Zaha Hadid, uma mulher do nosso tempo



Um dos autores que melhor ajudou a descodificar Zaha Hadid foi por certo Lebbeus Woods. No ensaio Drawn Into Space, publicado no livro Protoarchitecture: Analogue and Digital Hybrids em 2008, deixou uma reflexão atenta e muito lúcida sobre a evolução do trabalho de Zaha, da década de setenta até à actualidade, tendo por base a expressão pouco convencional dos seus desenhos. O arquitecto americano, também ele um artista visionário, identificava a transição de um estilo fragmentado referenciado no suprematismo – em particular o neoplasticismo holandês e a avant-garde russa do início do século vinte – para a fluidez contemporânea, curvilínea e complexa, com que ganharia notoriedade à escala global.
O texto de Lebbeus Woods pode ser lido no blogue pessoal que nos deixou, aqui: ler Zaha Hadid’s Drawings – parte 1, parte 2 e parte 3.

Os desenhos de Zaha Hadid tornaram-se uma referência incontornável nas academias de arquitectura a partir de início da década de noventa. Num tempo em que perduravam ainda os formalismos literais e os historicismos da corrente pós-modernista, os estudos parcialmente abstractos que acompanhavam o projecto da Vitra Fire Station eram uma pedrada no charco. Os seus acrílicos e as suas aguarelas enunciavam não apenas novas formas mas novos modos de formular ideias de edificabilidade e de espaço. Como refere Lebbeus Woods, os seus desenhos foram então copiados por uma vasta legião de admiradores e revelaram-se profundamente influentes para uma nova cultura emergente de modelação computadorizada.
Será impossível fazer o balanço crítico da arquitectura das últimas décadas sem reflectir sobre o vasto e contraditório corpo de trabalho que nos deixa Zaha Hadid. Entre o experimentalismo fragmentário dos primeiros anos ao grande gesto artístico e irremediavalmente político, a sua obra confronta-nos com as perplexidades, as angústias, as esperanças do nosso tempo, e continuará a interpelar-nos no futuro.



Faleceu hoje, aos 65 anos de idade.

Inside a Creative Mind: Álvaro Siza Vieira



Está disponível na internet a conferência com Álvaro Siza Vieira que teve lugar no passado dia 18 de Março, realizada no âmbito do ciclo Inside a Creative Mind promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian. As próximas sessões contarão com a presença de Gonçalo Byrne, José e Nuno Mateus, Francisco e Manuel Aires Mateus, João Luís Carrilho da Graça, Inês Lobo e Eduardo Souto de Moura. O calendário da programação pode ser consultado aqui. Os mais interessados podem acompanhar a página Livestream da Fundação, onde são exibidos em directo e arquivados os vídeos deste e de outros eventos. A acompanhar o ciclo de conferências está ainda patente uma exposição com trabalhos seleccionados dos arquitectos, em exibição até ao dia 6 de Junho (encerra às terças-feiras).

A imagem



O cartaz da 69ª edição do Festival de Cannes retoma a vista da escadaria da conhecida Villa Malaparte, projecto de Adalberto Libera construído em 1937 e imortalizado no Cinema por Jean-Luc Godard no filme Le Mépris (O Desprezo), em 1963. A imagem evoca o momento em que Michel Piccoli ascende ao terraço da casa para encontrar Brigitte Bardot repousando sob o sol, tendo as águas do Mediterrâneo como pano de fundo. A composição é do publicitário Hervé Chigioni, em colaboração com o designer gráfico Gilles Frappier. Via Sound + Vision.


Brigitte Bardot no terraço da Villa Malaparte.

Questões de ética +


Image credits: Márcio Pimenta.

Alexandre Alves Costa: The meaning of Revolution
Mais uma presença de um arquitecto português no CreativeMornings Porto. Alexandre Alves Costa fala sobre o passado e a importância da participação cívica dos cidadãos na construção de um mundo melhor.

Márcio Pimenta: Ética
Outro vídeo com chancela da Creative Mornings, desta feita de Curitiba. O fotógrafo brasileiro Márcio Pimenta partilha as suas reflexões sobre o conceito de ética a uma plateia repleta de jovens. Um testemunho profundo e por vezes carregado de grande dureza, falando da importância da fotografia como forma de despertar a consciência do grande público.

An Architect's Role in 'Creation From Catastrophe'
Tendo como ponto de partida a exposição Creation From Catastrophe, organizada pelo Royal Institute of British Architecture, um artigo sobre o modo como a arquitectura tem um lugar central na recuperação de comunidades atingidas pela tragédia natural ou pelo efeito de desastres causados pelo Homem.

The Attrition Problem
Apesar da sua participação expressiva nas escolas de arquitectura, muitas mulheres acabam por abandonar a profissão. Um artigo sobre o lento progresso da nossa actividade no que respeita à igualdade de género, dando conta da vaga emergente de activismo feminista que pode finalmente vir a mudar a face da arquitectura. Via Archinect.

Cádiz Castle Restoration: Interesting Interpretation or Harmful to Heritage?
Os trabalhos de consolidação da ruína do Castelo de Matrera, em Cádiz, com projecto do arquitecto espanhol Carlos Quevedo Rojas, foram envoltos por uma nuvem de controvérsia. Ecos de um debate, para ler e reflectir, também com versão em português

Um blogue para mais uma Comissão de Inquérito, desta vez ao Banif
No blogue Disto Tudo, Mariana Mortágua volta a dar conta dos trabalhos de mais uma Comissão de Inquérito, desta vez ao Banif. Os mais interessados em questões de economia encontrarão aqui oportunidade para acompanhar um debate sobre as fragilidades do nosso sistema bancário: o que aconteceu, como e porquê.

A história completa da Millennium Falcon



The Complete Conceptual History of the Millennium Falcon, um mega-post de Michael Heilemann para o seu projecto de estimação Kitbashed, um álbum online dedicado a estudar as muitas referências que estão por detrás da saga Star Wars. Fica a ligação (perdida há algum tempo nos rascunhos do blogue) para um longo artigo ilustrado que dá conta de todos os segredos da nave espacial mais rápida da galáxia.

Bruno de Campos Baldaia: o choque como instrumento



O que é o choque e o que provoca em nós? O arquitecto Bruno Baldaia reflecte sobre diferentes exemplos da utilização de imagens e situações chocantes como forma de suscitar reacções intencionais no público. Gravado no âmbito da iniciativa CreativeMornings Porto, em Outubro de 2015.

A comunidade dos arquitectos não pode ficar calada perante a crise dos refugiados +



”The architectural community cannot remain apathetic to Calais’Jungle and the refugee crisis”
Num momento em que as autoridades francesas começaram a destruir partes do campo clandestino de Calais, é altura dos arquitectos se envolverem na discussão sobre o que fazer para melhor acolher as populações de refugiados e migrantes na Europa. Opinião de Jeannie S. Lee, arquitecta do estúdio londrino EVA.

Introducing Open Architecture Collaborative, the rebranded offshoot of Architecture for Humanity affiliates
Depois do colapso da Architecture for Humanity em 2015, pequenos grupos espalhados por todo o mundo juntaram-se para criar uma nova organização chamada Open Architecture Collaborative. Ler também: Architecture for Humanity Relaunches as Open Architecture Collaborative.

What does it mean to be a “good architect”?
A propósito da morte de Paul Pholeros, co-fundador da Healthhabitat, uma reflexão sobre a diferença entre fazer “boa arquitectura” e fazer uma arquitectura dedicada a promover o bem.

A Look Back: 8 Years of Social and Urban Projects
Celebrando oito anos de actividade, o ArchDaily fez uma selecção de 24 projectos exemplares no domínio da arquitectura de cariz social, comunitário ou de intervenção no domínio público.

Urban and Rural Life Collide in China
Em Metamorpolis, o fotógrafo Tim Franco documenta a colisão entre uma cultura de matriz rural e a emergência de uma nova hiper urbanidade na cidade de Chongqing, na China.

Who Cares About Urban Trees?
Sobre a importância das árvores no meio urbano e o que fazer para as proteger.

A Burglar’s Guide to the City
O livro de Geoff Manaugh, o homem por detrás do BLDGBLOG.

Ellen van Loon (OMA): conferência Distância Crítica



Conferência de Ellen van Loon, arquitecta sénior da OMA, integrada no ciclo Distância Crítica organizado pela Trienal de Arquitectura de Lisboa. Gravado no dia 17 de Fevereiro de 2016. Os mais interessados não devem deixar de subscrever o canal da Trienal no YouTube.

Ellen van Loon, from OMA, at Critical Distance, Lisbon, February 17, 2016. Fast-forward to minute 4:45 to access Ellen’s lecture in English. Conference promoted by Lisbon Architecture Triennale.

Aos 87 anos, o Óscar



Quando, em 2001, Ennio Morricone falhou receber o Óscar pela quinta vez, muitos terão pensado que apenas a entrega de um prémio honorário poderia salvar a face da Academia de Hollywood. Com uma carreira que se estende a mais de meio século, o compositor italiano deixou a sua marca em inúmeros momentos icónicos da História do Cinema: A Missão, Era Uma Vez Na América, Era Uma Vez No Oeste, Os Intocáveis, Frantic, A Lenda de 1900, Malèna, entre tantos outros.

Recebe, aos 87 anos de idade, um justo reconhecimento pelo seu trabalho em The Hateful Eight de Quentin Tarantino, celebrando uma vida que não precisa já de qualquer validação. Deixo uma das suas mais belas melodias, o tema do inesquecível Nuovo Cinema Paradiso de Giuseppe Tornatore, realizador com quem viria a colaborar diversas vezes. Curiosa ironia: a música de Cinema Paradiso não chegaria a merecer sequer, em 1990, a nomeação para o Óscar. É, no entanto, uma das suas composições mais amadas e considerada por muitos a banda sonora das suas vidas. Para ouvir, depois do salto.

Coisas que aprendi a escrever um blogue


Image credits: Oliver Jeffers.

Se a subjectividade é uma qualidade que, em grande medida, devemos celebrar, importa ter em conta que o uso recorrente da primeira pessoa na validação de um argumento é nada mais do que um atalho de pensamento. Era esta a ideia central da anterior reflexão Autobiografia de um pequeno ego, escrita a propósito do simplismo que predomina sobre o exercício da opinião publicada nos meios de comunicação social.

Uma das coisas que aprendi a escrever um blogue ao longo de uma década foi a identificar e corrigir algumas patologias de escrita. A mais recorrente é porventura o uso inadvertido da primeira pessoa do singular como mecanismo de auxílio retórico. Raros são hoje os momentos em que aplico esse tempo verbal e, nas circunstâncias em que tal sucede, correspondem sempre a uma opção reflectida e deliberada.

Existe um forte motivo para tal. É inteiramente diferente produzir reflexão sobre um tema, seja ele qual for, aplicando ou omitindo a primeira pessoa do discurso. Esse facto é particularmente relevante quando o objecto que merece a nossa atenção não diz respeito à nossa experiência de vida, como seja uma opinião sobre questões de sociedade ou política, quer se trate de um tema controverso ou até de uma crítica a uma figura pública.

A introdução da primeira pessoa no discurso permite validar e enfatizar uma opinião a partir de nós próprios, invocando, para tal, os sentimentos que tais temas nos suscitam. Podemos certamente abordar questões complexas como, por exemplo, o casamento e a adopção homossexual, a interrupção voluntária da gravidez ou a morte assistida, recorrendo, para tal, dos juízos éticos, morais ou meramente emocionais que elas nos evocam.

Ao fazê-lo, o autor estará a esquecer-se que a sua experiência de vida é provavelmente irrelevante para o entendimento pleno das matérias em discussão. A nossa vida é apenas nossa e é marcada por um conjunto específico de circunstâncias, desafios, limitações e privilégios – todos eles diferentes do universo mais vasto de pessoas que se confrontam com tais problemas. Mais grave ainda, corremos o risco de ignorar desigualdades e sublimar vantagens estruturais presentes na nossa condição social.

Pelo contrário, quando removemos da argumentação a primeira pessoa vêmo-nos na contingência de encontrar asserções que a sustentem fora de nós próprios. A primeira pessoa oferece-nos respostas. A sua ausência obriga-nos a fazer perguntas; sobre os factos, sobre as circunstâncias que os envolvem, enfim, sobre esse vasto mundo, cheio de dúvidas e interrogações, que importa descobrir lá fora.

Ana Moura+Bruno Ferreira








Com letra e música de Pedro Abrunhosa, Tens Os Olhos De Deus é o segundo single do mais recente álbum de Ana Moura, seguindo-se ao popular tema de lançamento Dia De Folga. O videoclip tem realização de Bruno Ferreira – o homem por detrás da câmara no espectacular Don't Touch My Soul de Da Chick – e percorre diversas paisagens da costa alentejana, destacando-se as vistas da zona industrial de Sines e uma passagem pelo cais palafítico da Carrasqueira. Um pequeno filme em jeito de road movie romântico que assinala o início da digressão da cantora, em Portugal e no estrangeiro, com datas que podem ser consultadas no seu sítio web oficial. Fica o vídeo, para ver, depois do salto.

Autobiografia de um pequeno ego


Image credits: Oliver Jeffers.

Importa exprimir inequívoco repúdio contra qualquer forma de atentado à liberdade de expressão ou ameaça à integridade física de que possa ter sido alvo Henrique Raposo, o Salman Rushdie português. Eu próprio não gostaria de enfrentar as hordas de alentejanos que, envergando capote e sacolejando escabreadamente foices e forquilhas, consta estarem a deslocar-se a grande velocidade pedonal em direcção à ponte 25 de Abril. Antevêem-se os maiores confrontos desde o célebre bloqueio do garrafão de 1994 tendo o Presidente da República, melancolicamente, decidido decretar o estado de alerta máximo e convocar para o local o Corpo de Intervenção da PSP.

Excluindo estes sulistas radicais, será razoável presumir que o fenómeno se circunscreve nos meios urbanos a uma tipologia de indignação ciberespacial – o tipo de acção próprio de uma turba a que, em inglês técnico, poderemos denominar por uma outrage brigade. Ainda assim, não devemos menosprezar o poder das brigadas da indignação. É certo que, de um modo geral, falamos de indivíduos para quem levantar do sofá é já um desafio considerável. No entanto, estando perante uma fatwa alentejana, há sempre a possibilidade do visado sofrer o típico arremesso da linguiça nas ventas – recomendando-se para o efeito, de preferência, a aplicação de um rechonchudo enchido de Estremoz, que vai muito bem com um tinto Monsaraz de 2011.

Falando mais a sério, a falta de magnanimidade é própria dos intelectos menores. Não nos devem assim merecer os indignados qualquer espécie de complacência. Por pequenez intelectual não vislumbram os ofendidos o óbvio: Henrique Raposo é incapaz de escrever sobre qualquer coisa que não ele próprio. Há quem tenha em falar de si mesmo o passatempo preferido. Raposo tem o mérito de fazer disso um modo de vida.

Não se trata de uma caricatura. Dedique-se o leitor a percorrer as crónicas que este verdadeiro João Pereira Coutinho da era dos millenials redige semanalmente para o Expresso. Nove em cada dez textos escritos por Henrique Raposo são sobre Henrique Raposo. Há dias fui. O que senti. O que li. O pequeno episódio caricato que presenciei. As minhas coisas favoritas. Eu. Eu. Eu.
A mesma patologia de pensamento e linguagem podemos identificar no vídeo da polémica: pequenos episódios plenos de subjectividade, contados na primeira pessoa, elevados a retrato sociológico com a superficialidade de quem pensa o mundo em cima do joelho.

Pese embora essa voluptuosa esgrima retórica que hoje se toma por erudição, o uso recorrente da primeira pessoa na validação de um argumento é, na verdade, nada mais do que um atalho de pensamento. Se a subjectividade é uma qualidade intrínseca à própria linguagem que, em grande medida, devemos celebrar, importa ter presente o quanto o ela interfere com a nossa busca de conhecimento e a forma como agimos perante o que nos é exterior.
O que está aqui verdadeiramente em causa é uma mediocridade que é transversal a tantos comentadores que ocupam o espaço mediático, contribuindo para a degradação generalizada do exercício da opinião. Henrique Raposo, como muitos outros, representa bem essa desenvoltura atrevida, “fabulosa” no sentido pewdiepiano do termo, incapaz de distinguir o prisma distorcido do seu pequeno ego com a construção de um olhar crítico sobre o mundo lá fora.

A poesia da sobrevivência



Enquanto tiveres um só fôlego dentro de ti, tu lutas. Tu respiras. Continuas a respirar. Quando a tempestade cai e tu te ergues em frente a uma árvore, olhando para os seus ramos julgarás por certo que vai cair. Mas se atentares no seu tronco, então compreenderás a sua estabilidade.

Em criança recebi um livro de banda desenhada chamado História Sem HeróisHistoire Sans Héros, no original, com texto de Jean Van Hamme e desenhos de Daniel Henrotin – relatando a aventura desesperada de um grupo de homens e mulheres que sobrevivem à queda de um avião no coração da Floresta Amazónica.

Recordo o forte impacto que História Sem Heróis teve em mim nesse tempo. Era novo, porventura demasiado novo, para aquele género de narrativa dirigida a um público mais adulto. É tão mais fácil sermos cativados por heróis estereotipados quando estamos a crescer: personagens corajosas, despojadas de egoísmo e, afinal, de todo o sentido da realidade que habitam a maior parte da ficção popular.
Ora aqui estava um livro que, como o próprio título sugeria, não oferecia heróis claros em quem o leitor pudesse projectar um sentido de identidade. Antes era povoado por personagens plenas de defeitos e contradições, enfrentando os seus próprios demónios – medo, egoísmo, ódio – até compreenderem que apenas em conjunto, com solidariedade e coragem, poderiam encontrar o caminho para a liberdade.

Serve a evocação deste clássico de banda desenhada, publicado nos idos de 1977, para ilustrar a ideia de que também The Revenant é, de certo modo, uma história “sem heróis”. O mais recente filme de Alejandro Gonzáles Iñárritu desafia o espectador com um olhar despojado de juízo moral, confrontando-nos com um mundo habitado por personagens moralmente ambíguas, entranhadas no seu tempo e nas suas circunstâncias.
Convidando-nos a embarcar numa viagem ao passado, o filme recusa-se a produzir um juízo fácil da História pelos padrões culturais do presente. Trata-se apenas de revelar a natureza daquele grupo de homens, na sua complexidade e a partir das suas próprias contingências.



O realizador mexicano faz contrapor a uma narrativa linear um contexto de grande densidade dramática – algo que parece perder-se nas entrelinhas junto de alguns espectadores e de parte da crítica. Certo é que no retrato que rodeia os eventos que nos conta se inscreve o apocalipse da cultura nativa e a voragem predadora, inexorável, da potência ocupante. Dá-nos a testemunhar, acima de tudo, o modo como os homens se tornam monstros, assim se desvanecem os contornos de civilização.

Se The Revenant é uma portentosa viagem visual, muito o deve ao trabalho de direcção de fotografia de Emmanuel Lubezki. A obsessão “Kubrickiana” pela luz natural perseguida por Iñárritu atribui ao filme uma temperatura única e a fotografia de Lubezki faz daquela floresta gelada uma paisagem inesquecível.

É no contraponto entre a imensidão suspensa da paisagem e a desolação humana que a atravessa que tem lugar a odisseia de Hugh Glass. O regresso do homem da fronteira, interpretado por Leonardo DiCaprio com um ímpeto visceral e uma crua fisicalidade, conta-nos uma história maior sobre aquilo que, no mais hostil dos mundos, nos torna humanos: na força e na dureza dos afectos – pela ex-companheira nativa, pelo filho – como substância mais íntima da própria sobrevivência num mundo de violência e agressão.

Fica a ligação para o interessante documentário A World Unseen, reflectindo os temas presentes no filme e o desafio que constituiu a sua rodagem, levada a cabo em condições de grande adversidade.