Só macacos
2001: Odisseia no Espaço. A primeira meia hora era só macacos.
Algures na secção de críticas da página do filme 2001: Odisseia no Espaço no IMDb, um utilizador zombeteiro comenta que «a primeira meia hora é só macacos». É uma frase que deveria ser desde já imortalizada numa T-shirt, um verdadeiro lema para os dias que correm.
Recordo-me de ver o clássico sci-fi de Kubrick pela primeira vez durante a adolescência, numa reposição em cinema, na grandeza do grande ecrã. À saída da sala uma senhora dizia outra frase inesquecível: «as cores eram muito bonitas». Tal como aquela senhora, também eu estava sem perceber grande parte do que ali se tinha passado.
Só anos mais tarde, ao ler o livro de Arthur C. Clarke, compreendi as razões bem objectivas que estavam por detrás da abstracção narrativa em que o filme mergulhava a caminho do grande final. Curiosamente essa explicação retirou para sempre alguma da magia que tinha apreendido do filme; algo que havia interpretado como uma representação da experiência de contacto com uma civilização extraterrestre avançada, em tudo o que tal teria de inexplicável e transcendente, ou noutra palavra, alienígena.
Ainda sobre abstracção em cinema, em particular no género especulativo da sci-fi, observamos hoje uma tendência irreversível para o hiper-realismo tornado possível pela tecnologia digital. A questão coloca-se no modo como se vão estabelecendo modelos formais e narrativos que abandonam conceitos passados de cinematografia enquanto lugar de celebração da subjectividade do olhar. Ocorre-me, sobre isto, o paradigmático Avatar. Pensar como para lá de uma overdose sensorial resta um filme que em nada enuncia algo novo; tudo ali é demasiado presente, demasiado familiar, no que representam aquelas personagens, aquelas simbologias, toda uma visão ideológica do mundo que é dos nossos dias, travestida que esteja em sedutora arte conceptual. No mundo da tridimensionalidade, da objectividade absoluta da imagem, haverá ainda disponibilidade do espectador para celebrar um olhar onírico do mundo, como nos traz Darren Aronofsky em The Fountain, por exemplo?
Imaginemos que poderíamos resgatar alguém a um passado distante. Trazer, por exemplo, um habitante da idade média até ao tempo presente e proporcionar-lhe a experiência de uma viagem a bordo de um automóvel, circulando de noite pelas estradas de uma qualquer cidade dos nossos dias. Como seria esmagadora a experiência, verdadeiramente incompreensível, daquela realidade, da velocidade, das luzes, dos sons, da escala do nosso mundo urbano.
Mais interessante ainda seria fazer regressar esse habitante ao seu tempo de origem e observar as suas descrições do sucedido, as suas interpretações daquilo que seria em grande parte uma abstracção inexplicável. E como outros tentariam representar essa mensagem, recriando imagens do indecifrável baseadas no conhecimento, na tecnologia, na imaginação do seu próprio tempo histórico. Como descrever aquilo que não tem forma, não tem narrativa, não tem ainda um sentido? Como explicar, afinal, o mundo de amanhã usando uma linguagem criada para o mundo de hoje?
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário