A legislação mais avançada do mundo
Por ser uma área que sempre me interessou reuni, ao longo dos anos, uma bibliografia vasta sobre arquitectura escolar. Pesquisei e recolhi muito material gráfico de projectos de referência, exemplos de boas-práticas levadas a cabo um pouco por todo o mundo, e nunca vi em qualquer uma dessas escolas tectos forrados a tubos como aqueles que temos vindo a edificar com o nosso Programa de Modernização do Parque Escolar.
É uma observação empírica e vale o que vale, mas uma coisa é certa: independentemente de existir ou não um erro de dimensionamento no Regulamento dos Sistemas Energéticos de Climatização em Edifícios (RSECE) os parâmetros de ventilação utilizados são muito elevados quando comparados com outras recomendações internacionais.
Ao contrário do que acontece na generalidade das outras legislações estrangeiras analisadas, em que as especificidades, em termos da rotina diária de ocupação e das características antropométricas da população ocupante, foram tidas em conta na fixação dos caudais mínimos de ar novo, isso não se passa com a legislação portuguesa. Na generalidade dessas legislações, os valores dos caudais de ar novo por ocupante nas escolas situam-se na ordem de 60% a 70% do prescrito pelo RSECE (…).
Fraga Carneiro, Implicações do RSECE nos projectos: custo inicial, de manutenção e exploração.
Olhemos bem para estes números. Tomando por base o estudo apresentado pelo Eng. Fraga Cardoso o RSECE define caudais de ventilação de ar inflacionados, num factor de uma vez e meia, quando comparados com os valores utilizados em outras legislações estrangeiras.
Outro aspecto importante a ter em conta prende-se com o impacto que a aplicação de ventilação natural tem na gestão energética dos edifícios. A ventilação natural permitiria alcançar uma redução das necessidades de ventilação mecânica superior a 50%, ou seja, uma poupança notável ao nível dos custos de obra (em equipamentos e instalações técnicas) e de gestão futura (em consumo e potência instalada). No entanto, como a legislação nacional parametrizou apenas o cálculo da ventilação mecânica, a ventilação natural e a ventilação híbrida têm sido liminarmente ignoradas nos projectos de engenharia da especialidade.
O esforço de recuperação dos edifícios escolares, pela grandeza da obra envolvida, merece uma reflexão cuidada, no sentido de evitar exageros no dimensionamento das instalações, não devendo soluções de engenharia como a ventilação natural ou a ventilação híbrida ser totalmente esquecidas ou ignoradas na fase de projecto pelo facto de a recente legislação nacional não as ter contemplado com o mesmo grau de detalhe que contemplou a ventilação puramente mecânica. Os custos futuros de funcionamento e manutenção das instalações devem claramente ser tidos em conta, assumindo-se que uma obra de engenharia deve representar o melhor compromisso relativamente a vários aspectos, nomeadamente a eficiência energética.
A opção pelos sistemas de ventilação exclusivamente mecânica não pode ser a única possibilidade aberta pelo enquadramento legislativo (…). Refira-se, por exemplo o facto de nos países escandinavos ser limitada a potência específica dos ventiladores instalados a um valor máximo de 2.5 kW por m3/s de caudal, de modo a incentivar, tanto quanto possível, o recurso aos processos de ventilação natural.
Fraga Carneiro, Implicações do RSECE nos projectos: custo inicial, de manutenção e exploração.
É importante que todos compreendam o que está aqui em causa. O sobredimensionamento dos sistemas mecânicos de ventilação de ar tem um efeito em cascata sobre os custos de construção e gestão de um edifício. Custos directos, por um lado, pela sobrecarga das instalações e equipamentos técnicos. Mas, acima de tudo, um acréscimo pesado de custos indirectos, tanto ao nível dos equipamentos de ar condicionado que vão garantir o controlo térmico daquela ventilação como da infraestrutura eléctrica e da potência instalada que vai assegurar o seu funcionamento. Tudo isto se traduz em gastos não apenas para a construção do edifício mas para a sua gestão corrente durante toda a sua restante vida útil.
Ao desprezarmos as soluções de ventilação natural e ventilação híbrida no interior dos edifícios, como temos feito até aqui, estamos a cometer um crime ambiental sem precedentes na política de obras públicas. Significa, sem meias palavras, que para efeitos de cálculo de renovação de ar estamos a projectar edifícios como se não tivessem janelas. Estas más práticas, associadas aos parâmetros de ventilação já de si inflacionados do RSECE, têm como consequência um desastre financeiro e energético inevitável.
Vale a pena retomar as palavras do Eng. Oliveira Fernandes, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, que já em 2011 denunciava este problema numa reportagem do programa Biosfera sobre as obras do Parque Escolar:
Nas escolas em Portugal em 2010 aplicam-se conceitos que eram típicos dos Estados Unidos nos anos 60, que é uma vez que instalamos ar condicionado não deixamos abrir as janelas para não perturbar o funcionamento do sistema. E isto está a acontecer.
As gestões das escolas não vão ter recursos para ter esses sistemas a funcionar e como todo o espaço foi organizado em função daqueles equipamentos, o conforto e as condições sobretudo ambientais e de saúde para os cidadãos vão ser naturalmente piores do que as que eram nos edifícios antigos.
O que se esperaria, no momento em que se decide investir qualquer coisa como três pontes Vasco da Gama na remodelação das escolas, o que se exigiria era que se pusesse 5% ou 10% ao lado para garantir que essas escolas fossem as melhores escolas do mundo para os próximos 30 a 50 anos em Portugal, não na Finlândia. Nós não estamos a falar de climatizar igloos ou de pôr ar condicionado como se estivéssemos na Florida ou em Luanda.
Eis afinal o que temos feito, em nome, nada mais, nada menos, do que da eficiência energética.
Imagens via Implicações do RSECE nos projectos: custo inicial, de manutenção e exploração, Fraga Carneiro, 10.as Jornadas de Climatização – A Eficiência Energética, a Qualidade do Ar e a Climatização nas Escolas, Ordem dos Engenheiros, 2010.
O misterioso erro de dimensionamento do RSECE
Diz-se por aí à boca fechada que o RSECE (Regulamento dos Sistemas Energéticos de Climatização em Edifícios), publicado em Abril de 2006, poderá conter um “erro de dimensionamento” com efeito sobre os crítérios de ventilação interior dos edifícios. A ser verdade poderá estar em causa um erro de conversão de unidades de que resultarão exigências superiores ao triplo em relação aos parâmetros utilizados como referência, extraídos a partir de normas técnicas norte-americanas. Poderemos estar assim a impor a nós próprios exigências de ventilação erradas e grosseiramente inflacionadas, com consequências trágicas para o custo, gestão e manutenção de todos os edifícios projectados e construídos ao abrigo desta legislação, que continua em vigor.
O assunto é um verdadeiro mistério. Na revista Indústria e Ambiente (n.º64, Setembro/Outubro 2010) encontramos uma vaga alusão a este problema, tomando como exemplo o caso dos novos edifícios escolares:
Neste momento, têm exigências de entrada de ar novo brutais, muito superiores ao que é exigido nos restantes países europeus, porque houve um erro de sobredimensionamento. Isto faz com que seja preciso arrefecer e aquecer ainda muito mais as salas de aula. Se funcionar como está na lei, os custos de climatização nas escolas vão triplicar.
A ser verdade, repito, o que está em causa pode ser um verdadeiro desastre financeiro e ambiental. Em primeiro lugar porque estaremos a sobredimensionar os sistemas mecânicos de ventilação de ar, em equipamentos e tubagens, com resultado no aumento desnecessário dos custos de obra. Mas o problema não fica por aqui. Ao colocarmos mais ar ventilado no interior dos edifícios do que aquele que seria necessário, temos igualmente de garantir que esse ar é insuflado no intervalo de temperatura exigido por lei, logo estamos igualmente a inflacionar os sistemas centrais e equipamentos de ar condicionado.
Por outro lado, os projectos de AVAC têm uma incidência directa sobre os projectos de electricidade, tanto ao nível das redes como das potências previstas. Temos assim não apenas o facto das redes ficarem sobredimensionadas como resultarem também exigências de potência instalada muito inflacionadas ao nível dos quadros e postos de transformação.
A título de exemplo, temos escolas que funcionavam com PTs de 160 kVA que, depois de intervencionadas pela Parque Escolar, passaram a exigir PTs de 500kVA e 800kVA. Em situações desta natureza, desligar os equipamentos não garantirá sequer a poupança da despesa paga em energia uma vez que o fornecimento daquela potência instalada requer, por si só, um custo de contrato considerável que tem forçosamente de ser pago, quer os sistemas estejam ou não a funcionar – ou seja, quer aquela potência esteja a ser ou não utilizada.
O eventual “erro de dimensionamento” do RSECE, a confirmar-se, poderá traduzir-se num autêntico crime energético auto-inflingido pelo país, pela aplicação de uma lei criada exactamente em nome da eficiência energética. A ser verdade, teremos de nos perguntar como pode esta legislação estar em vigor, sem alteração, há sete anos.
A ser verdade, teremos de nos perguntar por que razão a entidade que tutela a política energética e a gestão do sistema de certificação dos edifícios, responsável pela credenciação dos peritos, nunca detectou esta falha grosseira das normas técnicas.
A ser verdade, teremos de nos perguntar qual o alcance deste erro em gastos financeiros, com incidência sobre promotores públicos e privados, e que medidas irá o país tomar para minimizar os danos entretanto consumados.
A ser verdade, teremos de nos perguntar quem são os responsáveis e por que motivo tarda a suspensão imediata das normas actualmente em vigor e a revisão desta legislação.
A ser verdade… Será verdade?
The long journey of the Trafaria Praia
Joana Vasconcelos, Trafaria Praia, Bienal de Arte de Veneza, Itália, 2013. Fotografia de Gabriela Vasconcelos, via O meu iPad veste Prada. Este texto só está disponível em Inglês.
It’s been a long journey for the Trafaria Praia, a Lisbon ferry converted into a floating pavilion by Joana Vasconcelos to represent Portugal at the Venice Biennale. Built in Hamburg in 1959 by the German company Schell & Johnhk, this passenger boat was decommissioned in 2011 and was parked on dock waiting to be disassembled.
The artist rescued this object of Lisbon iconography, one of several commuter boats – locally known as cacilheiros – that are used to connect the shores of the Tagus, crossing the estuary several times a day. Under the direction of Joana Vasconcelos, the Trafaria Praia has undergone a profound process of transformation in a shipyard on the outskirts of the Portuguese capital.
From the official website:
On the outside of the ship, from prow to stern, she applies a large-scale panel of azulejos (tin-glazed, blue and white, hand-painted ceramic tiles) that reproduces a contemporary view of Lisbon's skyline, from the Bugio Tower to the Vasco da Gama Tower. The work takes its inspiration from another large-scale panel of azulejos, the Great Panorama of Lisbon, which depicts the city before the legendary earthquake of 1755 and is a quintessential expression of the baroque-style golden age of azulejo production in Portugal. Vasconcelos has made other works that involve covering objects in azulejos; in doing this she evokes the material's frequent deployment in architecture.
On the ship's deck is an environment made of textiles and light. This also echoes past works by Vasconcelos, such as Contamination (2008–10) and the series Valkyries (2004–ongoing), in which organic, often colorful forms hanging from the ceiling interact with the surrounding architectural elements. This new work consists of a complex medley of blue-and-white fabrics all over the ceiling and walls, from which crocheted pieces, intertwined with LEDs, emerge to create a compelling effect. The installation suggests a surreal, womblike atmosphere or the deep ocean—something out of Jules Verne's Twenty Thousand Leagues Under the Sea, perhaps, or the Bible story of Jonah and the Whale. It envelops visitors, eliciting both an intellectual and a sensorial response.
The original Trafaria Praia before the intervention.
Construction plans.
Tile panel layout design and detail.
Tile panel (partial view), image by Tiny Domingos, via Areashape.
Interior views.
Trafaria Praia, an intruder in the realm of the Venetian Vaporetti, a Portuguese icon cruising the waters of a sibling city. The floating pavilion can be visited until November 24th. More details can be found at www.vasconcelostrafariapraia.com.
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