Portagens nas cidades: começar pelo fim



A experiência de tributação rodoviária na cidade de Londres provou que as taxas podem contribuir para reduzir o tráfego e melhorar os sistemas de transporte público nas grandes cidades. O sucesso da estratégia londrina tem motivado a reflexão sobre a implementação de políticas semelhantes noutros países, entre os quais Portugal.

Seria importante começar por compreender que a experiência inglesa não nasceu de forma isolada mas integrada numa longa estratégia política para a mobilidade e os transportes. É por isso estranho que algumas declarações pontuais que se vão realizando sobre esta matéria incidam sobre a dimensão da “coragem política” para tomar medidas, passando ao lado da discussão técnica sobre o que está em causa. E o que está em causa é a mobilidade sustentável.

A mobilidade sustentável não é um slogan. É, antes, uma doutrina que abrange muitas áreas da nossa vida. A sua acção extravasa em muito a questão dos transportes, tendo efeitos visíveis em sectores tão diversos como o planeamento urbano e a economia, o ambiente e a saúde, a educação e os hábitos sociais. A necessidade de consolidar formas de gestão inovadoras para estes problemas vem há muito sendo dramatizada no contexto político europeu. São essas preocupações que estiveram na origem do Livro Branco para os Transportes (A Política Europeia de Transportes no Horizonte 2010), adoptado pela Comissão Europeia em 2001. Devemos assim olhar para a experiência dos países com melhores práticas e aprender com as estratégias que aplicaram na sua procura pela melhoria da vivência urbana e de um uso mais eficaz dos recursos energéticos.

É hoje aceite sem controvérsia que a redistribuição das solicitações existentes entre os diferentes meios de transporte não pode ser imposta artificialmente – concentrando a actuação política num ataque ao transporte rodoviário através de uma política de preços – sem outras medidas complementares de revitalização das alternativas mais sustentáveis. Querer promover a redução de circulação – da mobilidade de pessoas ou mercadorias – por mera imposição legislativa é negar a complexidade do problema.
É necessário compreender as causas primárias da congestão urbana, e não olhar apenas para os efeitos do congestionamento resultante.

As nossas cidades, em especial as grandes áreas metropolitanas, cresceram de forma pouco compacta e descontínua. O território urbano desenvolveu-se em resultado de pulsões diversas, não sendo planeado segundo o objectivo de optimizar o recurso ao transporte. As cidades raras vezes oferecem condições para as pessoas trabalharem e habitarem em zonas próximas. Isto, aliado às necessidades específicas de uma vida contemporânea com grandes exigências de mobilidade, tem favorecido o uso do automóvel particular.

Para lá das razões objectivas desenvolvem-se também aquelas de carácter cultural. Um determinado modo de vida favorece a sua continuidade. Invertê-lo exige a capacidade de tornar apelativas as alternativas, mobilizando os cidadãos a aderir às novas lógicas de transporte mais sustentáveis e ambientalmente correctas. Isto significa que importa acompanhar a sua implementação com um trabalho promocional - marketing positivo, pedagógico se quiserem – que aumente as suas garantias de sucesso.

Na ausência de uma estratégia mais vasta, falar de portagens nas cidades é começar pelo fim. Uma verdadeira estratégia para a mobilidade sustentável passa por integrar medidas numa acção concertada de alteração dos comportamentos. E para que isto seja possível, há que garantir a qualidade e a integração dos sistemas de transporte, criando novos pontos de integração intermodal, ampliando zonas pedonais e ciclovias, regulamentando o acesso viário e de mercadorias e, enfim, planeando a cidade com vista à redução das necessidades de tráfego.

A questão da intermodalidade é central ao problema da mobilidade urbana. Este princípio determinante assenta na ideia de óptima interacção entre modos de transporte, pela plena habilidade de transitar de sistema para outro sem perdas de qualidade evidentes. Transitar do carro privado para os sistemas colectivos deve ser tão simples como mudar de metro numa qualquer estação. Assim, e em tecidos urbanos descontínuos como os nossos, é fundamental criar interfaces centrais de comutação nos principais eixos de acessibilidade – onde deixar o carro em segurança e aceder à rede colectiva.

Para lá deste trabalho imenso, há que entender o próprio planeamento urbano como uma ferramenta de gestão, que contribua para que a estrutura da cidade - territorial e funcional - se mantenha coesa. Áreas residenciais e de serviços deviam ser projectadas e construídas tomando em conta as infra-estruturas existentes e a provisão de boa mobilidade pública, proporcionando menor carência de uso de viatura particular.
Esta tarefa, aparentemente gigantesca, é possível com a consciência de que estamos perante uma nova abordagem ao transporte urbano. Uma abordagem que exigirá, ao nível da acção local, um esforço para a modernização dos serviços públicos ou colectivos. E para isso é essencial satisfazer as necessidades dos utilizadores que têm o direito a esperar serviços de boa qualidade e o respeito pelos seus direitos: colocando o utilizador no centro da organização dos transportes.
Alcançada a consciencialização dos cidadãos, encorajando alterações aos seus hábitos e aumentando o uso de formas alternativas de transporte, estarão lançadas as bases para a redução da exigência por mobilidade automóvel, com todos os efeitos negativos que daí decorrem. É esse o bom exemplo de Londres a seguir, não parcialmente, mas no seu todo.

9 comentários:

  1. Estava a viver em Londres na altura da introdução desta taxa...e para além de todos os benefícios nomeadamente ao nível do congestionamento revelou-se um excelente impulso para o incentivo ao uso de meios alternativos de transporte não puluente ...e por excelência .....bicicletas!!!Foi ver Londres aproximar-se um pouco de uma....Copenhaga por exemplo!!

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  2. Muito bom post. Como refere, é importante determinar as causas, para que se possa adaptar as melhores práticas ao caso específico das cidades portugueses. Não basta regulamentar zonas sem trânsito ou taxar, sem antes melhorar todas as outras infraestruturas de transportes públicos.

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  3. Tenho por hábito visitar, mas nunca encontro um comentário inteligente que valha a pena fazer - sublinho que sempre estes posts são redondos, perfeitos, colocando as várias faces sob as quais cada situação carece ser observada, com inteligência, com experiência, e sobretudo "bom senso".
    Claro que sabemos que "bom senso" é uma qualidade que abomina aos políticos e aos media - mas sempre me atrevo a sugerir aos nossos políticos que visitem este blog ...

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  4. Estive em Londres no fim-de-semana passado, como poderás ver no Arrumário. A primeira coisa que me surpreendeu foi a quantidade de gente no metro a qualquer hora do dia ou da noite. Só depois me lembrei da política de redução de viaturas particulares dentro da cidade. Actualmente só se vêem Ferraris, Rolls e afins. De resto, anda tudo de transportes.
    A grande diferença para a grande Lisboa é que os transportes são em grande número e frequência e pode-se dizer que são baratos. Um one day ticket custa 7 Libras ou coisa que o valha. Dá para todos os transportes públicos (excepto taxi evidentemente) desde o aeroporto até ao centro da cidade. Algo equivalente a um bilhete que cubra toda a área da cidade de Lisboa até, por exemplo, Sintra. Quanto custaria isso cá?
    Um abraço.
    ZM

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  5. a implantação de uma política de redução do tráfego de transportes particulares nas cidades faz todo o sentido nos dias que correm. No entanto uma atitude destas só tem efeitos positivos se conjugada com diversos factores. Ao colocar taxas de circulaçao automovel nas cidades, é necessario que o número de veículos de transportes públicos aumente consideravelmente assim como a sua distribuíção pela cidade. Eu moro no Porto e vou todos os dias para o centro da cidade de metro mas antes dirijo-me de minha casa até à estaçao mais próxima de carro pois não há meios de transporte público que façam essa ligação, no entanto não deixa de ser a realidade possível das pessoas que andam pela cidade através do pagamento de taxas. Se houver realmente um sistema conjunto de transportes públicos: metro, eléctrico, autocarros, ..., bem distribuído e com uma boa frequência, é possível disfrutar da cidade sem que para isso seja necessário o uso do automóvel.

    Ao mesmo tempo esta política agrada-me pelo facto de continuar a permitir a entrada de veículos particulares na cidade (caso contrário a cidade morreria), mas com efeitos de redução de trânsito imediatos e consequentemente de poluíção atmosférica.

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  6. Basicamente, o que quero dizer é que não se pode plantar vinte Massamás em torno de uma cidade e pensar que se resolve o problema de tráfego com portagens. Era isso...

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  7. Ora bem, agora disseste tudo. Admira-me como há tanta gente a colocar sequer a hipótese de introduzir portagens em Lisboa, nos próximos anos ou mesmo décadas. A comparação com Londres, que tem há muitos anos um sistema eficiente de transportes públicos, é absurda. Provavelmente, quando se conseguir resolver o problema da mobilidade entre Lisboa e os seus subúrbios, e destes entre si, já o problema não se põe, por falta de petróleo.
    Por outro lado, não sabendo números, suponho que quem leva o carro dos subúrbios para Londres tem algum poder de compra, e que essas pessoas representam um valor residual em relação ao número de pessoas que usam o transporte colectivo. Em Lisboa quem usa o carro é a classe média/média-baixa a quem sai mais barato comprar casas em sítios em que não há transportes públicos e usar o carro para ir trabalhar. Em todo o caso, a proporção de utilizadores de transportes colectivos é muito mais baixa cá.

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  8. Além disso parece haver uma tendência crescente para as empresas se mudarem para os subúrbios, onde os terrenos e as rendas são mais baratos. De modo que é possível que haja cada vez mais movimentos pendulares que não passam por Lisboa, e portanto é preciso pensar como facilitar a mobilidade dentro da Grande Lisboa sem passar pelo centro. E aí deixa de ser preciso portagens. De resto, se não estou em erro uma grande parte do tráfego automóvel em Lisboa (creio que mais de um terço) é de atravessamento, ou seja não tem Lisboa como origem nem destino.

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  9. Transporte, Portagens e "Alternativas"

    Não tenho o habito de opinar, muito menos de publicar seja o que for.

    Acho que se torna fundamental pois o País necessita de todas as opiniões validas ou não desde que se retirem as ilações.

    Fala-se do aumento dos produtos petrolíferos, "isto está mau...", " o euro valoriza em relação ao dólar", e por ai fora. Mas não vejo escrito em lado nenhum sobre o preço das portagens que equivale ao valor pago em combustíveis por exemplo. O que nos leva o assunto das alternativas, que não existem como todos sabemos.
    Vamos lá "ver" o que não se fala:
    - Comboios: Todas as localidades principais deveriam estar ligadas as mais próximas com comboios em intervalos de 1H directos "expresso" com outros escalados no intervalo dessa hora . Por exemplo Castelo Branco deveria de estar ligado com Portalegre , Guarda e Coimbra a preços acessíveis. Daria despesa pois, daria mas os lucro indirectos pagam largamente as despesas criadas, de qualquer forma estes podem ser dimensionados para o tamanho necessário dependente do nº de pessoas e cargas. "Comboios Lite" construidos em materiais leves que por acaso podem ser feitos em Portugal e dar empregos - há desculpem esqueci-me não necessitamos !!!
    Permitira aos "Camelos" das cidades do "Portugal Profundo", seja lá o que isso for, dinamizarem as economias locais. Exemplo disto seria possível a uma pessoa trabalhar em Coimbra e viver em Castelo Branco.
    Claro que não se discutem opiniões deste género pois enquanto perdemos o tempo a "falar" sobre o leite derramado não se enriquece o conteúdo e continua-se igual a si próprio no caso português - "Sem Rumo e sem objectivos".

    Um Bem Aja...

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