Estava eu à conversa com um amigo sobre notícias do dia anterior quando concluímos que toda a nossa informação se resumia a frases que havíamos lido no rodapé dos telejornais. Rimos os dois com a situação – que em boa verdade nenhum de nós tinha prestado a devida atenção às notícias de fundo. Não pude deixar de ficar a reflectir um pouco mais sobre aquele cómico episódio. Estaremos todos a resvalar para uma cultura de rodapé rolante, reféns de um síndrome de atenção curta próprio da era dos tweets e dos posts?
À medida que vamos lentamente resvalando para a loucura, este tempo sem tempo para pensar, parecemos incapazes de fugir ao estado de idiocracia geral que tudo domina. Eis um clima propício à condução fácil da opinião colectiva. A cultura dos títulos, dos soundbytes, é também sintoma de um tempo de ilusionismo associativo e, melhor definido, de pseudo-ciência.
Vejam-se tantos exemplos de sustentação argumentativa que discorrem diariamente na televisão e na sua caixa de ressonância que são hoje os blogues. Justificar, por exemplo, o investimento na rede de TGV com recurso a frases lapidares tais como «Se nós estivéssemos preocupados com isso [rentabilidade das grandes infra-estruturas ferroviárias] no século XIX ainda hoje estávamos à espera de um comboio entre Lisboa e Porto» ou «Portugal tem que marcar posição e ganhar posição nos mercados internacionais e particularmente Europeus; tem que reforçar o seu posicionamento estratégico nas rotas comerciais no mundo». São variantes retóricas de um argumento que anteriormente ouvimos formular por um conhecido administrador da Mota-Engil: «Eu só sei que Portugal não pode ficar fora da rede de alta velocidade». A tónica aqui está por certo na passagem «Eu só sei que».
Este exemplo, entre tantos outros casos de debate de ideias, relembra-nos a estranha cisão que hoje se aceita entre sustentação técnica e decisão política. Como se a política habitasse um território transcendente que paira sobre a razão dos factos e dos números, da sua verdade científica. Argumentos que se vêem tantas vezes arredados do espaço de debate público, devidamente balizados em aforismos televisivos do tipo «as pessoas não compreendem essas coisas» - este modo como passam incólumes repetidos atestados de ignorância geral, sem que uma voz se erga em protesto, são também demonstrativos desta vitória da idiocracia.
Marinamos todos um pouco neste caldo de cultura, reflexo da inflação e decadência das Academias. Longe estamos da poesia da revolução democrática, dos seus valores e, pior que tudo o resto, da promessa de um povo educado que defendesse a República. Por fim, sem isto, pouco mais resta para celebrar.
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