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Aplicas pedra, madeira, betão, e com estes materiais constróis casas e palácios… Mas subitamente tocas o meu coração… Isso é Arquitectura.
Le Corbusier
A obra de Álvaro Siza revela a eterna perenidade do sentido original da arquitectura e da expressão da existência humana sobre o território. Da procura da verdade em Kahn à expressão material em Wright, tantos o exprimiram das qualidades de uma doutrina que se quer além de um mero instrumento da forma ou da função.
Pela precisa linguagem da forma, cor, textura, a arquitectura inscreve-se numa herança mais arcaica. Para fundar, na paisagem um lugar institucional, um meio de vida, a marca de uma transcendência que transforma a natureza em cultura.
O registo, por demais enfatizado, da pureza, confunde tantas vezes do essencial. Pois que ao traduzir uma aproximação estilística da arquitectura faz sobrepor uma premeditação autoral sobre a compreensão dos processos que lhe dão forma. Siza sublinha o valor da transitoriedade, qualidade que exprime a maturação própria de quem busca resolver problemas de desenho - onde uma sombra define uma pala, um sentido inscreve uma rampa ou uma vista faz abrir um vão. É um processo laborioso de acumulação e depuração que conduz à construção de uma memória, em arquitectura, de formas sujeitas ao atrito e resistência da terra. Descobre-se assim o seu sentido de reminiscência, de pertença a um sítio e a sua circunstância.
A suave topografia dos campos é atravessada pelo fio de uma pequena estrada. O acesso a um velho depósito escavado em argila assinala o ponto de partida para a nova marca que ali se implanta. O volume deitado de 120 por 40 metros estende-se sobre a curva extensa do solo, dominando o horizonte multicolor dos pés de vinha que preenchem a imensa planície.
O contorno próximo em calçada de granito envolve o embasamento em alvenaria maciça de tijolo tradicional, caiado a branco. Dele se erguem os extensos paramentos, igualmente brancos, de desenvolvimento horizontal do edifício da nova adega.
O topo sudoeste define o portal de chegada aos visitantes, numa elevação que lhe reforça o sentido de hierarquia. Oposto, o topo inverso faz-se ao nível da terra, da jornada de produção que inicia o seu processo de transformação. Na penumbra das entranhas abre-se a longa nave de armazenamento, uma extensa caixa de betão com chão de pedra. Longas traves de madeira desenham linhas longitudinais para o assento das pipas.
Na Adega Mayor, o programa é a narrativa do ritual de maturação da uva, da fermentação ao lento estágio do vinho. No volume vertical localizam-se as funções humanas, num piso intermédio destinado a suporte técnico e administrativo e ainda um piso superior de uso social. Aí se concentram os espaços de apoio turístico e promocional com recepção e prova, que conduzem ao grande terraço superior do edifício. O relvado de cobertura é rasgado por um espelho de água central, em chão de mármore. No mesmo material, bancos paralelipipédicos desenham linhas puras que se conjugam com o painel central.
Um velho mestre escreveu que o sol nunca conheceu a sua beleza até iluminar a face de um edifício; palavras que parecem ressoar desta presença solitária. Um pavilhão vinícola ou um templo reverencial sobre a paisagem, a Adega Mayor de Álvaro Siza é um edifício que define um modo de vida, que vive e se alimenta do circuito das estações sobre os campos que o envolvem. Uma obra perene para dominar o lento labor dos dias de vindima, vibrando ao sol para guardar depois, na sua pele, o azul-cinzento do cair do dia.
O resto é silêncio.
Arquitectura: Álvaro Siza.
Fotografia: Fernando Guerra.
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