Terra incognita



Se a Europa – isto é, a Alemanha – forçar o Governo de Tsipras a capitular, muita gente ficará feliz com o desfecho. Mas são inconscientes: estarão apenas a antecipar o fim da Europa. A capitulação e a humilhação da Grécia detonará, entre muitos povos da Europa, uma onda de ódio antialemão e de frustração com Bruxelas que será terra fértil para extremismos bem mais perigosos e incontroláveis. O desespero nunca foi bom conselheiro. A chancelerina Merkel devia meditar na célebre frase de Kennedy: “Os que tornam impossível a revolução pacífica tornam inevitável a revolução violenta”.

– Miguel Sousa Tavares: Se nós não somos a Grécia é porque somos parvos; Expresso

A imagem fica para a crónica destes tempos. A História desenrola-se em frente dos nossos olhos. Não sabemos ainda, em boa verdade, o que estamos a ver; a capitulação de um funcionário de Bruxelas ou o vôo de Ícaro de Varoufakis. O presente é sempre um espesso nevoeiro que tarda em passar. É a maldição de viver tempos interessantes. Ou tempos estranhos, estes, em que a estabilidade é uma certeza de agonia e na incerteza encontramos a única réstia de esperança.

1 comentário:

  1. Para alguns serão estranhos ou interessantes, decerto. Mas quando há alguma sustentabilidade. Sim porque no meio disto tudo, há quem "ainda vá vivendo". Ainda vai havendo bancários, escriturários, professores, engenheiros. Há pessoas que apesar de sofrerem com impostos e terem de reduzir os gastos, continuam a viver. Ainda há gente a conseguir ir de férias. Eu conheço vários casos. E daí, desses casos moderados, o técnico superior x, ou o engenheiro y, ainda vão conseguindo viver e fazer coisas que gostam. A crise para algumas pessoas, inclusive que eu conheço - e apesar de boa parte estar sujeita a despedimentos também, é uma espécie de granada de estilhaços, que os atingiu com alguns estilhaços, feriu, mais ou menos conforme a distância (leia-se posto no mercado de trabalho) - mas não os feriu de morte e não os matou. A mim rebentou-me a granada á distancia em que os estilhaços ferem de morte. Para essas pessoas, consigo perceber como observam a crise um tanto "á parte" porque ainda conseguem manter alguma qualidade de vida. Estes são o que eu chamo "réstea da classe média" portuguesa. Para mim, mais do que estranhos, são tempos absolutamente horríveis, devastadores. Para quem queria um pouco mais do que um tecto e uma mesa, e almejava um pouco mais da vida do que somente "existir por existir", E vejo-me agora com curso superior tirado com dificuldade, experiência de trabalho, e para piorar, impossibilidade de emigrar,é mais do que um nevoeiro estranho. É um muro. E o tempo não pára. Começam a aparecer os primeiros cabelos brancos. Não que isso por si seja negativo, mas toda a negatividade que significa. Já a juventude se irá despedir de mim em breve. E não a vivi. Não vivi o meu eu, o meu ser. Não precisava de ser rica. Só queria alguma estabilidade e algum fruto do esforço que fiz a estudar e trabalhar. Mas os anos passaram. Não somos de ferro. Esperança já não tenho. Quem me dera não ter sonhado demasiado com coisas que eram de facto possíveis, literalmente possíveis de concretizar se não tivesse havido crise. Pior ainda, a forma como se arrasta pesadamente através do tempo, e como eu (ou outros) se arrastam, desprovidos de si próprios, como as correntes de um prisioneiro a arrastarem-se no chão do corredor da morte. A Grécia, pelo menos, sofreu uma alteração mais rápida, mais radical. Eu preferia assim, aqui, do que este arrastar penoso em que já não vale a pena lutar ou debater porque todos os esforços são em vão, isto, no meu caso. Preferia que, por mais instável, perigoso e imprevisivel que fosse, pelo menos que houvesse uma quebra no ciclo prtuguês, que para mim não é mais do que uma morte pesada, lenta e dolorosa, morte essa que tem todos os ingredientes para se traduzir em morte de forma literal. Ao menos que este sofrimento doloroso e lento fosse interrompido parcial e temporariamente porque algo brusco, radical e diferente. Por mais perigoso que fosse.

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