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Quarta-feira

Porque não sou nada religioso, várias vezes surpreendo os meus amigos ao dizer que Jesus Cristo é das figuras mais admiráveis da nossa história. E é também uma das mais incompreendidas.
Parece-me sempre difícil ter uma ideia mais concreta de quem seria este Jesus de Nazaré, perdido que ficou entre a bruma dos mitos da sua santificação. Julgo que a própria Igreja Católica, que tem de si a missão de pregar as suas palavras, se esquece do poder que nelas reside preferindo assim a ênfase na sua divinização e ritualização.
Todos nós já vimos a imagem daquele Cristo das séries de televisão, inevitavelmente um sereno pacifista, paternal em relação às limitações e defeitos dos homens. Dois mil anos passados da sua morte encaramos as suas palavras como o maior dos lugares comuns, e esquecemos duas coisas. Primeiro, que o nosso modo de vida está tão longe dos princípios que proclamou, e segundo, que esses princípios (ou lugares comuns) foram a mensagem mais subversiva da história e a sede do património intelectual da nossa civilização ocidental.

Olhemos então para algumas das suas mensagens: somos todos iguais, somos todos irmãos, filhos de um mesmo Deus. Respeita o teu próximo como desejas ser respeitado. Perdoa, mesmo se te agredirem. Estas palavras parecem-nos óbvias, fruto do maior bom senso. Mas num tempo em que existiam imperadores e escravos, no tempo em que uns eram tudo e outros não eram nada, dizer que somos todos iguais soa a subversão. O mais admirável em Jesus Cristo foi ter consagrado esta mensagem num tempo em que ela estava bem longe da realidade. O imperador nunca poderia ser irmão de um escravo, nunca se sentaria à sua mesa para comungar do mesmo cálice. E porque a mensagem de Jesus Cristo era subversiva, e porque tinha o dom de se fazer ouvir, foi assassinado.

Como me parece que este homem maravilhoso deve ter sido um solitário. Um homem lúcido no meio de um mundo de injustiça e agressão. Como não nos havemos de comover com o seu sacrifício. E por isso olho para este Cristo sem me interessar se era ou não capaz de fazer milagres, mas com o respeito de quem sabe que residia ali um verdadeiro irmão.

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Terça-feira

O corpo humano é uma máquina fantástica.
Quando observamos a quantidade de informação que o corpo processa continuamente, nas suas componentes biológicas e psíquicas, dificilmente nos deixaremos de maravilhar com a complexidade do significado de estar vivo. No entanto, esquecemos facilmente que a estrutura em que assentamos tem regras, modos de operar consubstanciados no facto de que, antes de mais, somos assim por uma necessidade de sobrevivência. Isto, em grande parte, condiciona ou pelo menos direcciona o nosso modo de pensar. Estar consciente disso é o primeiro passo para nos compreendermos verdadeiramente.
A mente humana desenvolveu processos de lidar com a realidade. Na capacidade de compreendermos e relacionarmo-nos com o mundo envolvente reside um dos segredos da nossa sobrevivência. Um desses processos é a capacidade de análise, uma habilidade que, como o próprio nome indica, se sustenta no conceito de analogia.
Analogia é quando dizemos que uma parte do X se parece com o Y. Define a nossa habilidade de relacionarmos uma coisa com outra, como por exemplo distinguir o que é que numa maçã é diferente de uma laranja. É um processo de simplificação que está na base do modo como construímos a nossa compreensão do mundo. Ao simplificarmos a realidade, agruparmos na nossa mente os elementos que são semelhantes, tornámo-nos ágeis a tomar decisões e a fazer escolhas.
Este processo é complementado com um outro, a que chamamos de síntese. É a capacidade de interligarmos elementos separados, ou mesmo ideias, num todo, uma teoria ou um sistema. Ou seja, de tirarmos conclusões.
A beleza desta fórmula do pensamento reside na sua simplicidade. Funciona. No entanto, porque a nossa mecânica intelectual tende para a simplificação, a nossa percepção do mundo pode tender para homogeneizar as diferentes realidades que nos rodeiam, e ser levados a esquecer que o mundo não é exactamente aquilo que a nossa mente percepciona. Ou esquecer que a realidade é complexa.

Escreveu o famoso designer italiano Bruno Munari que cada um vê aquilo que sabe. Por exemplo, quando um impressor olha para um livro, vê o papel de capa, as cores aplicadas, o brilho da tinta, o tipo de letra e a sua composição. Então abre o livro e vê a montagem do texto, a numeração, a textura do papel, todo um mundo de pormenores que fazem parte do seu trabalho e da sua vida. Depois nós chegamos à loja e olhamos para a capa (se gostamos ou não), vemos o título, olhamos para o preço e seguimos, alheios a tudo o que ficou por observar. Também nisto, no processo de observação das coisas mais simples, o nosso cérebro fantástico está a fazer escolhas. Tendencialmente, selecciona aquilo para que está desperto e que se conjuga com o mundo das suas próprias referências, aquilo que conhece.
Ao longo da nossa vida vamos fazendo escolhas que determinam o nosso modo de ser, os nossos princípios, regras e tolerâncias. A construção em que nos vamos tornando é a base com que encaramos os passos seguintes. Por isto nunca somos verdadeiramente livres de preconceito, porque trazemos uma bagagem de regras que nos são confortáveis e que julgamos estarem certas.
Essas regras são necessárias e delas depende, em grande medida, a estabilidade individual de cada um. Mas se quisermos verdadeiramente começar a aprender, devemos estar despertos para compreender o que são esses códigos que temos como certos e sobre os quais fundámos a conduta das nossas vidas. Temos de estar mais interessados em conhecer do que preferir. De deixar que cada uma das nossas experiências vá formando o nosso gosto e o nosso saber, e o vá modificando, para deixarmos de lado as particularidades da subjectividade e conseguirmos ver o que é universal.

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Quinta-feira



Podemos saber o nome de um pássaro em todas as línguas do mundo, mas no fim, não sabermos nada sobre esse pássaro... Por isso, vamos olhar para o pássaro e ver o que ele está a fazer – é isso que interessa. Eu aprendi bem cedo a diferença entre saber o nome de algo e saber algo.
Richard Feynman