Uma história de sobreaquecimento da economia

Image credits: André Pais.

O endividamento dos particulares – cidadãos e famílias portuguesas – ascende a 166 mil milhões de Euros, equivalente à totalidade do produto interno bruto nacional – dados de final de 2012. A dívida resultante do recurso ao crédito para compra de habitação compreende 70% desse valor, no total de 116 mil milhões de Euros.

Este fenómeno de endividamento teve na sua origem uma conjugação de diferentes factores, destacando-se um conjunto de alterações estruturais ocorridas no sistema bancário com o aumento das condições de emissão de crédito, o abaixamento progressivo das taxas de juro e os efeitos da convergência ao quadro da adesão ao Euro.

Tendo presente que no actual sistema monetário os bancos emitem crédito sobre a forma de novos depósitos electrónicos – criando dinheiro que antes não existia – importa agora ter em conta que o volume de crédito para habitação não só aumentou progressivamente ao longo das últimas décadas como duplicou desde 2001.
Perante um processo de crescimento do crédito tão espectacular, que se traduziu na canalização de avultados recursos financeiros sobre o sector da construção, poderíamos ser levados a inquirir por que motivo tal não repercutiu um aumento igualmente significativo da inflação no conjunto da economia. Essa inflação, na verdade, aconteceu, mas os seus efeitos foram circunscritos ao mercado imobiliário.

A massificação do acesso ao crédito em regimes cada vez mais agressivos teve como efeito o aumento da procura e uma correspondente subida de preços da edificação. Esta valorização obteve, da parte do sistema bancário, uma leitura positiva por assegurar a solidez das suas garantias sobre a forma de hipoteca em caso de incumprimento dos particulares. Por sua vez, este comportamento do mercado tornava mais favoráveis as condições para criação de novos créditos no sector, tidos como de baixo risco e elevado retorno.

Sucede também que o aumento global do preço do parque edificado não é considerado para efeitos do cálculo da inflação, apenas os custos correntes em rendas e outras despesas associadas à habitação. A isto acresce que o endividamento das famílias, obtido por via do crédito, implica a redução do seu rendimento disponível, tendo um efeito negativo no consumo e, correspondentemente, na inflação para o restante conjunto da economia.

Importa assim compreender que este processo de valorização crescente do imobiliário constituiu uma distorção do normal comportamento do mercado. Qualquer modelo de avaliação dos custos da construção tem por base a consideração de uma desvalorização gradual dos imóveis em função da idade. É isso que sucede em economias onde o sector da construção não teve uma expressão tão significativa, como no caso da Alemanha. Em Portugal, no entanto, como na Espanha e em outros países, instalou-se a expectativa generalizada quanto à tendência de valorização do preço das casas.

Tomou-se afinal como paradigma aquilo que não passou dos efeitos do próprio sobreaquecimento do mercado, resultante da canalização de avultadas quantidades de crédito pelo sistema bancário para este sector. Este ambiente especulativo foi não só lesivo para os cidadãos particulares, aumentando artificialmente os preços da habitação e o seu endividamento, como se traduziu numa forte pressão urbanística em todo o país.

Também aqui as dinâmicas de um mercado distorcido tiveram as suas consequências. Se algumas cidades foram a reboque do imobiliário, cedendo à expansão dos perímetros urbanos a uma velocidade sem precedentes, outras cidades que procuraram conter essa tendência viram-se fortemente prejudicadas pelos efeitos inflacionários decorrentes para o custo do solo urbano - com distorções de preços que, em muitos casos, a própria crise não resolveu.

Devemos agora compreender que tal paradigma foi, não apenas, errado, como é igualmente irrepetível. Passámos da era da construção para a era da gestão – mais um motivo para colocarmos a reabilitação, ainda tão deficitária, no centro do debate político.

2 comentários:

  1. Estou a gostar muito desta série de artigos. Bem hajas. (já agora, feliz Natal).

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  2. Obrigado pela visita. Votos que estejam já bem instalados na nova casa (porque sim, eu sou leitor do Arrumário!). E um Feliz Natal para ti e para a tua família. :)

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