Sexta-feira
[este texto foi inicialmente escrito como comentário no blog Murcon de Júlio Machado Vaz]
O verdadeiro confronto que existe na questão do aborto é entre aqueles que vêm a questão sobre um ponto de vista ideológico e os que a olham de um ponto de vista pragmático. Para os primeiros trata-se de um problema de civilização e de princípios, o que atira o debate para um patamar de quase indiscutibilidade. Para os segundos é, antes de mais, um problema da realidade social, sendo nesse plano que se deve encontrar a resposta ao mesmo.
Defendo que, acima de tudo, é importante que os que advogam a criminalização desçam do pedestal dos ideais e dos princípios civilizacionais onde se pretendem colocar e venham para a realidade. Onde mulheres chegam aos hospitais com sangramentos e consequências terríveis por recorrerem ao aborto clandestino e ainda são maltratadas (e agora perseguidas) por isso. A realidade que faz de nós o país europeu com maior taxa de gravidez na adolescência. Que faz de nós o país com maior incidência de novos casos de HIV da Europa.
Venham então para esta realidade, que é aquela onde vivemos, e venham falar do significado de expressões como “direito à vida”. Porque “contra o aborto” somos todos. O que não vale é defender a educação sexual como argumento contra a descriminalização, e no dia depois do referendo meter a educação sexual na gaveta porque também é tabu. Porque isso não é defender a civilização, é defender a mentira.
Que consolo podem encontrar os que defendem a actual lei, como a que melhor serve essa superior visão civilizacional, se depois vivem na pior realidade europeia. Dá vontade de perguntar: então mas se a lei é tão boa tão boa tão boa, porque é que isto não presta?!
O aborto deve ser combatido, não pela prisão, mas pela cultura, pelo esclarecimento, pela promoção de uma educação sexual integrada numa educação para a saúde, e porque não dizê-lo, numa educação para a cidadania. E nunca esquecer que “informação” não é o mesmo que “conhecimento” que também não é o mesmo que “sabedoria”.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Concordo plenamente e de facto não sei quem são esses senhores que com tanta facilidade e presunção falam de "direito à vida" quando eles próprios não se preocupam com a qualidade, humanização e o respeito dessa mesma vida.
ResponderEliminarE pergunto, se o aborto não tivesse que ser feito de forma clandestina, não seriam essas mulheres mais bem acompanhadas, esclarecidas e não teriamos um controlo mais eficaz sobre a situação?
Aqui(Brasil), a hipocrisia inventou uma lei em que não seria mais necessário o "B.O." ( boletim de ocorrência)na delegacia pra liberar o aborto por estupro. Hoje temos nos principais jornais de São Paulo a história de uma garotinha que tentou usar essa lei, grávida com 14 anos, tendo sido estuprada aos 13 e não aceitaram. A mãe da garota deu graças a Deus (!) porque afinal, a menina teve um aborto natural. E o estuprador disse que nada houve porque a garota era apaixonada por ele e consentiu...E continuamos assim. A hipocrisia se faz lei, a lei não é cumprida, a sociedade finge que não vê as inúmeras mortes de mulheres e a igreja...elege um novo papa!!
ResponderEliminarPermita-me uma sugestão de leitura, vinda de quem há muitos anos debate este tema:
ResponderEliminarO Aborto, versão 2004.
Embora esteja genericamente de acordo com este texto (e com o texto do taf) gostava apenas de sublinhar que o direito não é só um conjunto de normas com efeitos em casos concretos mas é igualmente um poderoso instrumento social de transmissão de valores. E tenho dúvidas quanto à bondade de um sistema de valores que não tem em devida conta o valor da vida humana. É possível (e várias propostas já foram feitas nesse sentido) considerar o aborto como um crime sem que as mulheres sejam normalmente processadas criminalmente. Penso que é algures por aqui que está a solução de equilíbrio.
ResponderEliminarNo referendo anterior, estive para não votar, porque no fundo não sabia como. Sou cristão e acabei por votar não.
ResponderEliminarTalvez por isso, por reacção à posição insegura que tomei, tenho vindo a mudar. Na próxima vez vou votar sim (as dez semanas).
Porque este problema é grave na perspectiva da Saúde Pública, e como diz o Daniel, se a lei é tão boa, porque é que estamos tão mal?
E porque os Princípios são muitas vezes uma boa capa para a desumanidade, não podemos ser cegos;
peço desculpa, sei que vou chocar, mas até os Nazis tinham princípios, aliás todos os fanatismos os têm.
Que texto fabuloso! Fiquei sem fôlego. Obrigado por me ajudares a arrumar tão bem as ideias.
ResponderEliminarEu, que discordo do aborto por uma questão de princípio, concordo em absoluto com o que acabo de ler.
ZM
Daniel
ResponderEliminarrecebeu o meu mail?
é que houve aqui uns problemas de server.
cbs
ResponderEliminarRecebi! E obrigado pelo convite (cof, cof)... Tentarei re-postar o mais depressa possível.
:)
:)
ResponderEliminarpeço desculpa pela embrulhada.
Mas fico muito contente.