[bricoman]

Segunda-feira

Por entre os vários processos de aculturação a que são sujeitos os exemplares masculinos da nossa espécie, somos a certa altura submetidos à ideia de que todos os homens têm de ser grandes experts em bricolage. Confrontado então com a necessidade de fazer alguns trabalhos caseiros eis-me nos limites da minha masculinidade.

Usando aquela técnica habitual, de actuar como se soubesse perfeitamente o que estou a fazer e já o tivesse feito mil vezes, lá estava eu a manejar as ferramentas ao estilo fashion na melhor imitação que sei fazer daquele tipo americano que parece o namorado da Barbie e aparece no People & Arts a fazer obras em casa de outras pessoas...
Infelizmente a vida não é como esses programas de televisão. Ou a fechadura não encaixa, ou o parafuso não entra, ou o cão roeu o berbequim. Seja lá o que for, a bricolage e eu, eu e a bricolage, há qualquer coisa que não bate certo.
Lembro-me do dia em que tentei montar uma campainha e quando liguei à corrente eléctrica a coisa deu um estalo na minha mão libertando faíscas como um fogo de artifício. Não aconteceu nada de grave para além de uma certa sensação de tremideira. Isso e as pontas dos dedos farruscadas de preto.
A minha mulher, que tomava chá com uma amiga na cozinha, gritou lá de dentro se estava tudo bem. Com a minha fleuma britânica respondi algo como "sim amor, foi só o quadro que disparou", desci o escadote em câmara lenta e fui à casa de banho lavar das mãos todas as provas da minha incompetência.

Talvez tenha chegado a hora de inverter este paradigma. Que tal habituar as meninas a tornarem-se autênticas Laras Crofts do martelo e da chave inglesa enquanto nós ficamos na cozinha a beber um belo Jackson’s Picadilly Green Tea With Lemon e conversamos com os amigos sobre os jogos da semana. Decididamente, a tradição já não é mesmo o que era.

[stay tuned]

Segunda-feira

A Barriga De Um Arquitecto está de volta.

[até os gatos]

Quinta-feira



As obras em casa estão a chegar ao fim. A estimativa inicial era de dois ou três meses. Passaram-se oito. Agora, até os gatos já começam olhar para nós com um ar interrogador. Será que isto acaba?

Com um monte de tralha encaixotada, livros que nem saíram do saco de compra, um sofá do IKEA por desempacotar estacionado na sala há três meses, enfim, a vida corre com a sensação de ter sido posta em suspenso. Para a semana tiramos cinco dias para pôr tudo finalmente em ordem.

Uma casa velha é uma casa velha. Com cem anos, as velhas paredes de tijolo maciço vão sustentando a respiração dos invernos que passam. Aqui e ali algum salitre voltará a aparecer para justificar uma pintura de tempos a tempos. As caixilharias de madeira do andar de baixo estão a pedir ajuda e serão a próxima intervenção, quando o verão chegar.
Uma casa velha é um projecto em permanente execução. Não vale a pena pensar que se faz e está feito. Como na vida, é um corpo vivo a pedir por atenção, que tratem deste revestimento, reforcem esta estrutura, cuidem deste telhado. Uma casa velha não pode ser deixada ao esquecimento, porque a intempérie é uma carga pesada nos ossos de uma estrutura e as casas são frágeis como os nossos corpos.

Entretanto os dias vão passando e transformam-se em semanas; e estas em meses. Uma tremenda falta de tempo continua a impedir-me de rabiscar no blogue. Fica aqui esta anotação breve, com a promessa de dar a devida resposta a vários emails e sugestões que gentilmente me foram enviados. E já agora, estão todos convidados a passar lá por casa. Tenho uns caixotes para carregar...
Abraço e até breve!

Nota: na fotografia, a nossa querida Matilde.

[don’t be apologizer]

Quarta-feira

É difícil não falar de política nos tempos que correm. Não vale a pena fingir, vivemos um tempo político. Seja, pois então...
Alguns dos mais emblemáticos casos políticos a que vamos assistindo só são justificáveis pela profunda mediocridade dos seus intervenientes. O recente caso Morais Sarmento e o seu mergulho de fim-de-semana é mais um bom exemplo. Não deve existir manual de gestão que não tenha a máxima escarrapachada: don’t be apologizer. Uma pessoa com cargos de liderança, como um membro do governo, não pode funcionar ao nível do registo dos media. Não é por presunção nem por falta de humildade, mas a estas figuras exige-se uma pose de estado e isso significa que estes (enquanto figuras institucionais, representantes de cargos de elevada responsabilidade) têm de estar acima das quesílias próprias da luta partidária.

Os políticos sabem (melhor do que ninguém) que lhes é exigido que alimentem uma imagem pública, uma existência mediática. Mas este grupo político que formou o triste governo de Santana Lopes parece ter-se esquecido que essa existência não pode ser alimentada ao mesmo nível (horizontal). Por isso, a cada ataque, a cada ruído da oposição ou de um qualquer comentador, vêm os membros deste governo dar troca imediata, a resposta em cima da hora, colocando-se ao nível de quem os ataca. É um triste exemplo merecedor de estudo. Chegamos assim a isto, ao medíocre Morais Sarmento a fazer a figura de apologizer, justificando-se pelo que não merece justificação, indignado e esfaqueado, ele sim comportando-se de forma indigna ao exercício do cargo que ocupa. E vão assim repetindo-se estes erros de palmatória, há muito conhecidos e estudados nos mais básicos manuais de gestão. São, afinal, sintomas de falta de lucidez. E a falta de lucidez, em política, é quase sempre sintoma de fim de ciclo.

[só mais um]

Terça-feira

Já circularam pela blogosfera as mais diversas versões do famoso não-cartaz eleitoral do PPD/PSD. Um pouco fora de tempo, não resisti a fazer esta nova variação que me parece exprimir o verdadeiro sentir nacional.

[gestores de fila de espera]

Terça-feira

Dizia o Woody Allen que existem dois tipos de pessoas: as que sentem a realidade sobre um ponto de vista dramático e fatalista e que por isso têm um olhar sério sobre a vida; e as outras, que vêem a vida de forma tão pessimista que já só lhes resta rir.

Portugal é um país de gestores de fila de espera, aqueles que quando atendem o telefone dizem sempre que estavam a pensar em nós. O bom gestor de filas de espera, quando tem dez clientes, diz-lhes que é para amanhã e escolhe um. No dia seguinte, diz aos outros nove que afinal é para o dia seguinte. E a um cliente novo que surgir: pode ser já para a semana.

Já é suficientemente mau que estas figuras existam em tantos lugares da nossa vida. Mas o que é superlativamente grave é quando começamos a ter a sensação de que os próprios políticos se estão a tornar, eles mesmos, em gestores de fila de espera.
Este peixe que nos querem vender, de que desta vez é que é, agora é que é a sério, agora é que podemos mesmo acreditar. E eu, confesso, até queria andar iludido, ser crente, mobilizar-me para essa mudança e dar o meu voto confiante a um grupo político que meteu a mão na consciência e resolveu dar tudo e o melhor para o país.
Mas será possível acreditar em tal coisa? Será possível acreditar nestes políticos, à esquerda e à direita, que parecem ter a espessura de um outdoor? Estes políticos a quem não é sequer permitido um momento de espontaneidade, um rasgo de humanidade que seja?

Uns, quando falam sem guião reproduzem o estribilho de lugares-comuns que aprenderam na escola partidária. Outros reduzem-se à demagogia ou então ao disparate. Será possível esperar um desígnio nacional, um conjunto de objectivos sólidos e credíveis para o país. Eu já não falo em ideologias, trituradas que foram na máquina de embutir políticos e jotinhas. E o que fica: os cínicos e os loucos, cheios de razão? Eu não quero ter razão e acabar aos gritos Avenida da Liberdade abaixo com grandes barbas e sem tomar banho. Por isso vou votar nas próximas eleições, não com a razão, mas com o coração. Prefiro andar iludido. E, provavelmente, ser de novo enganado. Vamos a isso, já estou a ouvir a música de fundo das campanhas eleitorais. Venha o carnaval! Pode ser que desta vez ganhe uma torradeira.

[sweet laurenn]

Quinta-feira



Laurenn McCubbin é autora e ilustradora do premiado site XXX LiveNudeGirls e directora da Kitchen Sink Magazine. Vive em East Bay (São Francisco) e gosta de passear na praia com o seu cão Tallullah, que lambe pedras.

[facadas remix]

Quarta-feira

A Barriga De Um Arquitecto apresenta em rigoroso exclusivo o novo cartaz eleitoral do PPD/PSD.

[quando deus se sente só]

Terça-feira



Nós somos das primeiras gerações da história do homem a ter ao nosso alcance uma visão possível de como se formou o universo. Ainda que milhões de perguntas permaneçam sem resposta, nunca antes se teve uma compreensão tão objectiva do que terá sido o Big Bang de há 15 biliões de anos, uma incrível erupção de espaço, matéria e energia que deu origem ao próprio tempo.
Ainda que imaginar um tal fenómeno nos seja quase inacessível, podemos compreender em abstracto os fenómenos de formação das primeiras estrelas e dos seus colapsos sucessivos que foram gerando os elementos que hoje existem no universo, os tijolos da criação com que se fazem planetas e que nós traduzimos na tabela periódica.

Por vezes sou levado a pensar que a maioria de nós toma isto como uma curiosidade. No entanto, a visão que a ciência nos oferece sobre as nossas próprias origens não é nenhum fait-divers. Pelo contrário, é algo que vai ao âmago da nossa própria existência.
O problema com a ciência é que é quase sempre mal compreendida. Muitos esperam dela respostas para as insatisfações das suas vidas espirituais. Mas a ciência não tem por base as nossas dúvidas filosóficas. Ela não interfere com as religiões nem procura responder a questões metafísicas. A ciência é (tão só) uma ferramenta essencial de conhecimento que se constrói na base de interrogações concretas da realidade observável e experimentável.
Acima de tudo, a verdadeira ciência faz-se de respostas que não são dadas como certas: antes não estão provadas como erradas.

A grande dádiva da ciência à nossa existência é dar-nos o lugar e a escala do homem no universo. Aos que trilham por entre todas as dúvidas esse caminho de descoberta não mais será possível imaginar um Deus à escala do homem, maestro de tempestades e criador de calamidades humanas. A esses não será sequer possível imaginar um Deus, pois que tal coisa, seja o vazio ou o maior mistério, estará sempre para lá de toda a nossa capacidade de sonhar e de toda a nossa imaginação.

[imagem: sometimes even god gets lonely por Tim Cook]

[tele-povo]

Segunda-feira



Sempre imaginei que as associações de telespectadores eram grupos formados por aquelas criaturas exaltadas de anorak verde e óculos espessos à imagem do famoso personagem do Gato Fedorento. A mera ideia de pertencer a uma dessas associações me parece um certificado de insuficiente vida sexual, da alegria em ser geek. Será que se põe uma coisa dessas no currículo pessoal: membro da associação de telespectadores da beira interior desde 1992?!

Imagino o deleite com que estas criaturas emitem um press-release a catalogar a Quinta Das Celebridades como o pior programa do ano. Devem ter passado boa parte dele a analisar as celebridades ocas e as suas conversas fúteis, sem alguma coisa interessante para dizer e incapazes de manter uns com os outros uma conversa com algum nível cultural. Se não se fartaram de ver o programa, pelo menos entendidos na coisa são. Deve ter sido só por interesse científico. O mistério do que vai na cabeça dos indivíduos fica explicado no punchline: entre os melhores programas figura o Jornal Nacional da TVI. Estou a começar a compreender o sentido crítico e as referências desta gente.
As associações de telespectadores são um produto da televisão. A opinião de meia dúzia de gatos pingados e donas de casa que passam o tempo a ver televisão é perfeitamente irrelevante e inconsequente, sendo trazida à luz dos media pela única razão que estes adoram expôr a sua reflexão no espelho do país real. O país real, entenda-se, distorcido pela televisão.

A televisão é realmente um veículo de enorme distorção social. Penso que o problema maior que resulta da cultura televisiva não tem que ver com excesso de sexo ou violência, ou pelo facto de ser o albergue de todo o tipo de miséria intelectual, música pimba, humor boçal e histerismo. O pior, verdadeiramente, é o modo como a cultura massiva da televisão promove subrepticiamente códigos de personalidade, atitudes e modos de ser que o povo consumidor de TV absorve e reproduz na sua vida futura. Assim, na forma de falar e de vestir, nos comportamentos com a família ou a namorada, no ciúme, no egoísmo e na busca dos nossos objectivos pessoais, reproduzimos códigos que interiorizámos das novelas, da moda, da música, enfim, da televisão.

Formatados à caixinha mágica, é o próprio modo de pensar deste tele-povo que parece embutido ao 4 por 3. Alimentadas ao soro da programação, a estas inteligências só lhes resta ver a vida pelo filtro do tédio que a tudo lhes parece, a não ser que configurado ao ritmo da narrativa telenoveleira, ao ruído dos filmes do Bruckheimer e ao attention-span de um spot publicitário.
A vida segue, dentro de momentos.