Terça-feira
O corpo humano é uma máquina fantástica.
Quando observamos a quantidade de informação que o corpo processa continuamente, nas suas componentes biológicas e psíquicas, dificilmente nos deixaremos de maravilhar com a complexidade do significado de estar vivo. No entanto, esquecemos facilmente que a estrutura em que assentamos tem regras, modos de operar consubstanciados no facto de que, antes de mais, somos assim por uma necessidade de sobrevivência. Isto, em grande parte, condiciona ou pelo menos direcciona o nosso modo de pensar. Estar consciente disso é o primeiro passo para nos compreendermos verdadeiramente.
A mente humana desenvolveu processos de lidar com a realidade. Na capacidade de compreendermos e relacionarmo-nos com o mundo envolvente reside um dos segredos da nossa sobrevivência. Um desses processos é a capacidade de análise, uma habilidade que, como o próprio nome indica, se sustenta no conceito de analogia.
Analogia é quando dizemos que uma parte do X se parece com o Y. Define a nossa habilidade de relacionarmos uma coisa com outra, como por exemplo distinguir o que é que numa maçã é diferente de uma laranja. É um processo de simplificação que está na base do modo como construímos a nossa compreensão do mundo. Ao simplificarmos a realidade, agruparmos na nossa mente os elementos que são semelhantes, tornámo-nos ágeis a tomar decisões e a fazer escolhas.
Este processo é complementado com um outro, a que chamamos de síntese. É a capacidade de interligarmos elementos separados, ou mesmo ideias, num todo, uma teoria ou um sistema. Ou seja, de tirarmos conclusões.
A beleza desta fórmula do pensamento reside na sua simplicidade. Funciona. No entanto, porque a nossa mecânica intelectual tende para a simplificação, a nossa percepção do mundo pode tender para homogeneizar as diferentes realidades que nos rodeiam, e ser levados a esquecer que o mundo não é exactamente aquilo que a nossa mente percepciona. Ou esquecer que a realidade é complexa.
Escreveu o famoso designer italiano Bruno Munari que cada um vê aquilo que sabe. Por exemplo, quando um impressor olha para um livro, vê o papel de capa, as cores aplicadas, o brilho da tinta, o tipo de letra e a sua composição. Então abre o livro e vê a montagem do texto, a numeração, a textura do papel, todo um mundo de pormenores que fazem parte do seu trabalho e da sua vida. Depois nós chegamos à loja e olhamos para a capa (se gostamos ou não), vemos o título, olhamos para o preço e seguimos, alheios a tudo o que ficou por observar. Também nisto, no processo de observação das coisas mais simples, o nosso cérebro fantástico está a fazer escolhas. Tendencialmente, selecciona aquilo para que está desperto e que se conjuga com o mundo das suas próprias referências, aquilo que conhece.
Ao longo da nossa vida vamos fazendo escolhas que determinam o nosso modo de ser, os nossos princípios, regras e tolerâncias. A construção em que nos vamos tornando é a base com que encaramos os passos seguintes. Por isto nunca somos verdadeiramente livres de preconceito, porque trazemos uma bagagem de regras que nos são confortáveis e que julgamos estarem certas.
Essas regras são necessárias e delas depende, em grande medida, a estabilidade individual de cada um. Mas se quisermos verdadeiramente começar a aprender, devemos estar despertos para compreender o que são esses códigos que temos como certos e sobre os quais fundámos a conduta das nossas vidas. Temos de estar mais interessados em conhecer do que preferir. De deixar que cada uma das nossas experiências vá formando o nosso gosto e o nosso saber, e o vá modificando, para deixarmos de lado as particularidades da subjectividade e conseguirmos ver o que é universal.
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