Retratos da crise

A observação é do Edgar Gonzalez. Uma selecção fotográfica do The Atlantic sobre a recessão em Espanha incluía um pequeno insólito – ver What the Recession Looks Like in Spain. Entre protestos de rua, grafitis com mensagens políticas, filas de desemprego e outros retratos da crise social destacava-se uma imagem da icónica Cidade das Artes e das Ciências de Valência, acompanhada do texto que se transcreve abaixo.



Uma vista da Cidade das Artes e das Ciências, do arquitecto Santiago Calatrava. Os custos do empreendimento escalaram de uma estimativa inicial de 625 milhões para 1280 milhões de euros, de acordo com a imprensa local. Considerada em tempos uma referência da nova grandeza económica de Espanha, a região mediterrânica de Valência tornou-se o símbolo de tudo o que está errado no país. Anos de despesismo, conjugados com os efeitos do colapso da bolha imobiliária e dos bancos locais, colocaram Valência à beira do resgate pelo governo central – que enfrenta os seus próprios problemas financeiros. A implosão do sector da construção trouxe a público a denúncia de casos de corrupção envolvendo políticos, promotores imobiliários e banqueiros, durante uma década de dinheiro facilmente acessível a baixas taxas de juro após a entrada de Espanha no euro em 1999.

A reportagem do The Atlantic é testemunho da dimensão política do trabalho editorial. A exposição de uma simples imagem convoca-nos para um facto perturbante: que a crise também pode ter uma face moderna – em linguagem política. Esse era também o tema de fundo de um dos mais populares documentários de Jordi Évole – Cuando Éramos Cultos – onde se faz o retrato exaustivo da bolha cultural de Espanha. Grandes projectos de arquitectura, notáveis no desenho e na dimensão, da autoria de alguns dos mais reputados arquitectos mundiais, revelam-se agora empreendimentos cronicamente deficitários. Cascos que se tornam pesadelos financeiros para as suas regiões e impedem o investimento efectivo em cultura – nos agentes locais, nas iniciativas e nos equipamentos que chegam de facto às pessoas. São, afinal, eucaliptos culturais que secam tudo à volta, dando razão às palavras do escritor e músico galego Antón Reixa: Cultura é gente fazendo cultura e gente usando cultura. Isto são tijolos.

Estaremos nós assim tão longe desta realidade? Com que belas fachadas se poderiam também compor os nossos retratos da crise?

3 comentários:

  1. Quem tinha por hábito visitar a Feria de Valência (bianual, ligada ao sector de máquinas e materiais de construção) tinha sempre a impressão de que a cidade não era a mesma, estava sempre em franco crescimento... a última vez que lá estive, há 3 anos, havia já um certo ar de 'mau preságio': um mar de prédios em contrução aparentemente abandonados, gruas por todo o lado sem ninguém que as operasse... deprimente - mas espectável.

    Nunca percebi como era possível haver tanto espaço a ser utilizado para a contrução de torres de apartamentos...

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  2. Daniel ,

    Aqui desde a Australia continuo sempre atento e saludo a transparencia que vai demonstrando nos seus posts !

    Faco parte de uma geracao que cresceu nao so' enquanto estudante mas tambem mais tarde como arquitecto a admirar o trabalho de criadores como os Sizas / os Soutos de Moura e demais autores da nossa praca ..e nao so' !!

    Nao coloco em questao toda a sua dedicacao , talento e distincao ...mas e' absurdo constatar a vassalagem que foi e ainda vai sendo prestada a esta , passo a expressao, tropa cumplice de todos os agentes que permitirao a edificacao de IRRESPONSABILIDADES / ELEFANTES BRANCOS que derraparam em niveis astronomicos !!!!

    E' UMA VERGONHA ,ainda para mais em tempos de vacas magras que esta gente continue a ser convocada para a 'festa' por via de adjudicacoes directas ou concursos combinados !!! Uma vergonha absoluta !!!

    Saudacoes pelo post !

    francisco , Melbourne - Australia

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  3. Não devemos confundir aqui duas realidades distintas. O trabalho dos dos arquitectos mencionados e de muitos outros , é notável. O problema da derrapagem nos custos que, aqui em Portugal, tem sido uma constante desde a construção do Centro Cultural de Belém no tempo do ministro Cavaco Silva que ficou 10 vezes mais caro que o que se previa,passando pelas loucuras da Expo 98, dos 10 Estádios de Futebol para o Euro 2004, etc, todos eles a resvalarem para custos bem fora dos orçamentos e para os bolsos de muitos oportunistas, partidistas e outros istas...
    Mas como em Portugal a culpa fica sempre "solteira" e a Justiça não se sabe onde mora, não nos resta a esperança de ver os culpados desta crise na cadeia.

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