É o dinheiro, estúpidos! Carta aberta a João Miguel Tavares



Ao contrário do João Miguel Tavares, esta senhora sabe o que é o dinheiro.

Permitam-me o recurso a uma metáfora futebolística, figura tão recorrente no comentário político. Imagine o João Miguel Tavares – imagine o leitor – que o seu clube de futebol de eleição participa num campeonato que você sabe, à partida, estar todo viciado. Os árbitros estão todos comprados contra si, os adversários estão encharcados em “doping”, a vossa equipa tem menos jogadores à disposição. Isso, no entanto, dirão os comentadores, é “a realidade” inevitável que não vale a pena discutir nem pôr em causa – e, se o fizerem, serão expulsos da competição.
Resta-vos apenas debater qual a táctica que deverão aplicar para procurar não perder os jogos.

Boa sorte…

É um pouco isto que nos dizem também mil e um cronistas que vão pregando o fatalismo moralista da realidade. Exemplo disso é o recente texto de João Miguel Tavares no Público, repetindo aos quatro ventos o quanto estamos falidos. Pese embora o tom irreverente que lhe é habitual, o texto é mais um exemplar da ignorância típica da “economia do senso comum” com que se vai intoxicando diariamente a opinião pública.
Desagradado com a ginástica negocial que o governo português procurou estabelecer com a Comissão Europeia, o jornalista começa por dizer que não vale a pena chamar “políticas de direita” à matemática. A matemática não é de esquerda nem de direita – é apenas matemática. Falir não é de esquerda nem de direita – é apenas falir.

Acreditando que a política económica obedece a uma racionalidade ideologicamente neutra – porque os números, supostamente, não têm emoções nem têm ideologia – repete o enunciado da austeridade inevitável. A busca de um caminho político alternativo é, nesse pressuposto, uma “negação da realidade”. E assim conclui João Miguel Tavares: Negar a realidade é uma deserção ideológica: a esquerda, em vez de se colocar ao serviço daquilo que aí está (como distribuir o dinheiro que temos?), coloca-se ao serviço daquilo que não está (como distribuir o dinheiro que não temos?). Ora, este viver em permanente estado de negação da realidade é uma tragédia para o país. Falimos. Arruinámo-nos. Não temos dinheiro. Estamos de mão estendida. Antes de seguir pelo caminho da esquerda ou da direita, será assim tão difícil começar por admitir isto? Falimos. Fa-li-mos. F-a-l-i-m-o-s.

Falimos?

Como nos lembrava há alguns meses Philippe Legrain, ex-consultor de Durão Barroso na Comissão Europeia e uma das vozes mais críticas do rumo político-económico da União Europeia, os anos da “troika” deixaram Portugal com mais dívida, menos PIB, mais desemprego, mais pobreza e valores históricos de emigração.
No entanto, sendo a nossa situação objectivamente pior em 2015 do que aquela em que nos encontrávamos há quatro anos, por que motivo atingiram então os títulos de dívida pública portuguesa juros recorde, superiores a 10%, nos mesmos mercados que hoje nos financiam a juros inferiores a 3% e até a 2%?

A razão porque os juros baixaram tem explicação fácil. O Banco Central Europeu está a levar a cabo, desde o ano passado, uma gigantesca operação de “quantitative easing”, introduzindo dessa forma uma enorme pressão negativa nos juros de títulos dos países da zona Euro e facultando aos bancos reservas disponíveis para suportar a emissão de novos créditos.

Menos consensual é o motivo por que os juros tanto subiram em 2011. A resposta estará na conjugação perigosa de vários factores. Consideremos, em primeiro lugar, a inactividade das instituições da União, em particular do BCE que só iniciou o seu processo de QE em 2015, sabendo-se que os Estados Unidos o fizeram logo a partir de 2008 e o Reino Unido em 2009. A isto somou-se o agravamento violento dos “ratings” dos países mais vulneráveis da zona Euro por parte das agências de notação financeira, catapultando a subida vertiginosa dos juros dos seus títulos de dívida. As mesmas agências (Standard & Poor’s, Moody’s, Fitch) que até 2007 asseguravam “rating” triplo-A aos CDO’s tóxicos com que as grandes instituições financeiras de Wall Street quase fizeram colapsar a economia mundial.

Importa dizer que não está em causa ignorar as responsabilidades dos governos que seguiram políticas de expansionismo imprudente, colocando os seus países numa circunstância de perigosa vulnerabilidade. Mas não podemos deixar de nos interrogar sobre o motivo por que o Banco Central Europeu coloca, ainda hoje, nas suas próprias regras, o destino dos países que devia defender, na mão de tais agências financeiras.
Em boa verdade, tivessem as instituições da União agido em defesa das nações e teríamos sido poupados, no passado como no presente, a anos de austeridade empobrecedora e inútil.

Tudo isto, claro está, leva-nos por fim à grande questão que o João Miguel Tavares aflora mas é incapaz de aprofundar: a questão do dinheiro – que temos, que não temos, que define essa “realidade” tremenda que tantos invocam.



É aqui, na dimensão política, não matemática, do dinheiro, que a ignorância do senso comum se torna perigosa. Ignora João Miguel Tavares – como tantos outros comentadores – que vivemos num sistema financeiro em que a esmagadora maioria do “money stock” em circulação (mais de 95%) foi criado pelos bancos através do processo de emissão de crédito – e não pelos bancos centrais.
Eis um dos grandes paradoxos do nosso tempo: que lidamos com dinheiro todos os dias, durante toda a vida, sem conhecer o que ele é, como se cria e se introduz na economia. Na verdade, a emissão de crédito pela banca comercial corresponde à criação de dinheiro novo e não ao “empréstimo” de dinheiro já existente – como intuem erradamente tantos cidadãos.
Usando e abusando do poder de criar dinheiro “do nada”, ao abrigo dos mecanismos do “fractional reserve banking” e da sucessiva desregulamentação da actividade bancária, os bancos produziram em poucas décadas um aumento geométrico do volume de dinheiro disponível – bem como da dívida que lhe é correspondente.

Trata-se, em boa verdade, de uma trágica concessão da soberania monetária das nações. Algo que nunca foi deliberado democraticamente pelos povos ou assumido publicamente pelos seus governos, e cuja discussão está de todo ausente dos mídia generalistas. Se os cidadãos despertassem para esta outra “realidade”, talvez se interrogassem quanto aos motivos por que no contexto de moedas fiduciárias como o Euro, os Estados se colocam na contingência de se financiarem exclusivamente em instituições privadas que beneficiam da criação de dinheiro sobre a forma de crédito, em vez de se financiarem, de forma necessariamente regulada, junto de instituições centrais de natureza pública.

Ou talvez o público questionasse ainda o absurdo de uma Europa cujo banco central se permite insuflar 1.2 biliões (milhão de milhões) de euros em “quantitative easing” para o interior do sistema financeiro privado, mas que para alavancar um plano (Juncker) de estímulo económico obriga os países a financiarem-se junto da banca comercial, através da emissão de mais crédito, logo com aumento da dívida ao sector privado.

Mas tudo isto, claro está, não se enquadra no discurso moralista da “direita da realidade” que nos apresenta João Miguel Tavares e tantos outros comentadores que laboriosamente, na televisão e nos jornais, vão erguendo o mundo à frente dos nossos olhos, para nos cegar da verdade.

Adenda: para os leitores regulares do blogue, este texto não deixará de parecer revisão de matéria dada. Para os restantes, ficam ligações para artigos anteriores onde se tratam, em maior profundidade, algumas das questões aqui abordadas. A ler: O lastro; De onde vêm as dívidas; Sabia que os bancos criam dinheiro do nada? e A grande questão política do nosso tempo.

29 comentários:

  1. Excelente artigo. Parabéns Daniel.
    Fátima C.

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  2. Conciso mas abrangente e esclarecedor quanto baste!!!

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    1. Eu achei muito confuso e até errado. A banca quando empresta dinheiro ás pessoas não cria realmente dinheiro.
      Se o autor é economista devia perceber que um empréstimo figurará em duas contas. Uma conta a crédito e uma outra a débito, anulando-se respectivamente. Ou seja, na verdade nem seria necessário a existência de dinheiro fisico para que um crédito seja concedido.
      O mecanismo de criação de dinheiro acontece por outro mecanismo mais complexo, que envolve: Banco Central + Governos + Banca.

      cps

      Rui SIlva

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    2. 1. Siga as ligações na adenda ao texto, e veja os vídeos e as referências aí contidas.

      2. «A banca quando empresta dinheiro ás pessoas não cria realmente dinheiro. Se o autor é economista devia perceber que um empréstimo figurará em duas contas. Uma conta a crédito e uma outra a débito, anulando-se respectivamente.» - Falso. O que diz é verdade apenas na perspectiva da contabilidade interna do banco. Ao conceder um empréstimo, o banco cria um crédito - que constitui um passivo - e passa a deter um contrato de dívida - que passa a contabilizar como activo. Na contabilidade do banco, os dois anulam-se.
      Mas no mundo cá fora, passou a haver mais dinheiro (electrónico) em circulação, o dinheiro que o cliente recebeu e que introduziu na economia - provavelmente para a mão de outrem, e depositado depois por este (como novo activo) noutro banco qualquer. E os bancos que recebem aquele dinheiro como depósito dizem "olha, dinheiro novo. Agora podemos emprestar mais".
      Só que, por todo o dinheiro criado desta forma, existirá sempre uma dívida equivalente. Mais a incidência de juros. E quando o dinheiro criado sobre a forma de crédito ascende a mais de 90% e 95% da totalidade do "money stock", começamos a ter um problema.

      3. Não, não sou economista.

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    3. Nota-se que não é economista e que as finanças não são o seu forte. O João Tavares tem toda a razão, Falimos. E agora queremos impor as regras a quem pagou a festa. A esquerda não percebe isto. Mas os indivíduos de esquerda percebem, porque quando emprestam dinheiro querem-no de volta....irónico.

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    4. Olá Daniel, aquela parte que foca o artº 123 do Tratado de Lisboa, não é de facto esclarecida pelos comentadores de direita. Porque será ?

      Quanto à criação de dinheiro, de facto não é bem assim como o Daniel afirma. Porque na base de qualquer crédito bancário inicial estão depósitos bancários.

      O que cria massa monetária virtual são os derivados (CDOs e afins) daí é que veio o estoiro de 2008.

      A utilização das agências de rating é instrumental de facto. Todos sabemos que estas são facilmente manietadas pelos clientes. E ainda que assim não fosse, porque razão nunca se criaram agências de rating Europeias ?

      A verdade andará pelo meio do que a esquerda e a direita defendem ideológicamente. Se este contraditório é por vezes útil, outras torna-se um pouco inútil.

      Não é de todo o caso do seu texto, mas um leigo na matéria não faz milagres. Espero que não se ofenda, mas prefiro ler o que o Francisco Louçã vai escrevendo.

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    5. Anónimo [8:35]
      Se queremos ser rigorosos, “economisticamente” falando, Portugal não faliu. Em 2011 o país enfrentou uma crise de liquidez resultante da conjugação de [1] um nível elevado de dívida, [2] falta de liquidez dos mercados de crédito (na sequência da grave crise financeira de 2007/8) e [3] agravamento do rating por parte das agências de notação. Um problema de liquidez não é uma falência do país e o que a “política da austeridade” fez foi resolver um problema de liquidez transferindo-o para um problema de solvabilidade.
      O mesmo seria dizer a uma família em dificuldades para pagar as suas prestações que lhe resolvemos o problema dando-lhe um cartão de crédito, do qual poderia fazer levantamentos para pagar as despesas dos próximos meses.
      Os indivíduos de esquerda (como, suponho, os de direita) quando emprestam algo que têm, querem-no, em princípio, de volta. O caso dos bancos é diferente. Os bancos emprestam… corrijo, vendem, a preço de juros, algo que, efectivamente, não têm. E chamam a isso um “empréstimo”.

      CMS
      «Quanto à criação de dinheiro, de facto não é bem assim como o Daniel afirma. Porque na base de qualquer crédito bancário inicial estão depósitos bancários.» - Errado. Errado, errado, errado. «O que cria massa monetária virtual são os derivados (CDOs e afins) daí é que veio o estoiro de 2008.» Nada disso é verdade. Os CDO’s são produtos de investimento criados a partir de agregados de crédito – no fundo são participações no rendimento que esses créditos produzem em juros.
      Lamento a frontalidade mas, se querem ter uma opinião sobre os assuntos, pelo menos estudem-nos. Não se baseiam numa vaga ideia que possam ter sobre eles.
      Ainda bem que acompanha o que escreve o Francisco Louçã. Não deixe de ler, no “Tudo menos economia” o Ricardo Cabral também. E muitos outros académicos económicos divergentes das vozes que ocupam os canais televisivos do cabo e a maior parte dos jornais.

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    6. Bom se não é economista, ok, há uma desculpa. No entanto como neste espaço não dá para lhe explicar pq está errado, de uma forma eficiente, peço-lhe que pense por exemplo na mercearia do bairro.
      Por absurdo que lhe pareça nem seria necessário dinheiro para transaccionar com a mercearia. Imagine você que produz leite. No inicio da semana você dirige-se á mercearia e "compra" um kilograma de café, mas como não existe dinheiro o merceeiro regista no livro que você fica com um débito . Na Sexta feira quando for á mercearia, você leva 10 litros de leite para "depositar" na mercearia que os venderá a quem dele precise.
      No livro será registado um crédito a seu favor. Da diferença entre o deve e haver será a sua "posição" face á mercearia. Para que você não se esqueça da sua "posição" face á mercearia o merceeiro da-lhe um pequeno papel onde registou o valor que você deve ou tem a haver da mercearia.
      Agora diga-me lá onde houve a criação de dinheiro...

      cumps

      Rui Silva

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    7. Rui Silva. Espero que você não seja economista. É que para si não há desculpa.

      http://www.bankofengland.co.uk/publications/Documents/quarterlybulletin/2014/qb14q1prereleasemoneyintro.pdf

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    8. Olá Daniel, Afirmar que algo está errado sem explicar porquê, não é contrapor um argumento.

      Não conte comigo para os argumentos «ad hominem» há muito que abandonei os dois níveis mais baixos da pirâmide da argumentação.

      Se está errado, contraponha, caso contrário, para quem nos está a ler fica apenas uma ideia.

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    9. CMS
      Recomendo a leitura do documento que partilhei no comentário anterior.

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    10. Já li. Nada neste texto contrapõe o que eu afirmo ou confirma o que o Daniel afirma, mas fico-me por aqui.

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    11. Caro Daniel,

      Você foi chamar o papá para justificar uma ideia que lhe incutiram na cabeça com argumentos simplistas que parecem fazer sentido. Mas olhe, sabe que mais, os papás que escreveram o documento que citou também estão errados.

      Coloque-lhes ao exemplo que aqui colocquei para que eles "expliquem" onde está a criação do dinheiro! Depois explique-me, que se fizer sentido eu fico convencido.

      cps

      Rui SIlva

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    12. O Rui Silva está a dizer que os senhores que escreveram o documento, do Banco de Inglaterra, também estão errados?

      Faça o Rui o favor de lhes enviar o exemplo que colocou. Deixo-lhe aqui o email para onde deve escrever:

      enquiries@bankofengland.co.uk​

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    13. Gostei da "deferência" subliminar com que trata estas eminencias pardas do Banco de Inglaterra.
      Faz-me lembrar o respeito que o indígena tem ao Feiticeiro da tribo.
      Mas nem é preciso caro Daniel enviar-lhes a questão. Eles sabem que estão errados. Mas a ideologia manda. Você repare que hoje em dia não há bom esquerdista que não tenha "abraçado" este sofisma.
      E para fechar o assunto que já vai longo, lhe digo: não acredite em todo o que lê. Pense um bocadinho pela sua cabeça , vai ver que é um exercício estimulante.

      cumps

      Rui Silva

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    14. Se a palavra dos "esquerdistas" do Banco de Inglaterra [lololol] não lhe servem, deixo-o com um respeitável senhor de direita, o conservador Steve Baker.

      https://youtu.be/s6a_0zJDsr8

      I rest my case.

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    15. Caro Daniel,
      Também para finalizar,
      Eu não disse que a rapaziada do Banco de Inglaterra é ou não esquerdista, o que eu disse é que esta "ideia" foi adoptada pelos esquerdistas pois serve ao seu propósito de "luta anti-capitalista".
      Mas você é engraçado, lá continua a chamar os seus "Capitães", só para não ter a "trabalheira" de contra-argumentar.
      Em jeito de despedida e uma vez que não tenho com quem "discutir" a ideia, você não estará a confundir dinheiro com crédito ?

      cps

      Rui Silva

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    16. Entao o multiplicador bancário e uma invencao esquerdista. E mentira que para haver um emprestimo tenha de haver um deposito. A taxa de reserva não é 100%

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  3. Falta referir o colossal aumento da divida durante o período socretino, cerca de 100 mil milhões de euros (ou seja 200 submarinos do Portas ou 50 fundações Gulbenkian) entre 2005 e 2011. Foi esta a causa das nossas desgraças presentes, o resto é folclore para enganar ingénuos. Os argumentos contra o “fractional reserve banking” são muito neo-liberais...

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  4. Olá Daniel… não costumo discutir este assunto, porque na verdade não me interessa muito, a não ser na prática. Sei que estás certo em várias coisas e errado noutras. É óbvio para mim que o país está falido (tal como que os bancos criam dinheiro do ar e do vento, o exemplo da mercearia é risível) e ao fim de três ou quatro falências, sempre pela mão dos mesmos, também é óbvio que o ministro Costa vai voltar a abrir a porta ao FMI — até agora mais não fez que satisfazer clientelas na esperança de trocar satisfação efémera por votos que lhe faltaram e que eventualmente lhe faltarão outra vez. E por falar em chocante, é particularmente chocante a descida do IVA na restauração quando os restaurantes estão cheios a abarrotar (pelo menos onde vivo) de gente que pode e de turistas. Mas dizes que o homem é um estadista com ó grande e que até peita Bruxelas (como diria o George Costanza, se acreditares, não é mentira).
    Mas sabe onde desconfio da bondade dos teus argumentos? É quando dizes:
    — Ainda bem que acompanha o que escreve o Francisco Louçã. Não deixe de ler, no “Tudo menos economia” o Ricardo Cabral também. E muitos outros académicos económicos divergentes das vozes que ocupam os canais televisivos do cabo e a maior parte dos jornais.
    Meu Deus, em que país é que vives? A imprensa virtualmente toda dominada pela esquerda não chega a Évora? A todo o lado a que vou e está uma televisão ligada, se não estiver a dar uma novela ou "show de realidade" está alguém do bloco de esquerda a falar. O Louçã em particular, teve sempre um tempo de antena absolutamente desproporcional à sua importância, aos seus votos e em última análise ao seu interesse (nenhum, na minha modesta opinião). Achas realmente que falta pluralismo (de esquerda) na TV, rádio e jornais? -- JRF

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    1. José Rui
      Começo por sublinhar como é difícil discutir na internet. Repara que mesmo tu – com a empatia recíproca que temos pelo que cada um faz – apresentas pressupostos que são falaciosos quanto ao que eu [nunca] disse ou escrevi.
      Nunca, em lado algum, disse que o actual primeiro-ministro era um grande estadista que está a fazer frente a Bruxelas. Será suposto ter de me explicar ou justificar-me por coisas que não disse? Recuso-me a fazê-lo.

      Sobre os comentadores e a recomendação sobre Francisco Louçã, recuso-me a aceitar que a linha entre o bem e o mal é a linha entre a esquerda e a direita. Dito isto, estou inteiramente convicto de que, no contexto político contemporâneo, a direita está completamente do lado errado da História.
      Desenvolver esta ideia é impossível num texto de blogue, muito menos num espaço de comentário. Por isso não o tentarei sequer fazer. Mas é certo que encontramos vozes interessantes à esquerda e à direita – a par com muitas vozes desinteressantes.

      Não tenho qualquer afiliação política com o partido do Francisco Louçã ou com qualquer outro. Mas o trabalho de análise que faz no blogue do Público, “Tudo Menos Economia”, é bastante louvável. Em particular pelas reflexões que tem feito sobre o problema da dívida, pública e privada, portuguesa.
      Voz igualmente interessante no mesmo blogue é a do António Bagão Félix. Podemos ter divergências de pensamento por um ou por outro, mas ningúem pode dizer, com honestidade intelectual, que não são pessoas estruturalmente íntegras.

      No blogue do Público, o autor mais interessante é o Ricardo Cabral, que aconselhei. Eis um verdadeiro jornalista económico de investigação. Os seus textos são muitas vezes análises profundas, quantificadas, de problemas seríissimos da vida portuguesa: o caso BES, o caso BANIF, a privatização da TAP, os negócios da PT, etc.
      Infelizmente, como é o menos mediático dos três, os seus textos têm muito menos leitores e um número ainda mais reduzido de comentários. É pena.

      No contexto português, outra voz que vale a pena seguir com atenção é a de João Ferreira do Amaral.

      Mas quando recomendo vozes divergentes dos comentadores do costume que enchem a televisão, não estou sequer a falar destes. Estou a pensar em pessoas como Steve Keen, Frances Coppola, Ann Pettifor, James Kenneth Galbraith, Joseph Stiglitz, Philippe Legrain e, sim, o motoqueiro grego de cachecol Burberry. Para não falar do grande Noam Chomsky – o último degrau na derradeira caminhada para o esquerdismo! (lol)

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    2. Para terminar, julgo haver evidente falta de pluralismo na TV. A discussão mediática em torno da legitimidade de formação do actual governo é uma prova irrefutável disso. Os painéis de comentadores da televisão são quase sempre maioritariamente compostos por comentadores de direita, muitas vezes sem qualquer contraditório.

      No plano económico, a coisa é ainda mais atroz. Para lá das aberrações puras de pensamento como Camilo Lourenço ou João César das Neves – que alimentam o pensamento basista que faz a cabeça de pessoas como o João Miguel Tavares e milhares de portugueses – temos a parada de crentes ultraliberais do Insurgente e do Blasfémias, redactores actuais de colunas no Observador, no Económico e outros jornais, que depois têm lugar cativo nos canais de informação do cabo. Que pessoas como Helena Matos – uma pessoa de mentalidade “talibã” – tenha lugar cativo no canal público de informação do cabo, é bem revelador disto.
      Finalmente, na direcção de informação económica tens, invariavelmente, pessoas com pressupostos de pensamento que nada têm a questionar quanto ao “grande quadro” da Economia – onde, entre muitos outros aspectos, tens a questão monetária. Falo, evidentemente, de pessoas como o José Gomes Ferreira.

      Falta certamente pluralismo na discussão mediática dos temas económicos, na televisão e nos jornais. Uma prova final é o modo como foi feito o assassinato de carácter ou de personalidade de Varoufakis durante o seu período no governo grego. Tens aqui alguém que lançou para o debate público reflexões profundas sobre o processo europeu, as mecânicas monetárias do Euro, a desregulação financeira, a fuga de capitais, etc. Tudo isso, olimpicamente ignorado nos mídia onde as suas ideias não tiveram sequer direito a ser discutidas – pelo contrário, discutiu-se o cachecol, o casaco de cabedal, o peixe grelhado num terraço na Plaka das fotografias da Paris-Match. Os mídia sabem bem onde estão as questões importantes.

      Abraço. Volta sempre.

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  5. Olá novamente… o estadista sou eu a gozar… achas que houve negociação, que o ministro Costa peitou Bruxelas (parece que agora se chama patriotismo)… Se acreditas, não é mentira :) . O ministro Costa o que der com uma mão a quem acha que lhe vai dar o voto, vai retirar rapidamente com a outra a toda a gente (mas à moda do PS, sempre em nome dos pobrezinhos).
    Aliás, temos mais uma subida brutal de impostos, já depois do "fim da austeridade". É óbvio que Portugal não tem um mm — um átomo — de manobra. Mesmo que tenhas razão em muitas evidências que apontas, este caminho apenas irá degradar mais o já frágil país. Mas o povo está contente, há futebol e venderam-se mais 16% de carros em Janeiro. E o ministro Costa depois do simulacro de negociação pode sempre dizer aos indígenas que a culpa do empobrecimento é de Bruxelas (ou se calhar até já disse). Enfim, política rasteira, para a qual vais-me desculpar mas já não tenho paciência ou considero sequer suportável.

    Quanto ao Louçã, é uma pessoa intrinsecamente desonesta. Anda nisto há décadas e nunca disse claramente ao que vem. Que modelo quer esse indivíduo para Portugal? Uma ditadura, que é como esses indivíduos acham que deve ser e anseiam há 40 anos. Mais um paladar de comunismo, que tantos e tão bons resultados deu por esse Mundo fora. Não, obrigado. Prefiro a liberdade que tenho, a iniciativa privada e todos os males do capitalismo — que aí concordo contigo, neste momento, começam a ser demasiados. Ir procurar soluções ao Louçã, é como um cão com pulgas ir pedir ajuda a uma carraça.

    A imprensa está a soldo da esquerda há 40 anos — todos os jornais, rádios e tvs. O Público é paradigmático: Ninguém entende como a Sonae continua a manter um diário que não passa da voz oficiosa do bloco de esquerda (+ JMT e Pulido Valente). Quando não vês algo tão evidente, de facto duvido da bondade dos teus argumentos.Insurgente e Blasfémias já deixei de ler há três ou quatro anos e como sabes têm o seu equivalente nos inenarráveis… já me esqueço o nome… Jugular, Câmara Corporativa e outros.
    Que se possa reconhecer como direita, surgiu o Observador e é tudo.

    Não há ninguém em Portugal (se me engano diz-me) que tenha feito carreira a dizer que é de direita. Os de direita, estão como o Pacheco Pereira ou piores. E no entanto, o que dizes, li algo parecido ao mencionado senhor da Marmeleira… parece que a esquerda tem peçonha, que não se pode ser de esquerda em Portugal e outras que tais… uma coisa destas não se consegue inventar. Porque é inacreditável. -- JRF

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  6. Da Helena Matos entendo perfeitamente a descrição, eu estou a léguas daquela mentalidade e no entanto, leio uma Helena Matos como a voz do senso comum. Por outras palavras, o senso comum, está entregue a uma Helena Matos, é grave. Dizer por exemplo que existem dois países como li há pouco, para mim, é senso comum.
    Porque de facto, também entendo aquilo que dizes e tentas dizer, mas estás preso nas próprias contradições dos modelos de pensamento que apontas (que entre outras coisas tendem um pouco a ignorar a realidade).
    Por exemplo, voltando ao texto, julgo que não é inteiramente verdade o que dizes do BCE — se Portugal não tivesse sob a protecção do BCE, muita emissão de dívida teria falhado estrondosamente nestes últimos anos. Imprimiu notas porque a falta de dinheiro nos bancos se tornou insustentável e aparentemente a receita deu para empurrar com a barriga nos EUA (e continua e aparentemente pode-se viver assim durante muito tempo).
    Podes argumentar que já não vamos a lado nenhum e concordo. Que algo tem de ser feito e concordo. Que os bancos criaram dinheiro do ar e uma situação que não vai poder continuar e concordo. Mas depois, são os Varoufakis e Louçãs que têm as soluções. Eh lá! Não, obrigado. Agradeço imenso. O modelo dessa gente já foi testado, revelou-se fraco, principalmente para as vítimas, mas também para os outros, economicamente revelaram-se nulos e só geraram pobreza (e continuam a gerar onde estão estabelecidos).
    Eu suspeito que na verdade a sociedade já não vai lá nem com o modelo capitalista corrente, nem com o modelo dos Varoufakis. Tem de voltar de alguma forma à estaca zero, mas não conheço nenhum exemplo histórico em que isso tenha sido a) feito voluntariamente; b) voluntariamente por aqueles que estão no poder.
    Portanto, a minha grande costela pessimista, diz-me que o que não for a bem, vai a mal. Não é preciso assim tanto — na Síria pouco falta para voltarem à idade da pedra. E é nesse sentido que esta discussão só me interessa na prática. O meu dia a dia e das pessoas que conheço. Não posso fazer nada quanto ao resto. — JRF

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  7. Se é contra as reservas fraccionárias então deve estar ansioso por saber como os Suíços vão referendar a Iniciativa Vollgeld (http://www.vollgeld-initiative.ch/english/), i.e., acabar com as reservas fraccionárias e só permitir a criação de dinheiro (inclusivamente o electrónico) pelo Banco Central.

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  8. Já chega de dizer amen a tudovo que as troikas dizem e querem impor

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