A política do mata-mata
Image credits: Adrià Fruitós.
Em Março do ano passado, seis anos depois da Reserva Federal Americana ter iniciado o seu programa de estímulo económico de emergência e cinco anos depois do Banco de Inglaterra fazer o mesmo, o Banco Central Europeu iniciou finalmente o seu próprio programa de expansão quantitativa (quantitative easing).
Em pouco mais de um ano, o BCE terá emitido mais de 1 bilião (1 milhão de milhões) de Euros, que aplicará na compra de títulos de dívida pública dos países da zona Euro em posse de instituições financeiras.
Este modelo de quantitative easing tem, para além do objectivo principal de combater a deflacção, dois objectivos adicionais: capitalizar os bancos com novas reservas – criando condições favoráveis para a emissão de novos créditos – e ainda pressionar negativamente os juros dos títulos de dívida do Eurosistema.
Para levar a cabo esta operação o BCE impõe, como condição prévia à eligibilidade de cada país, que a dívida destes tenha um rating superior à classificação “Ba1” – o limiar abaixo do qual passa a ser designada como “lixo” – por parte de pelo menos uma das grandes agências de notação financeira internacionais: as americanas Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch, e a canadiana DBRS.
Actualmente, apenas a DBRS atribui a Portugal uma classificação fora do patamar de “lixo”, ainda que na mais baixa categoria de investment grade. Se, numa das suas próximas revisões, a DBRS descer a notação portuguesa, o país deixará de estar em condições para poder beneficiar do programa de expansão quantitativa do BCE e os títulos de dívida pública deixarão de ser aceites como colateral nas operações de financiamento à banca nacional.
Temos assim que o BCE se auto-impõe uma condição que deixa o destino dos países da zona Euro nas mãos das agências de notação financeira – as mesmas agências que tiveram um papel instrumental na arquitectura das obrigações de investimento associadas ao mercado imobiliário, compostas por contratos de crédito sem qualidade mas validadas com a mais alta categoria de notação, produzidas pelas grandes firmas de Wall Street e vendidas massivamente a entidades públicas e privadas de todo o mundo.
A vulnerabilidade criada por essa condição do BCE é evidentemente mais lesiva para países de pouca influência externa, como a Grécia (que ainda hoje não está coberta pelo programa de quantitative easing) ou Portugal. No nosso caso, o país é deixado à mercê de uma externalidade que poderá despoletar, sem que nada de significativo ocorra na nossa economia, um inusitado alarmismo e consequências trágicas, tanto para o sistema bancário como para o Estado.
Certo é que as movimentações de bastidor que tiveram lugar em Bruxelas durante o período de discussão do orçamento entre o governo Português e a Comissão Europeia, procurando criar entraves a um desfecho favorável, fazem temer o pior. Parecem assim existir actores políticos, de partidos ditos moderados, que estão dispostos a participar activamente na instabilização da imagem externa do país, na esperança que a DBRS nos penalize da mesma forma como o têm feito as três grandes agências Americanas.
Em boa verdade, o que esta circunstância de vulnerabilidade imposta pelo BCE nos revela é o modo como o Euro não é, de facto, a nossa moeda. Os países concederam o controlo da sua soberania monetária a um órgão supranacional que, sem ter de prestar contas a ninguém, pode, a qualquer momento, congelar ou retirar a liquidez a um estado membro. A verificar-se o pior cenário – resultante do agravamento da notação da dívida Portuguesa pela DBRS – Portugal será fortemente penalizado, não por estar insolvente ou incapaz de corresponder aos seus compromissos internacionais, mas pelo simples facto de não alinhar na política fiscal desejada pela União Europeia. Ao fazê-lo, o BCE acaba por assumir um papel político, em prolongamento da acção da Comissão Europeia, que nunca, em qualquer circunstância, poderia assumir.
Infelizmente, o precedente Grego de 2015, em que o BCE não só retirou àquele país o acesso ao financiamento directo como lhe vedou a participação no programa de estímulo económico de emergência, revelam-nos que nesta Europa, tudo, até o mais impensável, é possível.
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"Em boa verdade, o que esta circunstância de vulnerabilidade imposta pelo BCE nos revela é o modo como o Euro não é, de facto, a nossa moeda. Os países concederam o controlo da sua soberania monetária a um órgão supranacional que, sem ter de prestar contas a ninguém, pode, a qualquer momento, congelar ou retirar a liquidez a um estado membro. "
ResponderEliminarE ainda bem ,caro Daniel.
A moeda nunca, mas nunca devia estar sob as autoridades políticas. O enriquecimento espectacular da Alemanha do pós guerra, deveu-se fundamentalmente à independência do Deutsche Bank.
Os alemães tinham boas razões para que o poder politico jamais pudesse ter acesso á "Impressão de Dinheiro"...
Também achei piada ao seu argumento da falta de liquidez em Portugal pela falta de soberania sobre a moeda.
cps
Rui Silva
Um breve esclarecimento. Não se diz que existe falta de liquidez em Portugal por falta de soberania sobre a moeda. O que é dito é que o BCE pode, a qualquer momento, retirar a liquidez a um estado membro, sem ter de prestar contas a ninguém. Não só o pode fazer, como já o fez no passado.
EliminarFoi o que o BCE fez à Grécia em Junho do ano passado, sem que os líderes políticos dos restantes países da Europa tivessem nada a dizer ou questionar. Na prática, o BCE excluiu parcialmente a Grécia da zona Euro, ao reduzir a sua assistência de liquidez de emergência, criando assim uma situação de calamidade no país nas vésperas do referendo de 2015. Um acto pura e simplesmente político.
Imagine-se, por contraponto, o que aconteceria se o Banco de Inglaterra decidisse retirar a liquidez aos bancos da Escócia. Uma revolta, presumo.