mas de curso – logo há oferta. O ensino universitário, público e privado, tornou-se num negócio puro e duro sem qualquer correlação com o mercado de trabalho ou sentido de auto-regulação.
Ano após ano largas centenas de jovens preenchem as vagas do curso de arquitectura e este não foi excepção. Curiosamente, enquanto nos cursos de engenharia a retracção de candidatos é já expressiva, o mesmo não sucede com a arquitectura. De pouco importa às Universidades estarem a formar profissionais, de forma mercenária, para trabalhar em call-centers. O título de “arquitecto” continua a vender ainda que, em boa verdade, já só lhe reste o panache. No mundo real é sinónimo de mão-de-obra barata e assim ficará durante esta década.

O contexto da profissão é por isso, hoje, um contra-senso. A arquitectura tornou-se numa actividade sobre a qual impendem pesadas responsabilidades jurídicas, no mesmo momento em que sofre um processo de desvalorização sem precedentes. O próprio Estado acaba por actuar como agente dessa desvalorização forçando de forma pouco responsável as condições de prestação de serviço, custos de projecto e de obra a níveis incompatíveis com uma exigência mínima aceitável de qualidade.
É um caminho perigoso que terá consequências a prazo; antes fazer mais devagar mas fazer bem do que projectar rápido, barato e mal. Mas se quisermos assacar responsabilidades sobre tudo isto, na conjuntura em que estamos a viver, temos de olhar para os erros passados de muitos: políticos, sim, mas também academias, ordem, empresas, arquitectos. Poucos ficam bem nesta fotografia.

2 comentários:

  1. Caro,

    Sigo o blog desde que iniciei o curso de arquitetura no Brasil, e pela primeira vez decici fazer um comentário.
    Como brasileiro esse post me assusta e unindo esse ao outro que li recentemente, falando queos diplomas brasileiros e portugueses de arquitetura e engenharia serão convalidados, fico com medo do que esta por vir, o nosso mercado estavel para nós, com certa dificuldade para alguns, e a entrada massiva de estudantes de arquitetura aí, tudo me diz que em algum tempo teremos mais arquitetos portugueses no nosso difícultoso mercado do que já temos.
    Isso não é um problema quando o mercado é capaz de absorver, mas quando está da maneira que hoje se encontra isso é sim um possível problema.

    Um alô de um leitor brasileiro de lonfgs data,

    Gabriel

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  2. "Às vezes inverto aquela máxima e digo que o optimista é um pessimista mal informado. Eu sujo as mãos, mas faço-o descomprometidamente."
    © Manuel António Pina

    Quando ainda estudava, o cenário sobre como as coisas estavam, não era camuflado. Uma profissão onde já se assistia a uma saturação de mercado, a dita "crise" chegava não por falta de capital, mas por excesso de pessoas.

    A Arquitectura dá status, para muita gente ser-se arquitecto é ser tratado como senhor arquitecto, é ter um desemprego com título, não somos desempregados, somos arquitectos sem trabalho. No entanto, a Arquitectura nunca foi o glamour que muitos correm atrás, aliás é muito mais séria do que outra coisa qualquer que possam pensar. O arquitecto, é o tipo que trabalha sem horários, esfalfa-se para cumprir exigências de todos os lados e ganha o que lhe pagam, para pagar as suas contas, por isso, a frase do António Pina não podia cair aqui melhor.

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